Kadiwéu

David J. Phillips

Autodenominação: São um dos últimos grupos sobreviventes dos povos Guaikurú do Grande Chaco. O nome guaycurú (Espanhol) guaicuru (português) era uma denominação ofensiva dada pelos Guarani para algumas tribos dos Mbayá do Paraguai, que significava ‘bárbaro’, ‘selvagem’. Os Mbayá viviam nas duas margens do Rio Paraguai. O ramo sulista consiste dos Mocoví, dos Toba e dos Pilagá.

Outros Nomes: Caduveo (Hemming 2003), Kaduveo, Caduveo, Kadivéu, Kadiveo (PIB). Cadiguebo, Cadioeo, Caduveo, Caduvéo, Caduví, Cayua, Guaicuru, Kadiveo, Kadivéu, Kadiweu, Kaduveo, Kaiwa, or Mbayá-Guaikurú. Os Kadiwéu: a literatura histórica chamou uma vez “os índios cavaleiros”, por ser de possuidores de um vasto rebanho equino (Pechincha 1999).

População: 1.900 (DAI/AMTB 2010), 1.346 (FUNASA, 2009).

Localização: Terra Indígena Kadiwéu, de 538.536 ha foi estabelecida em 1903, homologada e registrada no CRI e SPU, situada entre a Serra de Bodoquena e os Rios Nabileque e Aquidavão, no município de Porto Murtino, MS, Brasil, com população total de 1.629 (FUNASA 2006) com Terena, Kinikinau e Chamacoco.

Língua: Kandiwéu. Muitos falam e leem o português. Há diferencias entre a as falas dos homens e das mulheres (Pechincha 1999). Um Dicionário e uma Gramática e Porções Bíblicas produzidos em 1981. O Novo Testamento foi traduzido e publicado em 1999 (SIL 2013).

História: Os Guaicuru era o grupo de povos entre os quais eram os povos Toba, os Emók ou Toba-Mirí, os Mocoví, e dois povos extintos, os Abipón e os Payaguá, que viviam no Gran Chaco na Argentina e no Paraguai. A palavra ‘chaco’ é do quéchua e significa ‘território de caça’ com uma área de 1.280.000 km. quadrados. Falavam as línguas Mataco-Guaycuru. O nome é do Guarani que significava ‘selvagem’. Os Kadiwéu são os únicos que vive no lado leste do Rio Paraguai no Brasil (Pechincha 1999).

No século XVI os Guaicuru eram divididos em dois grupos maiores, o grupo no sul, os Guaicurú (em espanhol) na margem ocidental do Rio Paraguai, entre os afluentes Pilcomayo e Yabebiri e próximo à cidade de Assunção e o grupo do norte, os Mbaya, que no século XVII começaram a ocupar a margem ocidental do rio. Estes últimos se autodenominavam Eyiguayegui (Herberts 1999.20). Naquele século quando os espanhóis avançaram primeiramente no Chaco os Mbaya eram nômades caçadores coletadores se movimentando a pé. Todos os Guaicuru atacaram os espanhóis em Assunção constantemente. Em 1542 os Guarani cultivadores queixaram dos ataques dos Mbaya, especialmente na época da colheita.

Os espanhóis introduziram o cavalho no Chaco e durante o século XVI grande rebanhos ocuparam os pastos. Já no final do século os Mbaya cativaram e adotaram o cavalo e deu lhes a grande mobilidade que provocou grandes mudanças na sua sociedade, seus métodos de caça, sua guerra contra outros povos e os espanhóis e ampliou seu território. Sua sociedade formou classes de nobres, guerreiros, servos e escravos. Os servos ou vassalos eram os Guará e os escravos eram outros cativos de outras tribos (Herberts 1999.25).

Os Jesuítas tentaram uma missão entre os Guaicuru em dezembro 1609 e de novo em 1613, mas abandonaram seu trabalho em 1626 devido à falta de resultados positivos por causa da ausência dos indígenas em viagens nômades de caça, pesca e coleta. Os padres tentaram introduzir o cultivo, mas para os índios esta era atividade para cativos (Herberts 1999.28, 30). Os assentimentos dos Mbaya, situados ao lado de uma lagoa, eram de curta duração, de acordo com as estações do ano e da disponibilidade de recursos na localidade. O tamanho dos rebanhos de seus cavalos também precisava de grandes pastagens, que determinavam os seus movimentos (Herberts.1999.100).

