Hixkariana – Kamarayana

David J Phillips

Autodenominação: Kamarayana que significa ‘povo onça’ e Yukwarayana que é ‘povo da goma da mandioca’ (Caixeta de Queiroz 2010).

Outros Nomes: Chawiyana, Faruaru, Hichkaryana, Hishkaryana, Hixkariana, Kumiyana, Parucutu, Parukoto-Charuma, Sherewyana, Sokaka, Wabui, Xereu, e Xerewyana.

População: 924 (Caixeta de Queiroz 2010); 631 (DAI-AMTB 2010). Acerca 100 em 1959 e 237 em 1977 (Cahill 2004). Seus vizinhos são os Karafawyana, contatados pelo Waiwai evangélico Ewká, um pajé convertido; alguns dos Karafawyana continuam isolados (Hemming 2003.385).

Localização: No Nordeste do Estado de Amazonas com a divisas com do Pará.Originalmente na foz do rio Nhamundá perto da margem esquerda do rio Amazonas, atualmente em duas Terras Indígenas:

Terra Indígena Nhamundá Mapurera, no médio rio Nhamundá, a maior parte no Pará, homologada e registrada no CRI e SPU de 1.049.520 ha onde vivem Hixkaryana com Katuenayana, Kaxuyana e Waiwai, total 2.18 (FUNASA 2002).

  • T I Trombetas Mapurera e nas cabeceiras do rio Nhamundá, na divisa de Roraima, Amazonas e Pará, homologada em 2009 com 3.970.898 ha e 416 indígenas e mais isolados.
  • O rio Nhamundá forma a divisa entre os estados Amazonas e Pará. Duas aldeias estão situadas no rio Jatapu (55 em 2010). Outros moram nas cidades de Parantins, Nhamundá e Manaus. Duas aldeias no Nhamundá têm um maioria (70 pessoas) da etnia Kaxuyana, autodenominação Purehno (Caixeta de Queiroz 2010).

Língua: Hixkaryána ou Hixkariana é da família linguística Carib meridional e é semelhante à Waiwai. Os Sherewyana (89 pop.) vivem com os Waiwai e falam Hixkaryána. Alfabetismo na língua: 30-60%, na segunda língua 25-50%. Uma gramática foi produzida e o Novo Testamento traduzido em 1976 (SIL). Hixkaryána é uma das línguas raras que usam uma sintaxe na construção da oração: Objeto, verbo, sujeito (Derbyshire 1977, 1985).

História:
No século XVIII os Wabuti desceram do rio Trombetas para a foz do rio Nhamundá, e os Hixkariana são descendentes da mistura daqueles com outros grupos no local. Viviam na foz do rio Nhamundá na margem esquerda do rio Amazonas, desprezados e escravizados pelos brancos. Depois fugiram rio acima para ocupar as cabeceiras e pequenos igarapés do rio.No médio do século XX entraram de novo em contato com os não indígenas e mudaram-se para o médio do rio. Quando os missionários do SIL, os Derbyshires, se instalaram na aldeia Kassauá no médio Nhamundá, em 1958, os índios contaram aos grupos dispersos na cabeceiras do rio, para descer e aproveitar da assistência médica e do programa de alfabetização em Hixkaryána e Português.

Em 1959 a população era acerca de 100, devido a taxa alta de mortalidade infantil e a baixa auto-estima e péssimo desejo de viver. O casal Derbyshire começou a dar assistência médica e a taxa reduziu-se. Em 1977 o número tinha crescido para 237 e em 1999 foi 600. Depois a FUNAI tomou conta do trabalho médico (Cahill 2004). A Unevangelized Fields Mission (atualmente Crossworld) instalou-se entre os Waiwai na Guiana nos anos 50, e muitos se converteram. Muitos dos Hixkariana eram atraídos e se mudaram para viver entre os Waiwai e se casar com eles. Em 1972 os missionários evangélicos eram expulsos da Guiana por um governo socialista, e os índios Waiwai e os Hixkariana, que tinham ido lá, dispersaram, mas um grupo ficou, dois grupos foram para as missões na Roraima e Suriname e outros voltaram para o rio Mapuera, Pará.

