Tuyuka — Utapinoponã

David J. Phillips

Autodenominação:Dokapuara ou Utapinõmakãphõná ou Umerekopinõ. Utapinoponã que significa filhos da cobra de pedra.

Outros Nomes: Dochkafuara, Tejuca, Tuyuka, Tuiuca, Dochkafuara, Doka-Poara e Doxká-Poárá.

População: SIL (1995): Total 815 (350 in Colombia, 465 in Brazil). Cabalzar (2006): Total 1.100 (570 na Colômbia). Ins. Ant: Total 1.163 (Brasil: 593; Colômbia: 570). Dsei/Foirn: Total 570 (1988), 825 (2005). Conforme Utãpinoponaye Basamori‚ 500 pessoas no Brasil e 500 na Colômbia (2003, pag. 62).
População estimada do grupo de povos tukano orientais é 11,130 (ISA).

Língua: Tuyuka, do grupo Bara do Tucano Oriental. Todos falam uma segunda língua Tucano ou Waimaha (SIL). Na Colômbia Espanhol é usada nas escolas. Alfabetismo em Tuyuka é apenas 10%. Há dicionários, gramática e porções bíblicas (1994).

Localização: Na Colômbia: No alto rio Tiquié entre a Cachoeira Caruru e o povoado Trinidad, os povoados Bella Vista, Pupunha, o Alto Rio Pira-Paraná, o Alto Tí e o Caño Japu.

No Brasil, Fronteira, Cachoeira Comprida, Açai e São Pedro e nos igarapés Onça, Cabari e Abiyú (Cabalzar 2000).

Também nos rios Papuri e Inambu próximo à fronteira. Os últimos têm pouco contato com os Tuyuka no rio Tiquié e têm alguma diferencias linguísticas (Cabalzar 2000). Representados no Brasil pela mulheres casadas com outras etnias (ISA).

Um trecho do alto rio Tiquié e uma área de interflúvio entre os rios Tiquié e Papuri, drenada pelos igarapés Abiu e Inambu (Utãpinoponaye Basamori 2003.62).

Em quatro Terra Indígenas:

T. I. Alto Rio Negro, AM, de 7.999.380 ha, homologada e registrada no CRI e SPU, com 26.046 indígenas de 20 etnias (SIASI/SESAI/ISA 2013).

T. I. Rio Apapóris, AM, de 106.960 ha, homologada e registrada no CRI e SPU, com 206 indígenas de quatro etnias (FUNASA 2007).

T. I. Balaio, AM, de 257.281 ha, homologada e registrada no CRI, com 350 indígenas de 9 povos (FUNAI 2000).

T. I. Aldeia Beija Flor, AM, de 41 ha, Dominial Indígena, com uma população desconhecida de dez etnias.

História: A história dos povos tucanos é unida. As gravações nas pedras de muitas cachoeiras é evidencia da ocupação humana da região do Alto Rio Negro 1200 anos aC. Os Tukano já estava na região antes da descoberta e invasão europeia do Brasil em 1500 (Cabalzar 2006.57). O Tiquié possui marcas das histórias de origens, como as cavernas descritas na mitologia, a Casa do Inambu-Rei (Hã-Dey¡) e a Casa do Macura, onde os índios se esconderam da perseguição dos patrões. O primeiro contato do alto rio Negro com os brancos eram por objetos, como ferramentas, comerciadas por outros indígenas, seguidas pelas expedições portuguesas à busca de escravos e acompanhadas pelas missões dos jesuítas acerca 1650 (Cabalzar 2006.73). Epidemias de varíola e sarampo arrasaram a região entre 1740 e 1763. Os carmelitas eram os primeiros missionários na região e desenvolveram a coleta de produtos do mato pelos índios.

No século XIX os missionários católicos participaram na repressão dos índios, aumentada pelos regatões na exploração do extrativismo (Cabalzar 2006.84). Alguns povos podem ter participado dos movimentos dos profetas indígenas, Kamiko e Alexandre. Os Tukano enxergaram estes movimentos como uma vitória indígena sobre os brancos e tiveram cinco profetas próprios também no final do século XIX (Wright 2005.140ss, 153, 158)

Com a estabelecimento da Província do Amazonas em 1850 índios foram enviados a Manaus para trabalhar na construção das casas. Mais tarde 60.000 indígenas eram compelidos trabalhar na extração da borracha. Os franciscanos estabeleceram missões entre 1880-1888 e provocaram uma revolta por ridiculizar as crenças tucano e a festa de Jurupi. Os protestos dos índios fizeram com que foram expulsos, deixando os índios sofrer de novo patronagem por um sistema de escravidão de dívidas no começo do século XX (Cabalzar 2006.90).