Na guerra os Mbaya usavam arco e flecha, lanças, bordunas, bodoques para atirar bolas de barro, e vestiam com peles de onças-pintadas para servir como armadura d couro. Andavam de canoa com remos de dois metros de comprimento, com extremidades pontiagudas para também servir como lanças (Herberts 1999.207-246).

A adoção do cavalo intensificou a guerra entre o povo e os colonizadores com os novos objetivos de capturar mais cavalos e gado. Os Mbaya do norte se juntou com os Guaicuru nestas atividades, atacando vários povoados, ou ganhou artigos europeus por troca. Entretanto em 1678 muitos guerreiros os Guaicuru morreram em uma emboscada armada e uma epidemia de varíola.

Os Mbaya-Guaicuru chegavam ao auge de seu domínio na primeira metade do século XVIII, e formaram diversas hordas, cada uma com um nome específico que se associava a acidentes naturais da paisagem dos locais onde habitavam. Uma delas, a dos Cadiguegodis, tinha, no século XVIII, o seu território banhado por um riacho que os índios chamavam de Cadigugi. Tudo indica que esta última horda seja a dos ancestrais dos Kadiwéu atuais.

Os Mbaya do norte manteram os ataques contra os colonizadores, mas alguns se migraram para a margem oriental do Rio Paraguai no fim do século XVII, por causa das muitas palmeiras que crescem lá, principalmente de bocaiuva (Acrocomia aculeata), muito comum no Pantanal. As folhas eram usado para suplementação alimentar de gado e cavalos e os frutos serviam para alimentação humana (Herberts 1999.34, 44).

No fim do século XVIII a maioria dos assentimentos dos Mbaya-Guaicuru encontraram-se entre os rio Ypané e Taquari ou Miranda na margem oriental do Rio Paraguai e uma área semelhante na margem ocidental (Herberts 1999.78). Com a ampliação dos seu território e sua sociedade com vassalos e cativos chegaram a ocupar terras nos atuais estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. A horda dos Kadiwéu foi a última a migrar para o lado oriental do rio Paraguai, e era a única sobrevivente já na segunda metade do século XIX. Ainda neste tempo os Mbaya ou Kadiwéu eram nômades independentes.

Daqui atacaram os bandeirantes paulistas avançando pelos rios no Mato Grosso. Os portugueses ganharam controle da região por fundar os presídios de Nova Coimbra em 1775, e Albuquerque e Mondego em 1778. Também a mobilidade dos Mbaya foi diminuída pelo avanços de outros indígenas do sul e eles perderam seu controle sobre seus vassalos (Herberts 1999.49). Em 1791 eles buscaram aliado entre os portugueses e um tratado de paz foi assinado com o Capitão Geral de Mato Grosso. No século XIX eles eram formavam três tribos. Enquanto muitos Mbaya eram aldeados pelos portugueses os Kadiwéu continuaram a atacar as estância paraguaias ao sul.

Em 1864 o exercito do Paraguai invadiu Mato Grosso e tentou os Guató mudasse para seu território; a tribo recusou, mas a maioria morreu de varíola. Assim começou seis anos de guerra. Os Kadiwéu ajudaram um grupo de derrotados Brasileiros escapar para Cuiabá, e travessando o Rio Apa atacaram os Paraguaianos. O imperador Dom Pedro II deu um vasto território na Serra da Bodoquena aos Kadiwéu em gratitude do seu auxilio da Guerra do Paraguai. É situado na borda sudoeste do Pantanal (Hemming 1987.424).

