Suruí de Rondônia — Paiter

David J. Phillips

Autodenominação: Paiter que significa ‘povo verdadeiro’ ou ‘nós mesmos’ (Mindin 2002).

Outros Nomes: Suruí de Rondônia,Suruí do Jiparaná (SIL). O nome ‘Suruí’ foi dado por Francisco Meirelles, veterano do SPI (Hemming 2003.302).

População: 980 (DAI/AMTB 2010),920 (Mindlin 2002). Em 2000 o total foi 766, 412 homens, 354 mulheres e 70,1% foram em baixo de 20 anos de idade (Mindlin 2002). Em 1984: 235 Suruí e 14 mulheres de outras etnias, casadas com os Suruí e suas crianças moraram na área do Posto Sete de Setembro da FUNAI. Outro grupo morou em Posto Linha 14 (Bontkes e Merrifield 1985.299).

Localização: Na divisa de Rondônia e Mato Grosso em 10 aldeias e outros espalhados (SIL). Na Terra Indígena Sete de Setembro, RO, homologada e registrada no CRI e SPU, com 247,870 ha, para o norte de Cacoal (RO) com 950 Surui Paiter (Paitery 2005). As aldeias estão situadas na fronteira da Terra para aproveitar as fazendas abandonadas, quando os invasores foram expulsos, e são acessadas por ‘linhas’ ou as estradas que marcavam os terrenos dos colonos (Mindin2002). Os Cinta Larga estão situados a leste, os Zoró no norte e os Arara e Gavião de Roraima (Ikolen) ao noroeste.

Língua: Suruí Rondônia, relacionada com Cinta Larga e Gavião do Jiparaná. Classificação linguística: Tupi Monde com Gavião (Ikolen), Cinta-Larga, Mondé, Aruá e Zoró. 10-30% sabem ler na língua, 15-25% em português. Porções bíblicas 1991 (SIL).

História: Os Paiter contam que eles migraram de perto de Cuiabá no fim do século XIX para escapar o avanço dos brancos em Mato Grosso. Durante a Segunda Mundial, aumentaram a população não indígena da região de Rondônia (então Território Guaporé) devido ao segundo ciclo da borracha e à mineração da cassiterita. Os Zoró ao norte são de língua e cultura semelhantes, mas ainda na época eram seus inimigos. Novamente na década 60 os Paiter tiveram que abandonar suas aldeias com o créscimo da população e o surto de desenvolvimento agropecuário e a construção da rodovia BR 364 passando por Cacoal. A FUNAI estabeleceu seu posto Sete de Setembro nesta data em 1968, e no ano seguinte contatou os Paiter (Mindlin 2003). Naquela época 600 ou 800 Suruí moraram em um grupo de aldeias pequenas dois dias de viajem do Posto. Eles visitaram o Posto constantemente, até as doenças contagias os alcançaram, e aprenderam sua necessidade de assistência médica do Posto (Bontkes e Merrifield 1985.299).

Um médico francês Jean Chiappino criticou a FUNAI, porque depois de contato a situação dos Suruí foi ‘desastrosa’ por falta de assistência médica apropriada e a farmácia do Posto não tinha medicamentos alguns. O francês não achou nenhum médico competente na FUNAI e faltou vacinas de padrão para proteger os índios (Hemming 2003.301-3). Alem disso uma doença rara, blastomicoses, matou muitos.

A FUNAI permitiu Willem e Carolyn Bontkes da SIL, ‘que provaram ser missionários inteligentes e discretos’ ajudar os índios. Os Bontkes contaram 363 Paiter em 1971, mas em três anos 193 morreram, por anos depois os índios falam deste tempo de tristeza como fosse uma guerra (Hemming 2003.303). Muitos mudaram para morar ao lado do posto para formar a maior aldeia suruí, tomando o mesmo nome. A T. I. foi demarcada em 1976 e homologada em 1983 (Mindlin 2003). A transição de contato com a sociedade nacional empobreceu os Suruí e destruiu a sua estrutura social (Hemming 2003.304).

