Mura-Pirahã — Hi’aiti’ihi

David J. Phillips

Autodenominação: Hi’aiti’ihi que significa ‘os retos’.

Outros Nomes: Pirahã

População: 360 (DAI/AMTB 2010), 420 (FUNAI 2010). 80 em 1966, 120 em 1978, 250 em 2004 (Cahill 2004), 360 (ISA 2000) mas a população da etnia Mura é 1.500 (SIL). A população da T. I. é 477 (2010).

Localização: Moram nas margens dos Maici, afluente do rio Marmelos, na margem direita do rio Madeira no interior do município de Manicore (pop: 47.000), Amazonas (Pequeno 2006).

A Terra Indígena Pirahã é de 346.910 ha e contem das duas margens do rio Maici com a BR 230 formando a extremidade no sul. Homologada e registrada no CRI e SPU com 477 Piranhã (FUNAI 2010).

Língua: Pirahã ou Múra Pirahã e a maioria continuam monolíngue. SIL produziu uma gramática e porções bíblicas em 1987. Conforme Amoroso a língua é Apaitsiiso que significa ‘aquilo que sai da cabeça’. Tem só oito constatantes e três vogais, mas tem um sistema complexo de tons, acentos e verbos. Não tem vocábulos para números e cores. Os Pirahã podem comunicar entre si a longas distâncias, por meio de assovios e gritos (Amoroso 2009).

História: Os Pirahã tiveram contato com os colonizadores europeus desde os século XVIII. Eles mantiveram seu auto estimo e orgulho da sua língua, apesar de fossem tratados por bichos pelos brancos (Cahill 2004). Nas tentativas de pacificar os Parintintin o SPI Capitão Amarante teve contato com os Mura Pirahã, que eram pacíficos mas inimigos dos Parintintin, e não recebeu auxilio da parte deles (Hemming 2003.64). Durante a segunda metade do século XIX os Pirahã separaram-se do grande grupo Mura, permanecendo, ainda hoje, monolíngues. Na há relações com os Mura, exceto nas reuniões dos lídres de etnias indígenas (Pequeno 2006133).

Estilo da Vida: São caçadores coletadores. Conhecem todas as plantas e os animais e sem armas podem percorrer a floresta e voltar carregando frutas e castanhas. Podem assobiar a língua para conversar no mato. Constroem tapiris simples e usam muito canoas mas não os fabricam. Formam grupos residenciais maiores durante a estação seca para aproveitar a pesca nas praias e grupos menores na terra firme na estação da chuva. Os grupos são distantes uns dos outros. Os grupos são formados de famílias nucleares e os casais têm grande autonomia de vida, ficando sozinhos por dias na coleta ou pesca. O homem deve pescar para as mulheres de parentela mais próxima (ahaige) que inclui a mãe, irmãs, primas cruzadas e paralelas e depois de se casar pesca para a esposa, as filhas e as filhas dela. Através da esposa a sogra e suas cunhadas recebem peixe, não para os homens da família da esposa. A caça é pouca praticada por ambos os homens e as mulheres. O homens usam espingarda para anta, capivara, queixada e macacos e as mulheres usam cachorros para caçar animais menores como paca, caititu e cutia.

Suas habitações são jiraus com e sem coberturas. Quando vivem na praia do rio Marmelos, inicialmente as moradas são construídas sem tetos, constituindo-se apenas de jiraus utilizados para passarem o dia e dormirem. Quando as chuvas se tornam mais frequentes providenciam a cobertura de quatro, seis, oito ou nove esteios fincados no chão e cobertos com palha.

Fazem raspadores para fabricar os pontos das flechas e bolsas de folhas de palmeiras tecidas. Não dormem por muito tempo mas cochilam por quinze minutos até uma hora. Plantam manivas de mandioca mas preparam farinha pouco a pouco conforme necessidade. Gostam de passar fome para ficar mais ‘duros’ e por isso não guardam comida. O missionário Everett tentou ensinar métodos de conservar peixe e carne com sal e moqueando com fumaça, mas não quiseram aceitar estas novidades (Colarpinto 2007). Os homens trabalham nas roça com seus irmãos e recebem produtos através das suas esposas os produtos das roças dos maridos da mãe, irmãs, etc.

Sociedade: Os Pirahã são individualistas e valorizam a liberdade da pessoa. Não têm organização, hierarquia ou liderança social. Os Pirahã têm uma sistema simples de parentela, os mais próximos (ahaige) e os mais distantes (mage). Um círculo vicioso formou na população nos anos 60 quando tinham uma alta mortalidade infantil, que causou casamento de moças muito novas que por sua vez resultou em mais mortalidade de infantos e as mães. Casamento é com primas cruzadas (ibaisi). Casamento fora do povo é proibido (Cahill 2004), mas não um conceito de castidade e podem troca sexo para ganhar artigos industriais. O casal é a unidade fundamental para formar as relações sociais.

Artesanato: Confeccionam cestos de palha de babaçu de forma retangular, para colher a mandioca ou caça. Constroem canoas de casca de árvore marupá, da copaíba e do jatobá.