Depois estes começaram a voltar para o rio Nhamundá. A FUNAI estabeleceu um posto em Cachoeira Porteira, e depois na aldeia Kassauá em 1971, no rio Nhamundá e em 1977 e o SIL saiu. O SIL foi expulso do Brasil 1977-9 que deu oportunidade aos linguistas brasileiros (Hemming 2003.269). Isso deixou a FUNAI continuar com o trabalho de saúde e educação (Caixeta de Queiroz 2010). Com a demarcação da Terra Indígena mais aldeias foram estabelecidas.

A recuperação da população é resultada de diversos fatores: o serviço médico, a educação na sua própria língua com cinco professores Hixkariana na escola, a tradução do Novo Testamento e também a FUNAI montou uma industria de castanhas do Pará. Também os casamentos com os Waiwai ajudou o crescimento da população (Cahill 2004). No fim da década 80 o agente da FUNAI desagradou ao ‘dono’ da aldeia Kassuá, que o expulsou, e assim terminou o acesso às ferramentas e outras vantagens do contato com a sociedade regional.

Na década 90, com a falta da FUNAI e do SIL, muitos dos Hixkariana começaram a visitar as cidades de Nhamundá e Parantins em busca de serviços de saúde e de educação e vender seus artesanatos. Em 1999 foi criado o Conselho Geral dos Povos Hexkaryana (CGPH). A aldeia Kassauá tinha em 2010 mais de 500 pessoas, e contra de costume, permaneceu no mesmo lugar por 50 anos. As aldeias de hoje são maiores e duram por mais tempo. Hoje existem dez aldeias no lado direito do rio e uma no lado Paraense. Mais duas aldeias estão situadas no rio Jatapu, que corre paralelo descendo para o Amazonas, 40 km distante. Outros vivam no rio Maputi ao leste no Pará. Desde 2000 cinco aldeias novas foram estabelecidas mais pertos das cidades e para manter a integridade das Terras Indígenas (Queiros 2010). Os povos Hixkaryana, Karafawyana, Katuena, Mawayana, Pianokotó, Sikiana, Tunayana, Waimiri Atroari, Wai-wai e Xereu e um grupo isolado, celebraram a homologação da Terra Indígena Trombetas Mapurera em 2009 (FUNAI).

Estilo da Vida: Antigamente o povo morava em malocas, de forma cônica e coberta de palha, com famílias extensas juntas e o casamento era uxorilocal. Depois a chegada dos missionários em 1958 as famílias nucleares moram em casas separadas, a construção sendo uma mistura do estilo tradicional e outras da forma regional. Mas cada aldeia tem uma maloca (umaná) para as reuniões da comunidade. As aldeias se mudam de lugar conforme desentendimentos, como acusações de feiticeira, mas o motivo mais comum é o esgotamento das roças e da caça. A liderança é fraca.

Artesanato: A FUNAI estabeleceu um comércio em castanha do Pará para os índios fazer a coleta e receber a renda.

Sociedade:
Os indígenas do rio Nhamundá se chamam Hixkariana, mas dentro esta denominação eles se distinguem entre Kamaryana, Karafawiana, Xereu, Xowiana e Yukwaraiana, provavelmente representando grupos étnicos integrados que não sobreviveram. Então estas divisões referem à memoria de aonde estes grupos moravam nas cabeceiras do Nhamundá ou no rio Jatapu. Estes grupos já mantinham relações estreitas antes de se juntar nas locais atuais. Quando os Waiwai se converteram ao Cristianismo, eles vieram como ‘evangelistas’ para persuadir os Hixkariana ir para a nova aldeia com os missionários da UFM (Caixeta de Queiroz 2010 e Hemming 2003.385ss).

Famílias dos Kaxuyana moram entre eles e esta etnia está na maioria em duas aldeias, Areia e Cafezal. São descendentes de uma família que se juntou aos Hixariana na aldeia Kassua para receber os serviços da FUNAI (Caixeta de Queiroz 2010)

O ‘dono’ da aldeia é o homem que consegue ter os mais irmãos ou genros que trabalham e moram com ele. Apesar da moradia é uxorilocal os direitos são transmitidos pelos dois lados da mãe e do pai.

Religião: O uso de caxiri e tabaco foram abandonados e as festas, a poligamia e a feiticeira não são praticadas mais. Elementos das tradições existem nas festas de Natal e Pascoa, e são realizadas conferencias com visitas de índios cristãos entre as igrejas evangélicas indígenas.