Nos anos 70 havia acerca de mil famílias de colonos ou posseiros entraram na T. I., que provocou choques violentas com os índios. Também a rodovia BR 364 foi cortada perto do território dos Paiter, criando cidades de assentimentos de colonos, como Ouro Preto (1970), Ji-Paraná e Sideny Girão (1973) e três mais em 1974 e 1976; 3.000 colonos vieram para Cacoal e 1.000 para Espigão do Oeste. A demarcação da Terra Indígena foi alterada para acomodar esta colonização (Hemming 2003.305). A colonização em Espigão do Oeste foi declarado ilegal, mas os colonos recusaram-se a sair. A crise tornou se violenta em 1976, quando 200 índios, provavelmente Cinta Largas, atacaram o Posto e o governo federal prometeu demarcar a Terra que foi feito (Hemming 2003.307). Em 1978 os colonos fecharam a estrada para o Posto da FUNAI e impediram o funcionamento do Posto, até a polícia os expulsou, mas a terra não foi devolvida aos Paiter. Outros invasores entraram e montaram uma serraria e um beneficiadora de arroz na Terra. Diversas órgãos do governo prometeram tirar os invasores, porém não cumpriram.

Os jovens que aprenderam português levaram sua reivindicações à FUNAI e visitaram a Brasília para apresentar seus direitos. Em 1981 todos os não indígenas foram retirados. Começaram o cultivação do arroz (Mindlin 2003) e tomaram conta da plantações de café abandonadas pelos invasores (Bontkes e Merrifield 1985.299). Com o desenvolvimento econômico pelo projeto Polonoroeste a FUNAI encorajou a venda de madeira da Terra (Mindlin 2003; Hemming 2003.570). Este projeto provocou uma discussão prolongada com o Banco Mundial, porque Mindlin achou que o desenvolvimento não estava ajudando os índios sobreviver. Os Paiter aprenderam a necessidade de dinheiro e a adotaram o alimento e plantio de arroz, feijão e açúcar com horário de trabalho não indígena. Ao mesmo tempo, procurando assistência médica na cidade foram também explorados por madeireiros e outros (Mindlin 2003). A antropóloga Betty Mindlin e outros trabalharam para conseguir a demarcação da Terra, aumentada e ligada ao Parque Aripuanã dos Cinta Largas. A resistência e a organização dos índios era vital em reivindicar os territórios (Hemming 2003.570). Os Paiter formaram a Organização Metareilá em 1988 para defender suas terras e expelir os madeireiros, etc.

Estilo da Vida: A T. I. é localizada na bacia do rio Branco com suas afluentes: na margem direita os rios Ribeirão Grande, Fortuninha e Fortuna e na margem esquerda os Igapó, São Gabriel e outros. Os homens usavam apenas uma cinta de entrecasca de arvore uns 10 cm de largura. Em 1985 os Paiter estavam espalhados em uma área de 20 km. do Posto nas Linhas (estradas) em grupos familiares, e sua renda principal era a venda do café das plantações e o látex de borracha da floresta (Bontkes e Merrifield 1985.299). As onze aldeias vareiam em tamanho entre 45 e centenas d pessoas; a maior tem 30 famílias.

As malocas são de forma ovaloide, construídas de varas cobertas de palha de babaçu e com uma parede um metro de altura, feita de casca de arvores. O tamanho é cerca de 25m por 8m e com 8m de altura. As malocas são dividida com um passeio central longitudinal, com as redes das famílias aos lados, amarradas em varas que repartem os espaços de cada família (Mindlin 2002; Bontkes e Merrifield 1985.303). Na entrada há um espaço para as mulheres guardar suas panelas e as bacias cerâmicas para fazer sopas e a bebida chamada ‘i’ feita de milho, tomada nas cerimonias. Neste espaço é a fogueira principal e cada família também tem sua fogueira nas suas divisões na casa. Estas fogueiras familiares estão guardas acessas à noite em baixo das redes para esquecer o ar.

Os Paiter usam pequena casas para mães com recém-nascidos e moças recebendo ritual de puberdade. Hoje em dia enquanto os chefes moram com suas famílias extensas nas malocas, muitas famílias nucleares estão construindo e moram em casas tipo regional.

As roças são cultivadas por famílias de irmãos, fazem uma nova roça dois em dois anos. Plantam mandioca, milho, arroz feição, inhames, batata, banana, mamão e amendoim.

Artesanato: Cada homem tem seu estilo de de fazer flechas.Os homens confeccionam também a betiga ou tembetá, um ‘tampo’ feita de resina de jatobá na época seca, polido e lixado com delicadeza durante horas e usada pelos homens e as mulheres num orício no lábio inferior e diversas enfeites de penas. As mulheres fabricam cestos de diversos tamanhos, abanos, esteiras e colares de sementes e de dentes. A cerâmica é feita por rolos de barros, queimados duas vezes e pintada (Mindlin 2002).