A época dos salesianos começou em 1914 e durou até 1952, instalando missões em São Gabriel, Taracuá, Iauareté, Pari-Cachoeira, Santa Isabel e Assunção do Içana. Reduziram a exploração dos patrões, mas destruíram a cultura e as línguas indígenas por obrigar as crianças serem educados nos seus internatos, nos quais reinava só a língua portuguesa e uma disciplina rigorosa. Mandaram a destruição das malocas para substituí-las com casas de famílias nucleares e abandonar o ritual do Jurupari (Cabalzar 2006.95). Os salesianos só tinha influência no rio Içana depois 1950 e na época muitos Baniwa se converteram ao protestantismo, mas isso tinham pouco contato com os Tukano. Em 1979 o governo cortou os verbos escolares e os salesianos terminaram o regime dos internatos.

O Plano de Integração Nacional de 1970 incluiu a tentativa de construir a estrada BR-307 do Acre, lingando Benjamim Constante e São Gabriel da Cachoeira com Cucuí, na fronteira com a Venezuela. Só o último trecho foi construído. Em 1988 a nova Constituição deu direitos aos indígenas, mas levou uma década de luta política, com a formação das Associações indígenas dos rios, para conseguir a demarcação e homologação das Terras Indígenas do Médio rio Negro, Téa e Apapóris em abril 1998.

Aloísio e Flora Cabalzar trabalhou entre os Tuyuka por anos. Oficinas de música e dança étnica e um programa de alfabetismo na língua tuyuka eram realizados. A Escola Indígena Utapinopona-Tuyuka, na comunidade de São Pedro, a Terra Indígena Alto Rio Negro, está contribuindo para o desenvolvimento da educação indígena. Alunos de diversa etnias assistem as aulas, Tuyuka, Bara, Makuna e Tukuno. Oficinas em astronomia eram realizadas em 2006 (Cardoso 2007). Os alunos presentam seus trabalhos de conclusão de curso sobre diversos assuntos do seu interesse e relevantes ao seu ambiente (ISA). Duas oficinas realizadas pelo ISA em 2009 estudaram como a floresta se recupera depois um roçado é abandonado. O motivo era ensinar como a capoeira cresce e quais são os especies e métodos que interferem ou facilitam a recuperação da floresta.

Os Tuyuka na Colômbia pertencem a ONIC – Organización Nacional Indígena de Colômbia. Grupos indígenas Rio Tiquié da Colômbia e do Brasil vistaram suas regiões do rio em 2006 2008 e 2009 representando uns oito etnias, para conhecer os lugares de origem e os problemas do meio ambiente (http://www.mochileiros.com/).

Os Tuyuka com os demais povos indígenas são envolvidos no Programa Rio Negro (PRN) que pretende criar as condições para um programa de desenvolvimento sustentável na Bacia do Rio Negro, que abrange as áreas na Colômbia e na Venezuela. Já completou a demarcação de cinco terras indígenas contíguas, somando 10.6 milhões de hectares. Uma primeira oficina de resgate das tradições religiosas Tuyuka foi realizada em Cachoeira Comprida, em abril de 2000, com a participação de rezadores (bayaroa) tuyuka e pessoas convidadas de outras aldeias da Colômbia e do Brasil. Os alunos da escola participaram. Outra oficina foi realizada em 2001.

Estilo de Vida: Os sibs tuyuka que são mais altos na hierarquia ancestral construem as malocas maiores, porque têm a mão de obra e a liderança mais efetiva. Antigamente as malocas podiam abrigar até doze fogos, quer dizer famílias nucleares. Os outros sibs constroem malocas menores chamadas de ‘casa de jacaré’ ou ‘casa de pescador’, com estruturas mais simples. O último estilo é comum no Brasil de grupos menos praticantes dos rituais. Hoje em dia esta malocas são usadas apenas para as cerimonias e os membros da comunidade moram em casa em redor, com escola e posto de saúde.

Os Tuyuka cultivam a mandioca brava, batata doce, inhame, mangará, cacau, banana, avocado, pimentas, abacaxi, manga, pés de caju, limão e laranja. Caçam anta, queixada, paca e jacaré. Colhem fruto da floresta e mojojoy.

Artesanato: Constroem canoas, redes de fibras de buriti, cestos urupema, e peneiras finas de talas de arumã para coar sumo de frutos.

