David J Phillips
Autodenominação: Tenetehara significa ‘gente’ ou ‘aquele que é verdadeiro ser’; o ramo oriental é chamado de Guajajara e o ramo ocidental de Tembé. O nome é de forma arcaica, mas era usado para distinguir os índios que estavam prontos para abandonar as missões e rejeitar o regime dos jesuítas no século XVIII para voltar à sua vida antiga na floresta (Gomes 2002).
Outros Nomes: Tembé-Turiwara, Turiwara, Timbé, Tenetehara. Tembé é o nome dado pelos brancos e significa ‘nariz chato’ conforme Max Boubin (Valadão 2001). Os Tenetehara que migraram para o Gurupi e dentro do Pará ganharam o nome Tembé, que significa ‘lábio’ em Tupi, aludindo ao costume de furar o lábio inferior para colocar um disco de resina (Gomes 2002).
População: Em 1980 eram 111 Tembé nas margens do rio Gurupi (Balée 1994. 45), 820 (1999 Valadão 2001), 1.425 (Funasa, 2006), 839 (Instituto Antropos AMTB 2008).
Localização: Os Tembé habitam no Pará e na margem direita do rio Gurupi, no Maranhão. Moram em quatro áreas:
- Terra Indígena Alto Rio Turiaçu, MA,no lado direito do rio Gurupi, de 530.525 ha homologada e registrada no CRI e SPU, 1.352 habitantes de Tembé com os Guará e os Ka’apor (FUNASA 2010).
- Terra Indígena Alto Rio Guamá, PA, no lado esquerdo do rio Gurupi de 279.897 ha homologada e reg. no CRI e SPU com 1.425 Tembé, Ka’apor e Guajá (FUNASA 2006).
- Três grupos no vale do rio Acará-Mirim e no rio Pequeno no município de Tomé-Açu, formando as Terras Indígenas Turé-Marquita, Tembé e Urumatewa. Os Guajajara se localizam no rio Pindaré no Maranhão.
- T I Turé-Mariquita, PA, de 147 ha, homologada e reg. no CRI e SPU, com 40 Tembé (FUNAI 1998).
- T I Turé-Mariquita II, PA, de 587 ha, reservada, com desconhecido número de Tembé.
- T I Tembé, PA, de 1.075 ha, homologada e reg. no CRI e SPU, com 60 Tembé e Turiwara (FUNAI 1998).
- T I Marakaxi, PA, de 720 ha, declarada, com 32 Tembé.
- T I Jeju e Areal, PA, em identificação.
Língua: Tenetehara, Tupi-Guarani. Os que falam Tembé 180 indígenas (2000 SIL), outros falam português e Ka’apor. No Gurupi acerca de 100 falam sua língua dos 170 Tembé. Na T.I. Alto Rio Guamá não falam mais a Tenetehara. Um dicionário foi publicado por Max Boudin (Valadão 2001). A tradução do Novo Testamento foi completo em 2010 (SIL).
História:
Os Tenetehara, isso é, os Guajajaras e os Tembé, são relacionados com os Tupinambás do princípio da colonização. Antes do primeiro contato com os franceses vindo de São Luiz, o povo tinha uma população de 12.000 em mais que 40 aldeias no rio Pindaré, no centro do Maranhão. No século XVII foram atacados pelos Portugueses e levados pelas expedições ‘regates’ para escravizá-los nas plantações de cana. A missão jesuíta em seguida concentrou os índios em Maracu (agora Viana) e Carará (Monção) no Baixo Pindaré para trabalhar as plantações e as construções de estradas e igrejas. Depois da expulsão dos Jesuítas em 1759 alguns Tenetehara aceitaram a vida de caboclo entre os brancos, mas a maioria voltou para seu território para viver como indígenas em aldeias nos rios Pindaré, Grajaú e Mearim com uma população total da tribo de 12.000 (Gomes 2002).
Nos meados do século XIX os Tembé deixaram os Guajajaras para morar no rios Gurupi, Capim e Guamá no Pará. Embora os dois ramos têm suas relações separadas ainda se consideram um só povo Tenetehara (Gomes 2002). Eles sofreram da política indígena do Império de 1845, eram explorados pelos comerciantes regatões na extração de óleo de copaíba que causou sua mudança constante em grupos menores. Os Tembé revoltaram, mataram nove brancos e fugiram, então os regatões foram retirados por alguns anos.
