David J Phillips
Autodenominação: Kãkiti que significa ‘pessoa’ ou ‘ser humano’ e indica a diferença do humano dos animais ou de certos espíritos. Mas Popõkari significa ‘Apurinã’ distinguido dos outros indígenas ou ‘Índio’ em geral em contraste dos ‘civilizados’ (Pickering Gram 2009). Apurinã, ou na forma mais antiga Ipuriná, é da língua dos Jamamadi (Schiel 2005)
Outros Nomes: Popengare, Ipurina ou Ipurinãn, Popukare, Kangite (SIL, DAI/AMTB).
População: 4.087 (DAI/AMTB 2010), 4.087 (FUNAS 2003), 7.718 (FUNASA 2010).
Localização: Diversos grupos espalhado no rio Purus, Amazonas e em Rondônia. Também em Mato Grosso. Em 27 Terras Indígenas.
1) Terras Indígenas habitadas somente pelos Apurinã:
- T I Itixi Mitari (182.134 ha) população: 517.
- T I Camicuã (308.062 ha) 454.
- T I Peneri/Tapcaquri (42.828 ha) 365.
- T I Apurinã do Igarapé Tauamirim (46.456 ha) 295.
- T I Água Preta/ Inari (139.763 ha) 255.
- T I Boca do Acre (26.240 ha) 248.
- T I Apurinã situada no Km.124 BR357 (42.198 ha) 209.
- T I Catipari/Mamoriá (115.044 ha) 197.
- T I Seruini/Marienê (144.911 ha) 160.
- T I Apurinã do Igarapé São João (18.232 ha) 142.
- T I São Pedro do Sepatini (27.644 ha) 121.
- T I Apurinã do Igarapé Mucuim (73.350 ha) 89.
- T I Tumiã (124.357 ha) 85.
- T I Acimã (40.656 ha) 68.
- T I Guajahã (5.036 ha) 65.
- T I Jatuarana (5.251 ha) 65.
- T I Alto Sepatini (26.095 ha) 43.
- T I Igarapé Paiol (261 ha) 34.
- T I Lago Barrigudo (261 ha) 25.
- T I Fortaleza de Patauá (743 ha) 22.
- T I Baixo Seruini/Baixo Tumiã (área e população desconhecidas).
2) Seis TIs que são compartilhadas com outras etnias:
- T I Paumari Lago Paríca (18.792 ha) total com os Paumari 159.
- T I Caititu (308.462 ha) com os Jamamadi e Paumari 1.022.
- T I Paumari do Cuniuá com os Paumari 96.
- T I Roosevelt (230.872 ha) com os Cinta Larga 502.
- T I Paumari do Lago Marahã (118.766 ha) com os Paumari 1.076.
- T I Torá (54.961 ha) com os Torá, total 211.
Língua: Apurinã, da família linguística Arawakan, Maipuran do Sul, Purus (SIL). Talvez existam 1.000 falantes. Classificada ser o ramo pre-andino da Arawak e semelhante a Baure na Bolívia e Piro-Mantineri no Peru e no Brasil. Canamari pode ser a língua mais próxima. Devido as distancias entre os grupos de Apurinã devem existir dialetos (Pickering 2009). Muitos dos homens falam português em comerciar com os regionais (Pickering 1964). Os Piro-Mantineri vivem no alto rio Purus e no baixo Urubamba no Peru (Schiel 2005). A tradução do Novo Testamento foi completa em 2004 (SIL).
História:
O rio Purus, conhecido antigamente como o Coxiuara, tem suas nascentes em um dos lugares mais inacessíveis do Peru, nas montanhas coberta de floresta baixa das regiões de Ucayali e Madre de Dios. Entrando no Brasil, o rio Acre é um afluente, e 3.200 km dele é navegável. O curso do rio tem muitos meandros que formam a metade do seu comprimento. Há muitos lagos na margens. É de água branca com sedimentos andinos, que contribui à abundancia do peixe e até hoje 40% do peixe vendido em Manaus vem deste rio. Foi neste rio que os Apurinã viviam como um povo nômade. Eram conhecidos como Ipuriná (Hypuriná, Ipurinan, Ipurinã) na literatura dos primeiro contatos (Pickering 2009).
