Ashéninka–Kampa

David J Phillips

Autodenominação: Ashenika (Pimenta 2005) significa ‘nossos parentes’.

Outros Nomes: Ashaninka, Kampa, Ashenika (DAI/AMTB 2010). Asháninka ou Asháninca, Campa.

População:
Brasil: 813 (DAI-AMTB 2010), 1.291 (SIASI/SESAI 2012);
Peru: 55.000 (DAI-AMTB 2010), 97.477 (INEI 2007). São segundo de população entre os 65 etnias no Peru amazônico.

Localização:
Brasil: Acre em sete Terras Indígenas:

  • T I Kampa do Igarapé Primavera, AC, de 21.987ha homologada e registrada no CRI e SPU, com 21 Ashéninka (Iglesias e Aquino 2005).
  • T I Kampa do Rio Amônea, AC, de 87.205ha homologada etc., com 450 Aséninka (FUNAI 2003).
  • T I Kampa e Isolados do Rio Envira, AC, de 232.795ha homologada etc. com 283 indígenas (Iglesias e Aquino 2005).
  • T I Kaxinawa/Asaninka do Rio Breu, AC, 31.277ha homologada etc. com 400 Ashéninka e Kaxinawá (FUNAI 2003).
  • T I Kaxinawa do Rio Humaitá, AC, 127.383ha homologada etc. com 287 Ashéninka, Kainawá e Kulina (Iglesias e Aquino 2005).
  • T I Jaminawa/ Envira, AC, 80.618ha homologada etc com 111 Ashéninka e Kulina (FUNAI 2003).
  • T I Riozinho do Alto Envira, AC, 260.972ha homologada, com 105 Ashéninka e Isolados do Alto Envira (FUNAI 2004).

Peru: São espalhados em comunidades nas Províncias de Junin, Pasco, Huanuco e uma parte de Ucayali.

Língua: Asheninka da família linguística Aruak. Alfabetismo na língua: 10%–30%. Dicionário e a tradução do Novo Testamento produzidos entre 1972–2008. É língua oficial pela constituição do Peru (SIL).

História:
Os Ashéninka viviam na Selva Central do Peru há uns cinco mil anos, e eram aparentados aos incas, e conhecidos por eles como Anti ou Campa, e tinha uma reputação por sua defesa da sua independência. Durante o Império Inca existiam vias comerciais, levando produtos da floresta, peles, penas, madeira, plantas medicinais e em troca os Ashéninka voltaram com tecidos, lã, joias de ouro e prata e machados. O sal era também um produto importante de comércio na região. Houve épocas de guerra quando o império quis conquistar a Selva Central. Viviam na província Incana Antisuyu, mas quando os Espanhóis chegaram em 1542 fugiram para a floresta amazônica. Alguns grupos dos Ashéninka tiveram contato com missionários católicos no século XVI. Os jesuítas Font e Mastrillo foram os primeiros a estabelecer um contato em 1595. Quarenta anos mais tarde vieram os Franciscanos, fundando a missão de Quimiri (atual La Merced) (Pimenta 2005). Em 1673 o franciscano Biema organizou uma expedição e fundou Santa Cruz de Sonomoro e depois a Missão Pichana para controlar o trânsito entre os rios Ene e Tambo. Os Ashéninka revoltaram e mataram os missionários. Biema foi morto em 1687.

Os governo construiu um forte na missão Santa Cruz e os franciscanos estabeleceram uma forja de ferramenta de ferro para controlar os indígenas. Os índios se dividiram entre aqueles que mantinham algum contato com as missões para ganhar ferramenta e os outros que ficaram na floresta sem contato. Os indígenas rebelaram contra os brancos liderado por Juan Santos Atahualpa, que tinha recebido uma educação jesuíta e até tinha viajado na África e na Europa. Ele se proclamou ‘filho de Deus’ e herdeiro dos Incas. A revolta continuou por décadas. Os Ashéninka recuperaram seus territórios em Amuesha e Piro em 1752, mas a região era fora da a presença colonial até a cidade de La Merced foi fundada em 1868. Somente depois da independência do Peru com uma expedição em 1847 a republica começou a ter uma influencia na região e fundou o forte San Ramón. Em 1891, o governo peruano concedeu 500.000 ha de terra situados nas margens do rio Perene à Peruvian Corporation. A empresa britânica era encarregada do desenvolvimento da área, principalmente, através de plantações de café nas quais muitos Ashaninka são incorporados como mão de obra (Pimenta 2005).