Os Ka’apor, que cerca de 1860 habitavam a mata densa ao norte nos rios Guamá e Piriá no Pará, atacaram os Guará e os Tembé ao longo do rio Gurupi e se estabeleceram na outra margem do rio Paruá e no princípio do século XX atacaram os Guajajaras no rio Pindaré. Os Tenetehara eram considerado relativamente ‘civilizados’ na época (Balée 1994.35). Os Tembé trocaram óleo e resinas por ferramenta de aço com os regatões, que subiam o rio de novo, mas a troca do óleo de copaíba no vale do Gurupi decaiu no princípio do século XX. A população do Tembé também sofreu uma queda no Pará e no Gurupi provavelmente devido às doenças levadas pelos brancos como sarampo. Era calculada em 6.000 Tembé em 1872 e 1.091 em 17 aldeias em 1920 e em 1980 Balée contou apenas 111 (Balée 1994.45).
O SPI estabeleceu três postos no Gurupi entre 1911 e 1940 que encorajaram os Tembé a mudar das cabeceiras do Gurupi para o médio do rio e eles também serviram para atrair os Ka’apor. O primeiro posto chamado, Posto Felipe Camarão, à Foz do Ig. Jararaca, foi abandonado entre 1915-28 devido aos ataques (Ribeiro 1962). Os outros postos era um na Ilha Canindé (atual T I Alto do Rio Guamá), que ficou mais rio abaixo e o terceiro estava fora do Gurupi no rio Maracaçumé. Mas em 1928 a pacificação dos Ka’apor facilitou os missionários da MICEB (antiga Coração da Amazônia) estabelecer um posto rio acima chamada Boa Vista e ter contato pacífico com os Tembé e os ‘Úrubus'(Ka’apor) em 1933.
Novamente os Tembé no rio Guamá foram explorados pelos regatões para se tornarem madeireiros e então desenvolveram o comércio de madeira, dirigindo jangadas dos troncos rio abaixo. O SPI estabeleceu um Posto que usou os índios no serviço da lavoura e no comércio com os civilizados. Entretanto o chefe do Posto aumentou a produção por convidar colonos a entrar, encorajando mais casamentos mistos com os Tembé e a perda da língua Tenetehara. A atividade de caçadores de peles e madeireiros, e a derruba da mata para a criação de gado diminuiu a caça e a pesca para os indígenas (Valadão 2001). Então o SPI abandonou o posto e os índios voltaram para cuidar das próprias roças em uma área já desmatada, e as invasões da Terra Indígena continuaram e mesmo a FUNAI planejou lotear uma parte para posseiros. Em 1983 os Tembé do Pará, unidos com os Tembé do Gurupi, e com a ajuda do CIMI, opuseram-se a isso. A FUNAI os convidou a mudarem-se para o rio Gurupi. Alguns mudaram-se, mas uma boa parte deles voltou por sofrer ataques de malária e de sarampo no Gurupi (Valadão 2001).
No Rio Gurupi na década de 50 o SPI estimulou os regatões a comerciar com os índios. Nos anos 1964-70 a SUDENE estabeleceu 6.000 colonos nordestinos na Terra Indígena do Alto Turiaçu e que atraiu mais de 58,646 posseiros. Também a abertura da estrada BR-316 em 1974 e aumentou as invasões (Balée 1994.47). A FUNAI tentou ordenar que os Tembé do Gurupi se transferissem para juntar-se com os Tembé do rio Guamá, mas eles se recusaram. Muitos dos homens Tembé do Gurupi foram levados a trabalhar na construção da Rodovia Transamazônica. Nas aldeias a ausência dos homens indígenas provocou escassez de caça e peixe e a falta das cerimônias rituais.