Cosmovisão: Como a Bíblia os mitos hixariana falam de um tempo primordial quando os homens coexistiam com a natureza. A diferença é que os homens podem se transformar em animais. Os Hixkariana contam o mito de Mawari e Woska, que eram dois seres que nasceram de ovos de um jabuti e eram os antepassados dos Kamaraiána. Viviam escondidos no telhado da casa de uma velha na aldeia das onças. Cada dia a velha pediu as onças sair para caçar. A onça pintada sempre conseguiu presa e voltou para casa mais cedo que a onça vermelha. Na aldeia as duas onças sentiram o cheiro de gente, porém a velha insistiu que não havia gente na casa. Isso aconteceu por muitos dias. Chegou o dia quando os dois seres cresceram e saíram para caçar sem temer as onças. Cada um plantou árvores, Mawari plantou uma melhor do que Woska. Os dois capturaram mulheres dos peixes, mas a de Woska era uma piranha, que cortou o pênis dele e por isso não pôde ter filhos. Mawari achou uma árvore que tinha ‘fruto’ de mandioca e cada dia levou a mandioca para casa, que caia da árvore. Custou muito tempo para a sua mulher achar e colher a mandioca assim. Os Hixkariana são descendentes de Mawari (Caixeta de Queiroz 2010).

Comentário: Desmond e Grace Derbyshire (SIL) trabalharam com os Hixkaryána entre os anos 1959 e 1975. Ele foi chamado para este ministério, anos antes, quando eles visitaram um amigo missionário na Guiana, e teve uma experiencia de ser perdido no mato por uma noite. No princípio do seu tempo entre os Hixkariana foram acusados de feitiço quando alguém morreu, mas a sua assistência médica conseguiu melhor a saúde da comunidade e a população cresceu. Eles receberam uma visita de surpresa de Senador Robert Kennedy, que foi impressionado o valor que os missionários deram ao ‘pequeno grupo de índios na floresta’. Foram os primeiros para analisar e aprender a língua. Completaram a tradução do Novo Testamento, Khoryenkon Karyehtana. A opinião de Professor Pullum é ‘os hixkariana tiveram a boa sorte de ter a sua primeira interação a longo prazo com o mundo, por este casal de missionários gentis’ (Pullum 2008.9, 26). A salvação ou sobrevivência do povo pode ser atribuída ao trabalho médico dos Derbyshire e a autoconfiança produzida pela tradução do Novo Testamento e a enfase na sua língua. Os missionários da Missão Novas tribos do Brasil treinaram cinco professores hixkaryána para uma escola primária (Cahill 2004). A Missão Novas Tribos do Brasil ainda trabalha com este povo (MNTB).

Bibliografia:

  • CAHILL, Michael, 2004, ‘From Endangered to Less Endangered: Case Histories from Brazil and Papua New Guinea’, SIL Electronic Working Papers 2004-004, SIL International, Dallas, Texas www.sil.org/silewp/2004/silewp2004-004
  • CAIXETA de QUEIROZ, Ruben, 2010, ‘Hixkaryana’, Povos Indígenas do Brasil, Instituto Socioambiental, São Paulo, SP, Brasil. pib.socioambiental.org/pt/povo/hixkaryana
  • DAI-AMTB 2010, ‘Relatório 2010-Etnia Indígenas do Brasil’, Organizador: Ronaldo Lidório, Instituto Antropos instituto.antropos.com.br
  • DERBYSHIRE, Desmond C, 1977 ‘Word order universals and the existence of OVS Languages’ e 1985 ‘Syntactic Typology – The place of Hixkariana’ em Fifty Years In Brazil – Um Tributo aos Povos Indígenas, eds: Mary Ruth Wise, Robert A Dooley, Isabel Murphy, Dallas Texas: SIL International, pág 27-69.
  • HEMMING, John, 1995, Amazon Frontier; The Defeat of the Brazilian Indians, London: Pan Macmillan.
  • HEMMING, John, 2003, Die if You Must: Brazilian Indians in the Twentieth Century, London: Pan Macmillan.
  • PULLUM, Geoffrey 2008, ‘Desmond Derbyshire (1924-2007)’ em Fifty Years In Brazil – Um Tributo aos Povos Indígenas, eds: Mary Ruth Wise, Robert A Dooley, Isabel Murphy, Dallas TX: SIL International, pág 7-16 (Tradução portuguesa pag. 17-26).
  • SIL 2009, Lewis, M Paul (ed), Ethnologue: Languages of the World, 16th edition. Dallas, Texas: SIL International. Online version www.ethnologue.com.