A Guerra do Paraguai terminou com o Tratado de Limites de 1872. Depois da Guerra as tribos Mbayá-Guaicurú se desintegraram rapidamente, consequência do mestiçamento intertribal, do alcoolismo e das frequentes epidemias de varíola (Herberts 1999.53). Mas as últimas décadas do século era um tempo de desenvolvimento artístico, com a fabricação de cerâmicas e pinturas corporais complexos. Mais tarde Levi-Strauss fez uma coleção de 400 desenhos, todos diferentes dos outros (Hemming 1987.426). Os assentimentos da época eram semissedentários e formados de cabanas cobertas de palhas e folhas de palmeira em um semicírculo, situados em locais elevados para proteger contra as inundações. Usavam acampamentos temporários de tapiri usado nas viagens de caça e pesca. Também adotaram engenhos e caldeiras para extração de caldo de cana-de-açúcar (Herberts 1999.108). Os Kadiwéu fabricam cerâmicos e tecem pano multicolorido de lã e algodão, com contas de vidro na bordas e trançam esteiros, leques e outros artigos de junco (Herberts 1999.284).

Na década 30 do século XX o SPI tentou modernizar o povo, congregando em aldeias, com casas, ferraria, serraria, escola e farmácia, mas com o declínio do Serviço as aldeias eram abandonadas. Levi Strauss os achou vivendo fora das casas em barracas simples em 1935. Eles fabricaram chapéus de palha para o comércio (Hemming 2003.443).

O vasto território concedido aos Kadiwéu causou lhes muitos conflitos. Em 1957 fazendeiros organizaram uma invasão de 15.000 gado, mas os Supremo Tribunal decidiu em favor dos índios (Hemming 2003.444). Entretanto durante os anos 60 a administração de Vinha Neves do SPI alugou as terras dos Kadiwéu e depois foram vendidas aos fazendeiros por preços baixos, 6% do valor. O povo usavam apenas uma fração da terra (Hemming 2003.226,231,444). Nos anos 80 a FUNAI não tinha recursos para ajudar o povo e o comércio, ensino e assistência médica para curar sarampo, tuberculose e malária foram feitos pelos missionários evangélicos (Hemming 2003.445). INCRA conseguiu mudar 400 posseiros para Nioaque durante 1985.

Os Kadiwéu tiveram lídres efetivos em Martinho e Ambrósio da Silva que encontrou com o Governador do Estado e o Vice Presidente da FUNAI em Campo Grande, e em Agosto 1985 os Kadiwéu conseguiram um acordo com os fazendeiros, pelo qual estes pagariam algual diretamente à comunidade dos índios. A FUNAI construiu uma escola e uma clínica em Bodoquena, mas não achou professores e enfermeiros necessários. O povo tentou estabelecer uma escola própria com professores Terena, porque os países queriam os filhos aprender de ler e escrever português. A Missão Evangélica Unida e SIL receberam permissão a ajudar na escola e dar assistência médica (Hemming 2003.449).

Os lídres que seguiram não tinham autoridade suficiente e os índios fundaram uma associação de comunidades, a ACIRK (Associação das Comunidades Indígenas da Reserva Kadiwéu). Eles tinham dificuldade de patrulhar o território. Receberam ajuda do Banco Mundial e do advogado Alain Moreau e o antropólogo Georg Grüinberg para melhora sua administração comercial com os fazendeiros. Também animais foram introduzidos no território para melhor o equilíbrio ambientalista (Hemming 2003.450).

A administração da FUNAI, a associação dos fazendeiros arrendatários (ACRIVAN – Associação dos Criadores do Vale do Aquidaban e Nabileque) estão sediadas em Campo Grande.

Estilo da Vida: Os Kadiwéu vivem em quatro aldeias, Bodoquena e Campina no norte da Terra Indígena e Tomázia e São João no sul. Outras famílias estão espalhadas no interior da Terra para criar pequenas manadas de gado. 633 Kadiwéu viveram na aldeia Bodoquena, 39 em Campina, 60 em Tomázia e 67 no interior conforme uma pequisa de Pachincha em 1992. Na aldeia São João moram mais Terena e alguns Kinikináo em uma população de 170. A cidade mais próxima é Bodoquena, 60 km. da aldeia do mesmo nome(Pechincha 1999). Hoje moram em casas de famílias nucleares e os filhos casados vivem de regra matrilocal.