No século XVIII o rio Purus foi invadido por portugueses procurando cacau, copaíba, manteiga de ovos de tartaruga e látex da borracha. Cedo alguns Apurinã começaram a trabalhar com os não índios. Mais tarde acerca de 1850, expedições foram para mapear o rio. No século XIX o povo viviam no médio rio Purus entre o rio Laco (no município de Sena Madureira, no Acre) e o rio Paciá e no rio Septini, afluentes do Purus, no Amazonas (Schiel 2005). Nesta época os Mura no baixo Purus se envolveram na rebelião da Cabanagem. O frade Pedro de Cirana, expelido da Missão Mawé no rio Andirá, fundou uma missão no rio Purus em 1854, mas quando os índios fugiram dos serigueiros para dentro as florestas, ele ficou decepcionado e voltou à Itália (Hemming 1987.314).
Durante o século XIX a exportação da borracha cresceu grandemente. Na toda a Amazônia entre 1830 e 1870 a quantidade cresceu de 156 a 6.591 toneladas. Calcula-se que por 1912 190.000 homens eram empregados em extrair o látex em toda a Amazônia. Em 1870 começou a exploração da borracha no rio Purus, que era um nos afluentes do Amazonas com mais seringais e todo o rio ficou povoado com seringueiros até 1910 (Hemming 1987.263). Os seringueiros ficaram no Purus depois da queda do mercado da borracha, subsistindo como ribeirinhos, pela pesca, caça e criando roças de mandioca. A produção da borracha reviveu brevemente durante a Segunda Guerra Mundial. Durante esta época os Apurinã sofreram massacres de exterminação ou escravidão pelos seringalistas (Schiel 2005). Dois capuchinos recomeçaram uma nova missão no rio Purus e protestaram a exploração dos índios pelos comerciantes, porém estes receberam o apoio da policia e em pouco tempo a missão foi abandonada (Hemming 1987.315).
Em 1911 dois serigueiros tentaram capturar um casal Apurinã e mataram o homem, mas a mulher conseguiu fugir. Dois dias depois os índios sob o chefe João Grande atacaram uma banda de nove seringueiros, matando seis. Dez dias depois 50 seringueiros atacaram uma maloca deixando os habitantes, mas os brancos ficaram terrorizados quando este ataque provocou uma resistência indígena em massa. Porém os atacantes fugiram e abandonaram o rio Purus e todas suas pertences (Hemming 2003.57).
O SPI fundou seu Posto no rio Seruini em 1913 depois uma batalha quando quarenta Apurinã e sete seringueiros foram mortos. Mas o Posto não ajudava os índios, e eles falaram da corrupção de manimentos e roupas desviados do Posto. O Posto esteve desativado em 1940 e a aldeia Marienê ficou no seu lugar. Na região de Pauini havia conflitos entre os índios e os regionais, porque os últimos invadiram o território. Especialmente os Apurinã na T I Peneri Tacaquiri resistiram o projeto da prefeitura de construir uma estrada na área durante os anos 80 e 90. A empresa Madeireira Nacional coloca uma pressão sobre T I Tumiã e T I Guajahã. A empresa Agro Pastoril Novo Horizonte invadeu a T I Seruini-Marienê e cria conflitos que tem resultado em um morto e outros feridos entre os índios. Uma demarcação final é ainda para ser feita (Schiel 2005).
Estilo da Vida: Os Apurinã vivem espalhados em grupos de três a cem pela extensão do rio Purus, entre as fozes dos rios Jaro e Laco. A maior parte estão entre os rios Sepatini e Acre (Pickering 2009).
Sociedade:
O povo é dividido em duas ‘nações’ ou metades: Xoaporuneru e Metumanetu conforme a linhagem paterna do indivíduo, e recebem um nome da metade. Os membros são considerados ‘irmãos’ – nutaru ou nutaro. Cada um praticam tabus de comidas e quebrando esta resguarda pode provocar doença e até a morte. As ‘nações’ são exogâmicas. Também há divisões por ‘povos’ com ‘povo do jacaré’, ‘povo do sapo’ e ‘povo do papagaio’ e outros sistemas de divisões. Também a população de uma região é nomeada conforme o local de residencia, por exemplo igarapé, ou o grupo de parentesco dominante. As comunidades tomam diversas formas e são chamadas também com o nome de um homem de prestígio, chefe, professor ou agente de saúde.
Antigamente tinham malocas (aiko) habitadas por famílias extensas com uma porta dos homens e outra para as mulheres. Hoje as casas são de tipo regional, onde mora uma só família com um terreiro no lado de fora. As comunidades são constituídas das casas da mesma parentela. Alguns na T I Roosevelt se casaram com os Cinta Largas (Schiel 2005). Algumas crianças têm acesso às escolas.
Artesanato: Muitas das mulheres fazem vassouras, balaios e cestas para vender. Fazem também um tipo de cerâmica de barro misturado com o pó das cinzas da árvore caripé. As cerâmicas são pintadas com breu de jabobá, conferindo um aspecto brilhante. Fazem canoas de casca da árvore jutai para viajar nos altos igarapés (Schiel 2005).