Estilo de Vida: O nome Tenetehara tem o significado e de ‘ser autêntico’ em contraste com todos os outros povos, ou ‘aquele que é verdadeiro ser’, a ‘encarnação perfeita da humanidade’ que implica na autonomia social (Gomes 2002). Os Tenetehara pensam mais na subsistência do que na produção comercial. Eles adotaram especies de plantas domesticas, como arroz, café, temperos e as introduziram aos Ka’apor, e participam na extração de madeira da floresta (Balée 1994.118, 153). O plantio das roças é em novembro e a colheita em maio.
A divisão de trabalho entre as mulheres e os homens: O homem gasta um terço do seu tempo na agricultura e resto do tempo em caçar, pescar, comerciar e na politica. Os homens são responsáveis para derrubar a mata e limpar as roças e as mulheres podem ajudar a limpar depois da queimada, e depois plantam e ajudam a capinar. Os homens caçam e preparam a caça maior como anta, veado, porco do mato, caititu, queixada ou guariba As caças menores, como cutia, paca, tatu e os aves são também de responsabilidade da mulher. A distribuição da carne à família e os vizinhos é a tarefa da sua mulher ou da sogra. Ele deve entregar carne de vaca comprada a ela também (Zannoni 2000).
O trabalho da roça é considerado a responsabilidade da mulher, e ela ocupa-se com agricultura dois terços do seu tempo. Elas colhem e trazem para casa os produtos. Elas coletem os frutos do mato. Os homens apanham a lenha. Pescar e carregar água é para ambos e os homens ajudam torrar a farinha entre junho e agosto. Os Tembé usam redes para pescar (Balée 1994.60). Hoje em dia eles plantam um pouco mais de arroz, etc., para vender aos brancos para comprar roupa e outros produtos de fora. Negociar a troca dos produtos com outros de fora ou vender na cidade é de responsabilidade do homem. Eles trazem compras da cidade e colhem o mel silvestre, mas não os frutos. (Zannoni 2000).
A mulher do chefe de família extensa é dona da casa e tudo o que está dentro dela, as redes, e tudo para cozinhar e comer. Ela com as filhas faz a farinha e dividem a comida trazida da caça e pesca pelo homem. Os homens constroem a casa que é a propriedade da esposa. A ele pertencem a espingarda, o arco e flechas e as ferramentas (Zannoni 2000).
Artesanato: Os homens trabalham com palha confeccionando balaios, peneiras, cestos e esteiras e também o arco e flecha e instrumentos musicais como maracá e apito. As mulheres trabalham com algodão e sementes para fabricar redes, braceletes, colares e capacetes.
Sociedade:
Os Tenetehara formam famílias extensas que são uxorilocal de casamento exogâmico. Por isso a casa é considerada a propriedade da mulher. O genro trabalha para o sogro por pelo menos dois anos. A prosperidade da família depende em ter filhas que já passaram pela iniciação e prontas para se casar trazendo outros homens para a força braçal (Zannoni 2000). Cada chefe de família deve manter sua autoridade na família e também para com as outras famílias e a FUNAI. Por isso ele deve saber ler e escrever português. O genro pode voltar com a esposa para a casa do pais ou formar uma nova família extensa. A excepção é quando um branco que se casa com indígena, nunca é aceito como chefe de família ou ser um Tenetehara.
Antigamente os homens tembé furavam o lábio inferior para colocar, como enfeite, um disco de resina ou uma taquarinha; a prática já não se usa mais.
Os Tembé do Rio Guamá e do Rio Capim falaram somente Português em 2001. Um programa de educação bilíngue foi realizado na década 90 entre os Tembé do Gurupi. A falta de autoestima, a necessidade de relacionar com a sociedade nacional, e a perda da floresta da terra firme com a falta de caça, etc, forçaram uma dependência no governo e outras organizações, um aumento de casamento misto e a atitude de desprezo do índio por alguns brasileiros eram algumas das razões porque os indígenas descontinuaram usar sua própria língua. Entretanto seu líderes e outros reconheceram que sem o uso da sua língua Tenetehara eles estavam perdendo a sua identidade, e que é possível ter uma identidade social dupla, de brasileiro adaptado a sociedade nacional e também ser Tenetehara Tembé. O programa de educação bilíngue era efetivo em encorajar uma mudança de atitude positiva para com as duas línguas (da Silva 2001).