Sociedade: Os Tuyuka são do grupo de 16 povos Tukano Orientais na região da fronteira Brasil-Colômbia, no alto rio Negro: Tukano, Desana, Tuyuka, Wanano, Bará, Pira-Tupuya e Mirití-Tupuya, Arapaso, Karapanã, Tatuyo, Yurutí, Taiwano, Barasana, Kubeo, Makuna, Siriano, e Yurutí. (Acrescentados Letuana, Pisá-mira, e Tanimuka por Hugh-Jones, Goldman 2004.406). Estes povos usam Tukano como língua comum e praticam uma exogamia linguística e virilocal, e assim têm uma unidade regional, mas mantêm suas identidades étnicas por suas distintas tradições religiosas praticadas pelos homens de cada etnia. Porém os Kubeo e os Makuna são as excepções por praticar endogamia linguística (Cabalzar 2000, Goldman 2004.15, 57, Lasmar 2005.53). Estes dois mantêm relações mais estreitas (matrimoniais, rituais e comerciais) com os Tukano, Desana para o leste deles, e os Makuna e Bará. Os Tuyuka mantêm relações de casamento, comércio e ritual com com os Bará, Desana, Makuna e Tukano (Cabalzar 2000).

Os Tuyuka consistem de 15 sibs patrilineares exogâmicos descentes de ancestrais que desembarcaram da Anaconda Pedra. A identidade do sib é conforme da hierarquia dos ancestrais e os papeis rituais. Há uma diferença entre os povoados Tuyuka para o oeste que são mais altas na hierarquia de sibs, com mais prerrogativas rituais e valorizam a descendência e as referências territoriais mais bem definidas, e os do leste, rio Tiquié abaixo que estão mais moveis e desempenham papéis rituais secundários, como “acendedores de cigarro” e “rezadores” do cigarro para o chefe. Há grupos locais, formados de irmãos, valorizam a descendência, são mais alto na hierarquia com territórios definidos. Há outros mais periféricos, mais baixo na hierarquia, como ‘servos’ por exemplo (Cabalzar 2000).

Os sibs, Cachoeira Comprida, Fronteira e Pupunha, que valorizam a tradição construem malocas maiores. Estes são os grupos mais alto na hierarquia que realizam ciclos rituais anuais, nos quais existe a caixa de adornos plumários, usados nas ‘danças dos velhos’ e um cantor ou mestre de cerimônia (bayá) reconhecido. Estes sibs mais altos praticam a exogamia linguística e se casam com mulheres de mulheres de sibs mais distantes. Os mais baixos de São Pedro, Bella Vista e Açaí se casam com mulheres de grupos mais próximos. As distinções sociais são indicadas pelas posições dos povoados entre o rio maior onde moram os sibs mais altos na hierarquia e os igarapés os sibs mais baixos (Cabalzar 2000). Três tipos de construção das casas, da maloca grande para a casa de pescador simples, indicam as distinções entre os grupos. Mas na prática atualmente, o estilo mais simples é usado porque a maloca não é mais usada de residencia mas serve como centro comunal, por isso esta distinção não é mais clara.

Religião: Os povos tucano fabricam instrumentos musicais: o sihoo (Tukano -uma flauta de três notas), perurige (Tuyuka – flauta de pã de oitos ou nove bambus), maracas de diversos tamanhos, ñama-koã ( Tuyuka – uma flauta da tíbia de um veado), ñama-dupoa (Tuyuka- flauta de cabeça de veado), su – um caracol e kuware (Tuyuka) ou goos (Tukano) feito do casco de um jabuti. São tocados para divertimento e nas festas (Moser e Tayler 1985.69). O mestre de cerimônias o baya, toca a lança-chocalho.

Depois de tomar caapi e com os cantos dos bayas ou mestres de cerimonias a música torna-se ‘como um coral de elementos harmoniosos’. As músicas, danças e cantos eram ensinadas pelo Deus da Transformação Pamuri Koamaku aos primeiros homens Diatayukuro e Petupõrõ na Casa da Transformação. Aprenderam construir malocas, bendizer os doentes e formar a primeira sociedade. Os Tuyuka crêem que as cerimonias transformam a terra em um lugar frutifico de ‘mel e leite’. As festas são realizadas com peyuru ou caxiri; caapi alucinógeno, munõ (cigarrarão de tabaco), os adornos e we ou pitura corporal. Os baias contam as histórias do mundo original.

Há três tipos de festa entre os povos tukano. As caxiris que são encontros sociais entre os convidados vizinhos para dançar em os anfitriões os servem com caxiri preparado pelas mulheres. As ocasiões são a abertura de uma nova roça ou uma nova casa, casamentos, etc. Quando uma criança nasce ela é incorporada na maloca ou esta casa de transformação pela cerimonia Tõkowi. Danças com música são realizadas quando a criança recebe seu nome, quando ela come peixe pela primeira vez e com a iniciação das moças. O ‘ritual de dar o nome’ chama-se ‘Yeriponá baseriwi’.