Sociedade: Os Paiter são divididosem três grupos patrilineares e exogâmicos: Os Ngameb e Ngamngir (os nomes de especies de vespa) e os Makor (tipo de bambu duro para os pontos de flechas) (Bontkes e Merrifield 1985.310). Mindlin os chamam de Gamep, Gamir e Makor e acrescenta Kaban (Mindlin 2003). Os filhos pertencem ao grupo do pai. Os membros dos grupos são considerados de demonstrar as caraterísticas do grupo, por exemplo os Makor são geniosos.

O casamento de regra é com a filha da irmã (o casamento avuncular), o irmão mais velho tendo prioridade. São também poligâmicos e as vezes os irmão mais novos não têm oportunidade de se casar, por falta de moças. Casamento com primos cruzados também acontece. Em 1974 havia 53 casamentos com a filha da irmã e 25 com primos cruzados. Os dois sistemas podem criar conflitos, por exemplo os primos cruzados podem ofender o tio da moça que prende se casar com ela, e o casal tem que fugir até abater a raiva do tio. Um grupo de irmãos com suas irmã e seus maridos formam a unidade de residencia (Bontkes e Merrifield 1985.302).

No tempo do contato, 1969, pela FUNAI 150 Suruí vieram morar no Posto Sete de Setembro e 65 estavam na cidade de Espigão d’Oeste 80km distante. Em 1974 os Paiter residentes no Posto eram divididos pelo pista de pouso entre aquelas famílias com necessidade de tratamento médico e uma casa retangular construídas pela FUNAI ao lado do Posto e a farmácia. No outro lado da pista havia três malocas tradicionais; 29 a 33 pessoas moraram que formaram uns 13 famílias extensas de avós com filhos, noras e netos (Bontkes e Merrifield 1985.303ss).

A liderança é dividida entre os grupos de irmãos, o irmão mais velho, com a maior roça e fabrica as flechas melhores e providencia mais chicha é o cacique de sua aldeia, ou o pai de uma mulher sobre seus cunhados quando moram juntos. Então a liderança e ter um consenso de todo o povo é complicado pela a distribuição entre muitas aldeias. Para os relacionamentos com a sociedade nacional ele elegem chefes mais novo que falam português (Mindlin 2003).

A sociedade paiter é dividida em duas metades, a da roça (íwai) e a do mato (metare). Os membros da metades cooperam não apenas dentro das clãs ou famílias extensas, mas também têm obrigação ajudar os outros membros das sua metade em todo tipo de atividade, como roçar, caçar, confecção de artigos, etc. As metade determina o calendário do ano e há uma festa, o mapimaí, acontece cada ano a troca das metades. também representa a criação do mundo. Os íwai são anfitriões e preparam muita bebida fermentada e toda a comida da festa.

A metade do metare acampam nas clareiras em taparis durante a estação seca. Estas clareiras estão uns 500m da aldeia no mato raso ou capoeira, e os íwai estão proibidos os visitar. Eles celebram a vida nômade da floresta de caçar e colher os frutos. Também fabricam os artigos e enfeites para as festas, que são trocados como presentes para os íwai. No dia da festa um cortejo dos metare sai da clareira para a aldeia, cantando e as mulheres dos chefes levam tochas acessas para que o Palop, ‘Nosso Pai’ os abençoar.

Religião: Os Paiter crêem em um criador Palop, ‘Nosso Pai’, que mora em uma terra só de campos e não mato, no horizonte leste que é o fim do mundo. Ele guarda a caça para os homens em cercados e manda para o mato para que o Paiter caçem conforme sua necessidade (Ribeiro 2002).

Os Paiter consideram os antepassados e os mortos parte ainda da sua sociedade em dão força e encorajamento aos vivos. Os mortos estão enterrado com seus pertence, porque para os Paiter possuir bens é a maior segurança para atravessar desta vida para o alem, e demonstrar que é valente, trabalhou e tornou-se rico. Todos, inclusive as crianças estão enterrados com arco e flecha para mostrar que podem se defender, pois a travessia é longa e complicada para o leste, e o morto, pela habilidade ganha durante a vida tem que superar todos os obstáculos no caminho, e com o encorajamento e a ajuda dos antepassados (Ribeiro 2002.51).