Depois veio a extração do caucho que exigia a derruba da árvore que esgotava a produção progressivamente cada área. Durante 1839-1913, os Ashaninka foram escravizados pelos seringueiros e cerca de 80% da população Ashaninka foi morto. Assim alguns Ashéninka migraram-se ao Brasil no primeiro ciclo da borracha, pressionados pelos caucheiros peruanos no final do século XIX (Pimenta 2005).Grande patrões caucheiros controlaram ‘impérios’ da floresta mantendo os índios em escravidão da dívida. Os Ashéninka eram usados pelos seringueiros para caçar as tribos isoladas na floresta na fronteira Peru- Brasil, e houve mortos nos dois lados. Hoje o território Ashéninka está envolto por parques nacionais e áreas de conservação. O sertanista Sydeny Possuelo descobriu uma aldeia escondida em baixo da cobertura da mata, sem dúvida temendo ser vista de aviões, e Carlos Meirelles acredita sejam dos Masko. Os Ashéninka fugiram para o Brasil dos seringueiros e dos terroristas do Sendero Luminoso (Hemming 2003.558).

As missões evangélicas, como SIL e South American Indians Mission, que vieram à América Latina no século XX davam uma forma de proteção contra os caucheiros e a escravidão. Também uma missão Adventista no rio Alto Perene com sua enfase na escatologia atraiu um tipo de messianismo por uns dois mil indígenas em 1921 (Pimenta 2005).

O Movimento de Izquierda Revolucionaria (MIR) desde 1965 dividiu as comunidades, mas a revolta foi derrotada pelos militares peruviano com violência, aldeias foram bombardeados com napalm e muita torturas e execuções. Também surgiu um movimento messiânico com Lobatón, um pajé. O Sendero Luminoso de guerrilha revolucionários, fundado por Guzman em 1969 competiu com os remanescentes do MIR pelo controle dos indígena e a população rural e pela produção do cocaína para financiar suas atividades. Um estado de guerra caraterizou a Amazônia peruana no final da década de 80 e início da década 90 com severas consequências para os Ashéninka com endoutrinamento forçado das crianças, recrutamento militar e assassinato dos lídres. De acordo com a Comissão Verdade e Reconciliação, 10.000 Ashaninka foram deslocados, 6.000 Asháninka morreram e 5.000 Asháninka foram levados cativos pelo Sendero Luminoso durante este tempo, e de trinta a quarenta comunidades Ashaninka desapareceu. Alguns Ashéninka se organizaram guerra contra os ‘comunistas’ (Pimenta 2005).

Em meados da década de 2000, os Ashaninka ganhou o título legal para uma parte de suas terras que são agora um parque nacional e uma zona reservada, Parque Nacional Otishi. Até o momento mais Asháninka regressaram às suas terras, alguns de lugares tão distantes como o rio Urubamba. Alguns programas de conservação na área para criar zonas de conservação neste “importante área ecologicamente diversificada”, a escolha de plantas e animais sobre os direitos indígenas, e que continua a ser visto se isso vai representar uma ameaça às suas vidas e terras no futuro.

No Brasil a presencia dos Ashéninka no Acre foi identificada somente nos primeiros anos do século XX, mas há evidencia que estava nas cabeceiras do rio Juruá-Mirim no final do século XVII, e depois houve diversas migrações e algumas famílias estavam estabelecidas no rio Amônia no anos 30. Na região eram os Amahuaka temidos pelos caucheiros e seringalistas e os Ashéninka eram armados em troca de mercadorias e dizimaram os Amahuaka. Em contraste com o curso baixo do rio Amônia a parte alta não tinha seringueiras e os brancos somente tinham interesse para a exploração madeireira na década 70. Os Ashéninka forneciam carne de caça, peles, etc. em troca de mercadorias (Pimenta 2005).