Religião: Conforme os seus mitos o herói Maíra ensinou os Tenetehara caçar, pescar fazer e plantar roça. Os Tembé pede a permissão do Maíra para começar a limpar uma roça e o agradecem as colheitas. Pedem ao ‘dono das caças’ e ao ‘espírito das águas’ para caçarem e pescarem. Cada planta e especie tem seu espírito para tratar bem e assim não prejudicar quem os come (Zannoni 2000).
Dos antigos rituais a maioria já estão abandonados, mas os Tembé ainda praticam wiraohavo, a iniciação dos rapazes e moças, chamada também da Festa do Moqueado. e praticam uma cerimonia mais simples para proteger uma criança quando começa a comer carne pela primeira vez; a carne do inhambu. Os tabus de comida são observados para não ofender os piwara, os espíritos dos animais, especialmente das aves.
Zannoni oferece a seguinte interpretação: A mulher é associada com a dádiva da vida e cuidando da vida nova, inclusive a vida da flora da roça. O homem é associado com as mortes, seja a derrubada de arvores, seja a morte dos animais de caça. Sendo o fecundador ele aumenta a população e cria um desnível entre a natureza e a humanidade (Zannoni 2000). 60% dos Tembé professam ser Católico.
Entre os Tenetehara, os gêmeos são mortos logo após o seu nascimento. As genitoras ficam envergonhadas e há uma forte reprovação moral manifestada pelo grupo, porque eles acreditam que o nascimento de gêmeos ocorre quando a mulher copula com Zurupari, o demônio da floresta (Gosso 2004.10).
Pajés: Existem poucos pajés hoje em dia; usam fumaça de tabaco para dispersar os espíritos.
Cosmovisão: Os Tembé acrescentaram as festas Católicas e dias dos santos à sua tradições, mas não adotaram o catolicismo por completo. Maíra é seu herói que mantem a criação.
Comentário: A Missão Coração da Amazônia (WEC mais tarde MICEB), depois um mapeamento em 1926, estabeleceu uma base chamada de Boa Vista na parte de cima do Rio Gurupi, perto do Posto do SPI Jararaca. os obreiros eram H. Banner, e H. S. e R. Phillips, os pais do autor deste profil na década 30. Usavam o dicionário, traduções bíblicas dos evangelhos de Marcos e João, e hinários em Guajajara preparados pelos ‘missionários de Sapucaia e Altamira’, que incluiu Fred Roberts, que foi morto pelo Kayapó em 1935; foram copiados à maquina de escrever na aldeia (Este autor tem exemplares). Nestes dias os Tembé mudaram do lugar, mas ainda os mais velhos falam dos missionários (da Silva). Norval e Lau da Silva (SIL) dirigiram um projeto de Computer Assisted Related Language Adaptation (CARLA) para a tradução da Bíblia tembé e guajajara. Há Tembé evangélicos desde 1934.
Bibliografia:
- BALÉE, William 1994, Footprints of the Forest, Ka’apor Ethnobotany the historical Ecology of Plant Utilization by an Amazonian People, New York: Colombia UP.
- DA SILVA, Norval. 2001. “Language attitude change among the Tembe people of Brazil.”, Notes on Sociolinguistics 6: 59-64.
- GOMES, Mércio Pereira, 2002, O Índio na História – O Povo Tenetehara em busca da liberdade. Petrópolis: Editora Vozes.
- GOSSO Yumi, 2004, ‘Pexe oxemoarai: brincadeiras infantis entre os índios Parakanã’, Tese de doutorado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47132/tde-21032006-105319/pt-br.php
- RIBEIRO, Darcy: 1962, ‘A Pacificação dos Índios Urubu-Kaapor’in A Política Indigenista Brasileira 82-95 www.sil.org/americas/BRASIL/publcns/stories/PortUKDc.pdf
- VALADÃO, Virgínia, 2001, ‘Tembé’, Povos Indígenas do Brasil, Instituto Socioambiental, São Paulo. pib.socioambiental.org/pt/povo/tembe
- ZANNONI, Claudio, 2000, ‘Política e Economia na Sociedade Tenetehara: Uma Análise das Relações e Econômicas’, XXIV Encontro Anual da ANPOCS.