Os vivos temem a morte e a viagem para o alem desde da meninice. Nem todos conseguem chegar ao destino, são os preguiçosos, os os ladrões e adúlteros, os fracos e teimosos e permanecem em uma aldeia no meio do caminho aonde a vida não é boa nem má. No caminho um grande urubu pode devorar o morto, uma rocha pode cair em cima do viajante, etc. É tabu falar os nomes dos mortos que ele não voltasse para assombrar os vivos (Mindlin 2003). O destino no alem é a terra de Palop, encontrar e habitar com ele e aonde podem se casar de novo e criar filhos que crescem como na terra. Os antepassados acolhem os mortos vencedores da viagem, depois de terem os encorajados no caminho (Ribeiro 2002.109).

As festas dos Suruí são Mapimaí sobre da criação do mundo, Ngamangaré celebrando uma roça nova, Weyxomaré sobre a pintura corporal, Hoeyateim para controlar os espíritos da aldeia, Lawaãwewa, na construção de uma maloca nova e Ytxaga na ocasião da tinguijada – ou pescar com timbó. Os Paiter adotaram Natal, aniversários e datas nacionais (Mindlin 2003).

As Igrejas Batistas e as Assembleias de Deus nas aldeias contribuíram para a ausência dos pajés. Os Paiter dizem que os pajés falaram com os espíritos que não queriam ser pajés mais e os espíritos têm ciume do Deus da ‘religiões’ (Mindlin 2002).

Cosmovisão: Os Paiter acreditam em classes de espíritos, os das águas (goanei), os dos céus (goraei) e os Ho, os espíritos da fartura. As festas de Hoyateim invocam os espíritos chamados Ho para curar e dar fartura. O pajé com seu bastão lidera os homens que levam taquaras de 4m em uma roda. Acreditam que os espíritos podem se encorporar nas taquaras. Outro grupo de homens tocam flautas. Os homens marchando em filas levando as taqueiras traz a a benção às aldeias.

Betty Mindlin publicou dois estudos de mitos dos Suruí (Mindlin 1996 e 1997). Um mito conta a origem da lua. Um irmão cometeu incesto com sua irmã, que estava esperando se casar com seu tio materno. Quando foram descobertos o irmão tornou-se o lado escondido da lua e a moça o lado visto da terra.

Comentário: As igrejas representadas nas aldeias por visitas de missionários são os Batistas, Assembleia de Deus, Luteranos e Católica. Os missionários Willem e Carolyn Bontkes, do Summer Institute of Linguistics durante vários anos nas décadas 70 e 80 estudaram a língua Monde (Cinta Larga) e obtiveram alguns dados sobre a organização social e parentesco (DalPoz 1991.25). Os Bontkes publicou um livro de orações suruí, um dicionário sururí – português e porções bíblicas. Depois os missionários Lori Altmann e Roberto Zwetsch da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil permaneceram um ano entre os Cinta Larga e traçaram um histórico dos contatos.

Bibliografia:

  • DAI/AMTB 2010, ‘Relatório 2010-Etnia Indígenas do Brasil’, Organizador: Ronaldo Lidório, Instituto Antropos –instituto.antropos.com.br.
  • BONTKES, Carolyn e MERRIFIELD, William R. 1985, ‘On Suruí Social Organization’ em Fifty Years in Brazil – Um Tributo aos Povos Indígenas, Mary Ruth Wise, Robert A. Dooley, Isabel Murphy (EDS), Dallas TX: SIL International, 2008, pag. 297-324, ligeiramente corrigido.
  • HEMMING, John, 2003, Die if You Must: Brazilian Indians in the Twentieth Century, London: Panmacmillan.
  • MINDLIN, Betty, 2003, ‘Paiter-Suruí’, Povos Indígenas do Brasil, Instituto Socioambiental, São Paulo, pib.socioambiental.org/pt/povo/paiter-Surui
  • ———-, 1997, Moqueca de maridos, mitos eróticas, Rio de Janeiro: Editora Rosa dos Tempos.
  • ———-, 1996, Vozes da origem, estórias sem escrita : narrativas dos índios Suruí de Rondônia. São Paulo : Ática/Iamá.
  • RIBEIRO, Liliane Brum, 2002, ‘Limpando Ossos e Expulsando Mortos, Estudo comparativo de Rituais funerários em Culturas Indígenas Brasileiras através de uma revisão bibliográfica, Dissertação de Mestrado de Antropologia, Centro de Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.
  • SIL 2009, Lewis, M. Paul (ed.), Ethnologue: Languages of the World, Sixteenth edition. Dallas, Tex.: SIL International. Online version: www.ethnologue.com.