Sociedade: Antigamente tinham uma sociedade hierarquizada de nobres até escravos, como índios cavaleiros, viviam do saque e do tributos dos povos vizinhos, especialmente aos Xamakôko, e para capturar as mulheres e as crianças alheias para formar a classe de gootagi (nossos cativos) e produzir as novas gerações. Seus cativos incluíam europeus e colonos. Também contrariam casamentos entre os nobres e mulheres Terena para receber a produção agrícola deste povo. A unidade menor da sociedade era a ‘tolderia’ em uma casa coletiva, sendo a família de um ‘capitão’ ou ‘capitã’ que eram os ‘puros’ de descendência Kadiwéu com seus cativos. Antigamente a posição de capitão é hereditária e ele centraliza todas as decisões políticas em si, mas hoje o chefe é escolhido entre as famílias. Como em muitas das etnias os jovens mais instruídos também têm uma influencia política (Pechincha 1999).

Artesanato: As mulheres se dedicam à pintura de desenhos geométricos na pinturacorporal e facial. Darcy Ribeiro recolheu uma vasta coleção deste desenhos (Pechincha 1999).

Religião: Praticam a Festa da Moçaque é o ritual de iniciação feminina. A moça está em reclusão de dois dias e come uma dieta rigorosa. Depois disso uma mulher escolhida pela família da moça passa um pano vermelho sobre o corpo dela, e a moça deita no chão de bruços e a mulher aplica pressão sobre os rins dela.

Os Kadiwéu recebemum nome quando se nascem e também outro nome quando morre um parante próximo. Um sinal de luto é ter os cabelos cortados. É o costume adotar outra pessoa para substituir e preencher a falta do morto. Esta pessoa adotada corta o cabelo e recebe um nome novo (Pechincha 1999).

O Etogo ou navio é um ritual que faz referencia à Guerra do Paraguai e é uma representação de um navio de guerra no rio Paraguai com sua tripulação. O ritual é engraçado para zombar dos brancos, mas ninguém é permitido rir.

Cosmovisão: O ideal do guerreiro é fundamental na sua autodefinição. O mito falam dos Godapoagenigi, guerreiros que demonstram muito ousadia e coragem. As história são distinguídas em três classes, ‘história sagradas’, ‘histórias de admirar’ que contam de evento extraordinários e ancestrais mitológicos e a finalmente ‘histórias que aconteceram mesmo’ que descrevem evento no passado. As histórias fornecem a a etiologia dos costumes (Pechincha 1999). Acreditavam que a Lua era o céu, aonde os chefes e sábios viviam depois da morte.

Comentário: Os Kadiwéu são 15% evangélicos, 50% católicos. Um dos primeiros equipes linguísticos do SIL começou entre os Kadiwéu em 1959 (Hemming 2003.263).

Bibliografia:

  • DAI/AMTB 2010, ‘Relatório 2010 – Etnias Indígenas do Brasil’, Organizador: Ronaldo Lidório, Instituto Antropos –instituto.antropos.com.br
  • HEMMING, John, 1987, Amazon Frontier-The Defeat of the Brazilian Indians, London: Pan Macmillan.
  • HEMMING, John, 2003, Die If You Must – Brazilian Indians in the Twentieth Century, London; Pan Macmillan.
  • HERBERTS, Ana Lúcia, 1999, ‘Os Mbayá-Guaicurú: área, asentimento, subsistência e cultura material’, Programa de Pós-Graduação em História: Dissertação de Mestrado em Estudos Históricos Latino-Americanos, São Leopoldo: Univerisdade do Val do Rio dos Sinos: www.achietano.unsinos.br/publicacoes/textos/herberts1998 acessado 1 janeiro 2014.
  • PECHINCHA, Mônica Thereza Soares , 1999, ‘Kadiwéu’, Povos Indígenas do Brasil, Instituto Socioambiental, São Paulo. http://pib.socioambiental.org/pt/povo/kadiweu/
  • SIL 2013, Lewis, M. Paul, Gary F. Simons, and Charles D. Fennig (eds.). 2013. Ethnologue: Languages of the World, Seventeenth edition. Dallas, Texas: SIL International. Online version: www.ethnologue.com