A exploração madeireira intensificou na década 1980 que trouxe consequências desastrosas para os indígenas no rio Amônia. Os posseiros regionais e os Ashéninka supriram a mão de obra para abrir as estradas na mata, cortar as árvores em toras durante a estação seca. Os patrões enganaram os índios nos pagamentos em sal ou sabão e outra mercadoria. Era uma época de fome e penúria. Entre as empresas responsáveis, a principal foi a Marmunde Cameli Ltda. danificando um quarto do meio ambiente das Terras Indígenas. Os posseiros invadiram as cerimonias e danças dos índios, embriagados com cachaça e trazendo sua música. Muitos abandonaram sua cultura e outros sofreram doenças e a morte. Este ‘tempo da madeira’ deu origem à organização e a luta para os seus direitos. A FUNAI começou a demarcação da Terra Indígena e encaminhou uma denúncia sobre abatimento ilegal de 530 árvores. A empresa foi condenada mas em 2005 o processo ainda tramita na Justiça. Em 1986 os Ashéninka iniciaram uma cooperativa para ser independente economicamente, que provocou a hostilidade dos posseiros.

A região do alto rio Juruá é uma das principais rotas de drogas, especialmente a cocaína vindo da Colômbia. Os Ashéninka mastigam a folha da coca mas rejeitam o uso e trafico da cocaína. Em agosto de 1991 a liderança fez uma viagem a Brasília acompanhada pela antropóloga Margarete Mendes e a advogada Ana Valeria Araújo Leitão da ISA. Esta visita foi decisiva para acelerar a demarcação que foi fundada por uma agência do Governo Britânico. Em 1992 o trabalho foi feito em vinte dias e a T I Kampa do rio Amônia foi homologada quatro meses depois. Os posseiros e os patrões foram expulso da Terra, mas no século XXI ainda continuam invasões de madeireiros vindo do Peru (Pimenta 2005).

Em junho 2010, os governos do Brasil e do Peru assinaram um acordo que permite empresas brasileiras construir barragens incluindo a barragem hidroelétrica Pakitzapango de 2.000 MW no rio Rio Ene que recebe o Rio Amazonas no trecho entre o rio Mantaro até o rio Perené, no Peru. A represa vai inundar no vale deslocando 10.000 Ashéninka.

No Peru, as ameaças atuais são de companhias petrolíferas, traficantes de drogas, colonos, madeireiros ilegais, grupos de conservação, doenças trazidas por estranhos. As estradas ilegais para extrair mogno e cedro árvores para exportação para os mercados dos Estados Unidos e da Europa, apesar de um embargo internacional.

Estilo da Vida:
O território Ashéninka é vasto desde as vertentes dos Andes no Peru até a região do Alto Juruá e a margem direita do rio Envira no Acre. Abrange parcialmente as bacias dos rios Uruubamba, Ene, Tambo, Alto Perene, Pachiea, Pichs, Alto Ucayali e as regiões de Montaña e do Gran Pajonal. No Brasil ele vivem em Terras Indígenas descontínuas na região do rio Alto Juruá. O rio é navegável especialmente da estação das chuvas.

No Peru os Ashéninka são principalmente dependentes da agricultura de subsistência. Eles usam o método de corte e queima para limpar terrenos e plantar raízes de mandioca, batata doce, milho, banana, arroz, café, cacau e cana-de-açúcar em técnicas respeitem a biodiversidade. Eles vivem da caça e da pesca, principalmente usando arcos e flechas ou lanças, bem como da coleta de frutas e legumes na selva.

Hoje os Ashéninka morem em casas sem divisas sobre pilotis e cobertas de palha.

Sociedade:
No Peru os Ashéninka estão espalhados em 359 comunidades. Dos que moram no Brasil a metade em cerca de 472 pessoas vivem no rio Amônia, 80% destas na aldeia Apiwtxa, que situa-se 80 quilômetros de Marechal Thaumaturgo e 350 de Cruzeiro do Sul. Antigamente as aldeias eram de casas dispersas pelas margens dos rios e igarapés. Devidos as lutas sobre a demarcação da Terra e com os madeireiros as casas se juntaram juntas em comunidades. Hoje a cooperativa e a escola toma o lugar central na organização. Mas as famílias nucleares mantêm sua independência mas podem agrupar-se em torno de um homem e formar uma unidade domestica ligada por relações de afinidade e consanguinidade. Estas unidades pode agrupar-se sob um ‘chefe’ em nampitsi, território politico, com as unidades domesticas dispersas ou juntas.