O segundo tipo de festa é o dabukuri que superam as limitações do exogamia virilocal. São afirmações ritualizadas dos laços entre entre cunhados. Os maridos convidam seus cunhados e famílias que trazem muita carne de caça e novamente os anfitriões fornecem o caxiri. Os convidados chegam ao anoitecer, mas são tratados como estranhos pelos anfitriões e dançam no lado de fora. Somente de manhã eles entram a maloca e apresentam seus presentes de carne, e pouco a pouco dos dois lados se misturam, dançando e cantando juntos. A final come juntos uma grande refeição como uma família unida. As festas de dabukuri celebram a abundância da caça e comida, trazidas pelos convidado e os anfitriões fornecem o caxiri. Chamada de Inajá é considerada de ter origem com os ancestrais, que criaram as forças da natureza e ofereceram peize aos seus avos, as onças, em Iauareté, no rio Uaupés.

O terceiro tipo de festa é de Yurupari e é exclusivamente do sib e seus homens. As flautas e trombetas de Yuruparí, feitas de madeira da plameira representam os ossos dos ancestrais, e quando elas estão tocadas ele é considerado voltar à vida e os que tocam entram em contato com ele. É a afirmação da identidade do sib com seus ancestrais e o momento da iniciação dos meninos que são separada das mães para ser conselhados pelos anciões, ver as flautas sagradas pela primeira vez. É considerados um rito de renascimento, os meninos ficam na posição fetal, bebem ayahuasca ou caapi e são chicoteados pelos kumú, os pajés mais sábios, para serem fortes e depois banhados no rio, para repetir a chegada dos ancestrais pela Anaconda da Transformação.

Os Tuyuka tomou a iniciativa de resgatar sua cultura e produziram os CDs Utãpinopona Basamari. Ë um álbum triplo que celebra a música da etnia Tuyuka e sua conexão ritualística com o divino. Nas palavras da liderança Tuyuka, Poani Utãpinomacu, o trabalho nasceu da necessidade de criar instrumentos de fortalecimento da identidade Tuyuka.

Os pajés do universo pode afligir os homens com doenças e trovão, seus espíritos são representados pela lagartas. Uma cerimonia é necessária para apaziguá-los através de benzimentos.

Cosmovisão: Os Tuyuka crêem que sejam descendentes da Anaconda de Pedra ou Cachivera. Deus da Transformação Pamuri Koamaku transformou a terra que era cheia da morte e tristeza em um mundo de leite, doce como do peito da mãe, ‘de leite e mel’ onde habitavam os primeiro homens. A maloca representa a casa da transformação e este mundo de leite. Era purificada com breu e cera de abelha com os Tuyuka fazem hoje.

O deus dos brancos que veio através de missionários condenou todos os conhecimentos como obras do Diabo, crêem muitos dos Tuyuka hoje em dia. Rejeitam que ‘há um só chefe Jesus.’ Perderam o conhecimento do mundo original Utapinoponã. Mas o alto nível de alfabetização é creditado aos salesianos com seus internatos.

Comentário: SIL trabalhou entre os Tuyuka desde 1975 e Janet Barnes e outros produziu muitos estudos sobre a língua.

Bibliografia:

  • CABALZAR Aloisio, 2000, ‘Descendência e aliança no espaço tuyuka. A noção de nexo regional no noroeste amazônico’. São Paulo: Revista de Antropologia, vol. 43. No. 1.
  • CABALZAR, Aloisio, 2006, (redator) Povos Indígenas do Rio Negro, uma introdução à diversidade socioambietal do noroeste da Amazônia brasileira, São Gabriel da Cachoeira/ São Paulo: FIORN-ISA.
  • CARDOSO, Walmir Thomazi, 2007, O Céu dos Tukano: Construindo um calendário dinâmico, PUC/SP.
  • ISA – Instituto Socioambiental, www.socioambiental.org..
  • MOSER, Brian e TAYLER, Donaldo, ‘The Cocaine Eaters’ em The Hidden Peoples of the Amazon, London: British Museum, 1985
  • Utãpinoponaye Basamori‚ 2003, capa do CDs, ed Aloisio Cabalzar.
  • WRIGHT, Robin M. 2005, História Indígena e do Indigenismo no Alto Rio Negro, São Paulo: Instituto Socioambiental.