Religião:
São praticantes da religião tradicional ou são Cristão (SIL).Praticam poucos dos ritos tradicionais e adotaram sincretisticamente aspectos do Catolicismo dos regionais (Pickering 2009). O xamanismo dos Apurinã envolve pedras, que creem que provoquem as doenças e também que sejam o meio para curá-las. Na sua iniciação o pajé recebe pedras que depois ele vai ‘tirar’ do corpo dos seus pacientes. O paciente providencia folhas de katsoparu e rapé para o pajé mastigar. Ele cura por chupar o local com as sintomas e depois mostra a pedra como a explicação ou causa da doença. Ele recomenda remédios seja da mata seja da farmácia.
As crianças de menos de dois anos são ameaçadas por espíritos que tentam puxar a alma da criança para fora, e os pais observam tabus de alimentos para preservar a saúde do filho. Todo o mundo pode sofrer as flechadas de ‘bichos’. Os pajés viagem nos sonhos guiados pelos espíritos para cumprir tarefas pela comunidade. Os animais têm chefes que são pajés que conversam com os pajés Apurinã que devem dominá-los. Creem que os pajés não morrerem, mas saem dos túmulos para continuar a atuar após da morte (Schiel 2005).
As festas (Xingané) começam com os convidados chegando armados para confrontar os da casa do anfitrião, os que vão ao seu encontro também armados e pintados. Segue um dialogo entre os lídres dos dois grupos para se identificar, com armas apontadas aos peitos dos outros. Depois de ficar satisfeitos com a identificação dos outros, as armas são baixadas e os líderes tomam rapé. A outra festa dos Kamatxi, espíritos que moram em buritizais, não é realizada mais.
Uma festa chamada isai é para acalmar a sombra de um falecido, depois da morte e também realizada nos anos seguintes.
Cosmovisão:
O mundo é explicado por um mito. Yakonero, um ser fêmeo, passa a noite com diversos amantes desconhecidos. Ela é expulsa por tentar descobrir quem são os visitantes a noite. Na viagem de volta para a casa dos pais, o filho ainda no seu ventre pede várias coisas. No fim Yakonero dá à luz quatro filhos. Tsora é o filho dela mais novo e mais fraco, mas muito engenhoso e poderoso. Tsora é criador de tudo e é a explicação de todos os fenômenos do mundo. Criou todos os povos e os provou com testes, mas os Apurinãs sempre saíram dos testes com os resultados piores. Isso é a explicação das divisões entre as etnias.
Também contam o mito da Terra da Promessa onde eles viviam antigamente imortais, sem doenças ou morte. Mas migraram para a terra atual e ficaram encantados com as coisas aqui e permaneceram. Os Kazararai eram os companheiros nesta viagem. Alguns Apurinã afirmam que eles também compreendem um pouco da língua Kaxarari em razão de sua saída conjunta da Terra Sagrada (Schiel 2005).
Comentário: Wilber e Ida Lou Pickering e Cathie Aberdour da SIL analisaram a língua e traduziram o Novo Testamento. O casal Pickering fez o analise linguístico preliminar com três visitas entre abril 1963 e junho 1964 na comunidade de 50 pessoas no Igarapé São João, dois km. rio abaixo da cidade de Tapauá na foz do rio Ipixuna.
Bibliografia:
- DAI/AMTB 2010, ‘Relatório 2010 – Etnias Indígenas do Brasil’, Organizador: Ronaldo Lidório, Instituto Antropos instituto.antropos.com.br
- HEMMING, John, 1987, Amazon Frontier – The Defeat of the Brazilian Indians, London: Pan Macmillan.
- HEMMING, John, 2003, Die If You Must – Brazilian Indians in the Twentieth Century, London: Pan Macmillan.
- PICKERING, Wilbur N, 2009, ‘Apurinã Grammar – Preliminary Version’, Associação Internacional de Linguística – SIL Brasil, Anápolis – GO.
- PICKERING, Ida Lou; PICKERING, Wilbur N, 1964, ‘A Phonemic Analysis of the Apurinã Language Preliminary Version’, Associação Internacional de Linguística, SIL Brasil Anápolis – GO.
- SCHIEL, Juliana, 2005, ‘Apurinã’, Povos Indígenas do Brasil, Instituto Socioambiental, São Paulo. pib.socioambiental.org/pt/povo/apurina/
- SIL 2009, Lewis, M Paul (ed), Ethnologue: Languages of the World, 16th edition. Dallas, Texas: SIL International. Versão on line: www.ethnologue.com