A APIWTXA (Associação Ashaninka do Rio Amônia) patrulha a região fronteiriça e fez denuncia da extração ilegal de madeiras em terras brasileiras e a Polícia Federal, IBAMA, o Exército Brasileiro, o ICMBio e a Funai realizou em 2011 a Operação Copaíba mas não achou indícios de extração atual em terras brasileiras (Blog da Apixwtxa aberto em 25/8/14).

Artesanato: Os Ashéninka se destacam na tecelagem. Eles sempre usavam roupas, e o vestido tradicional é o kushma, um robe de algodão, tecidos por mulheres em teares. Os Ashaninka usam o termo kitharentsi para se referir ao robe, ao tear e ao tecido. São tingidos marrom ou azul real brilhante e os desenhos representam diversos animais e pássaros. Pintam o rosto com urucum. Confeccionam e usam uma variedade de colares e pulseira feita com sementes, dentes de anta, queixada e macacos e penas. O chapéu amtherentsí é feito de palha, enfeitado com penas de arara. Confeccionam tabores e flautas.

Religião: Uma cerimônia chamada kamarãpi (vômito, vomitar) consiste de grupos pequenos bebendo ayuaska e mantendo o silêncio aceito quando cantan cânticos segredos inspirados pela bebida. Assim acreditam que comunicarem-se com os espíritos e homenagearem Pawa, o sol. Esta cerimônia foi dada por Pawa para que o povo ganhem conhecimento que é aprendido pelos pajés, por suas viagens virtais em outros mundos. Assim ganham também sabedoria das curas das doenças. Os Ashéninka identificam e usam 402 plantas e ervas medicinais.

Cosmovisão: O universo é organizado em diversos níveis de baixo para cima, como inferno dos demônios, o subterrâneo dos bons espíritos, o mundo terrestre, o mundo das nuvens, e outros do céu. Os espíritos têm uma hierarquia: o mais poderosos são Tasórenci ou deuses que criaram o mundo e transformam coisas através do sopro. Podem aparecer na terra de forma humana. O mais poderoso deles é Pawa, pai de todas as criaturas do universo. Ele é o sol e nasceu de uma mulher Ashéninka pela Lua. Os demônios, Kamári, sob a autoridade de Koriospíri que são encontrados também na terra. O principal demônio na terra é Mankóite que tem todas as caraterísticas de um branco! O sistema é dualista entre o bem e o mal que o pajé manipula.

No rio Amônia alguns pensam que o inferno é no céu na forma de uma grande buraco cheio de água fervendo, para ‘cozinhar’ os Ashéninka pecadores. Pawa é o Deus criador, às vezes chamado ‘pai’. Todas as coisas antigamente tinham forma humana como filhos de Deus e foram transformados pelo sopro nas criaturas e fauna que agora são. A Lua agora tem uma posição inferior ao Sol, Pawa, é canibal e alimenta-se dos mortos e o fim dos Ashéninka é ser comidos por ele. Mas no rio Amônia os mortos são purificados por uma estrela e esperam ser escolhido por Pawa para ser seu filhos (Pimenta 2005).

Comentário: O Diccionario asháninca foi publicado em 1980 por Lee Kindberg (SIL). A Missão Novas Tribos do Brasil trabalha com este povo (MNTB).

Bibliografia:

  • DAI-AMTB 2010, ‘Relatório 2010 – Etnias Indígenas do Brasil’, Organizador: Ronaldo Lidório, Instituto Antropos instituto.antropos.com.br
  • HEMMING, John, 2003, Die If You Must – Brazilian Indians in the Twentieth Century, London; Pan Macmillan.
  • PIMENTA, José, 2005, ‘Ashaninka’, Povos Indígenas do Brasil, Instituto Socioambiental, São Paulo. pib.socioambiental.org/pt/povo/ashaninka/
  • SIL 2013, Lewis, M Paul, Gary F Simons, & Charles D Fennig (eds), 2013, Ethnologue: Languages of the World, 17th edition. Dallas, Texas: SIL International. On line: www.ethnologue.com