Religião: Não têm deus ou heróis espirituais maiores. Existem espíritos que se manifestam com animais ou objeto e colares são usados para os protegerem. Os rituais são praticados na estação seca quando há abundância da caça e coleta. Os pajés visitam as camadas diferentes do universo para consulta com as criaturas que vivem nestas. A ocasião das festas na noite da lua cheia e são para advertir o demiurgo onde estão para reconstruir o universo e não destruí-lo. Tocam flautas de dois ou seis tubos de taboca.

19% são Cristão e 1% são evangélicos (www.josuasproject.net).

Cosmovisão: Os Pirahã não têm conceito de história, tudo é conhecido pela experiencia empírica. Everett chamou isso o ‘princípio da experiencia imediata’ (Colopinto 2007). Perderam interesse em Jesus quando descobriram que Everett nunca o teve visto. Creem que sua cultura é completa e não precisam adotar de nada dos outros. Conforme Marco Antonio Gonçalves os Pirahã não têm mitos da criação e creem que tudo sempre era como está.

Os Pirahã consideram o universo de camadas (migi) um em cima da outra, que são formadas de materiais diferentes. Seres humanos habitam todos os níveis. Outras criaturas são antropomórficas mas deformadas, os abaisi, que habitam os dois níveis em cima e os dois embaixo. Os mortos vivem no nível imediatamente embaixo. Uma criança recebe um nome antes de nascer que o nome do seu corpo. Um outro nome é dos abaisi que é a alma e garanta o destino de se transformar em um morto depois da morte. Estes mortos são de dois tipos os kaoaiboge que come fruta e peixe mas os toipe são antropofágicos.

Comentário: Arlo e Viv Heinrichs foi os primeiros missionários entre os Pirahã e ficaram por seis anos; descobriram a língua ser difícil e experimentaram com uma tradução do Pródigo. Eram seguidos em 1966 por Steve and Linda Sheldon (Cahill 2004). Arlo caçou carne para os índios doentes durante uma epídema de sarampo. E os velhos Pirahã acreditam que os missionários salvaram o povo de extinção.

Daniel L. Everett e sua esposa Karen M. Everett, com seus três filhos, trabalharam entre os Pirahã 1978-1983 e 1999-2002. No intervalo estudaram na Universidade de Campinas, ganhando Mestrado e Doutorado com teses sobre a língua. O casal têm gastado trinta anos no estudo desta língua. Daniel seguiu as ideias de Chomsky, mas chegou a conclusão que a língua pirahã não provou a teoria e isso provocou uma controvérsia acadêmica nos Estados Unidos. Sob a influência dos colegas acadêmicos ele perdeu sua crença no sobrenatural. De volta entre os Pirahã Daniel traduziu o Evangelho de Lucas mas seu zelo desvaneceu quando percebeu que os índios não deram sentido sobrenatural à história de Jesus, tendo um positivismo pragmático, o que se vê é tudo que há. Everett se tornou ateu e voltou a vida acadêmica nos Estados Unidos (Colopinto 2007). Sua esposa, Karen, voltou ao Brasil em 2007 e continua a viver entre o povo. Ela desenvolveu o estudo de prosódia, quando os Pirahã cantam a língua. É o estudo do ritmo, entonação e propriedades acústicas da fala que não podem ser preditas pela transcrição ortográfica, importantíssimo na língua deste povo.

Bibliografia:

  • AMOROSO, Maria, 2009, ‘Mura’, Povos Indígenas do Brasil, Instituto Socioambiental, São Paulo, SP, Brasil. pib.socioambiental.org/pt/povo/mura.
  • CAHILL, Michael, 2004. From endangered to less endangered: case histories from Brazil and Papua New Guinea.SIL Electronic Working Papers 2004-004. S.l.: s.n. n.p. www.sil.org/silewp/abstract.asp?ref=2004-004.
  • COLAPINTO, John, 2007, ” Has a remote Amazonian tribe upended our understanding of language?’, New Yorker, April 16, 2007 www.newyorker.com/reporting/2007/04/16/070416fa_fact_colapinto.
  • DAI/AMTB 2010, ‘Relatório 2010 – Etnias Indígenas do Brasil’, Organizador: Ronaldo Lidório, Instituto Antropos –instituto.antropos.com.br.
  • HEMMING, John, 1987, Amazon Frontier-The Defeat of the Brazilian Indians, London: Pan Macmillan.
  • HEMMING, John, 2003, Die If You Must – Brazilian Indians in the Twentieth Century, London; Pan Macmillan.
  • PEQUENO, Eliane S. S. 2006. “Mura, guardiães do caminho fluvial”. Revista de Estudos e Pesquisas, FUNAI, Brasília, v. 3, n.1/2, jul./dez. Pp. 133-155.
  • SIL : 2009. Ethnologue: Languages of the World, Lewis, M. Paul (ed.), Sixteenth edition. Dallas, Tex.: SIL International, www.ethnologue.com.