Galibi do Uaçá

David J Phillips

Autodenominação: ‘Galibi-Marworno’ foi adotada na última década do século XX, para substituir ‘Galibi do Uaçá’ ou ‘do Uaçá’ ou ‘gente do Uaçá. Não reconhecem nenhum parentesco da população Galibi do litoral da Guiana, os Kaliña, representados no Brasil pelos Galibi do Oiapoque que vieram da Guiana em 1950. ‘Galibi’ foi o termo aplicado a todos os índios do rio Uaçá pelo SPI e a Comissão de Inspeção de Fronteiras (Vidal 2000).

Outros Nomes: Marworno, Carib, Galibi Marworno, Aruã, Mum Uaçá (DAI/AMTB 2010). Aruá, Galibi do Uaçá (Vidal 2000).

População: 2.177 (DAI/AMTB 2010),2.377 (SIASI/SESAI 2001), 1.787 (Anonby 2007).

Localização: Em duas Terras indígenas:

  • T I Uaçá I e II, AP,de 470.164ha, homologada e registrada na SPU com 4.462 Galibi-Marworno, Karipuna do Amapá e Palikur (FUNAI 2011). Vivem em dez aldeias (SIL).
  • T I Juminá, AP, de 41.601ha, entre e na confluência d os rios Oipoque e Uaçá, homologada e registrada no CRI e SPU, com 61 Galibi de Marworno e Karipuna do Amapá (FUNAI 2011).
  • Há duas aldeias dos Galibi Marworno, Tukay e Samauma, onde a rodovia BR-156 atravessa as cabeceiras do rio Uaçá, 45 km de Kumaruma (Anonby 2007.4).

Língua: Galibi ou Crioulo Francês, família linguística: Crioulo Francesa. A língua entre os Karipuna e Galibi-Marwrno foi estudada nos anos 80 por linguistas do CIMI, UFRJ e UNICamp que produziram uma gramática (Vidal 2000).

História:
Amapá estando no litoral atlântico e próximo à cidade de Belém perdeu sua população indígena em pouco tempo, devido à doenças importadas e à escravidão. O norte do antigo Território foi contestado entre Portugal e a França, mas dado ao Brasil em 1900. A paisagem é de várzea, chata coberta de charnecas e floresta baixa, inundadas na estação das chuvas. No interior é coberta de campo e mata de galeria nas margens dos rios. Os indígenas aproveitam o meio ambiente viajando em canoas. Mas eles demoraram de mudar sua lealidade de Crioulo Francês para Brasileiro por causa da memória das expedições brasileiras para escravizá-los.

Há três povos: Os tupi Karipuna, os caribe Galibi e os aruak Palikur. Os Galibi ou Kaliña eram uma grande tribo no Suriname e Guiana Francesa e um grupo migrou-se para o sul. Os Karipuna chegaram na região no século XIX, reféns escapando da Ilha de Marajó (Hemming 2003.407). Os Galibi do Uaçá ou Marworno são diferentes, são oriundo de populações diversas, dos Aruã, Maraon, Karipuna, os Galibi que são falantes da língua geral derivada da galibi, e não índios.

Os Aruã fugiram da ilha de Marajó no baixo Amazonas, escapando das correias dos portugueses para a Guiana e acabaram sendo escravizados pelos franceses no século XVII. Na primeira metade do século seguinte os dois povos eram reunidos com os Galibi nas missões jesuítas do litoral da Guiana. Depois a expulsão dos jesuítas os portugueses invadiram as antigas missões e levaram os índios para o rio Amazonas. Os Aruã voltaram para o norte no século XIX e se instalaram no alto Uaçá. nos últimos anos do século XIX os Aruã ainda falavam sua própria língua (Anonby.2004.8).

O termo Marworno é derivado de uma das etnias ascendentes do povo, é usado para distinguir dos Galibi do Oiapoque ou Kaliña. Os Marworno (Maruae, Maraunu ou Maraon) viviam na região do rio Uaçá desde do século XVI, e durante do tempo nas missões jesuítas mesclaram com os Galibi e Arua (Anonby 2007.8). Eles começaram a falar Galibi ou Crioulo Francesa dos indígenas em vez da mistura de línguas dos seus antepassados. Em 1925, Nimuendaju registrou a mistura de palavras de Aruã, Maraon e Galibi (Vidal 2000). O elemento indígena é mais evidente entre os habitantes no rio Uaçá do que no rio Curipi (Anonby 2007.8).

Na década 20 o governo brasileiro decidiu consolidar a fronteira por controlar os índios. O SPI tentou estabelecer escolas para estes povos na década 30 que duravam por pouco tempo. Os índios do rio Uaçá foram agrupados na aldeia Kumarumã. A escola estabelecida em 1934 tentou proibir o uso da língua Galibi (Crioulo Francesa) em favor do português, devido a proximidade da fronteira (Vidal 2000). Enquanto os Galibi do Uaçá e os Karipuna estavam meio aculturados, os Palikur viviam ainda em ‘práticas primitivas’. Durante os anos 40 e 50 o SPI tentou projetos de modernizar a pesca, introduzir a criação de gado e búfalo e extração da tinta brasil, mas todos estes fracassaram devido à indiferença do índios, má administração e falta de recursos. Outros projetos industriais foram experimentados, sem êxito. O SPI monopolizou o comércio da farinha de mandioca e pesca dos índios com os regatões que supriram os garimpeiros no norte da região. Os Palikur rebelaram e o Posto do SPI se fechou. Os índios mudaram-se para a margem francesa do rio Oiapoque para trabalhar nas fazendas e pescar. Apesar destes contratempos os três povos manteram suas identidades étnicas e suas populações cresceram (Hemming 2003.407-409). Havia

Na décadas 60 a 80 a FUNAI e o CIMI começaram a atuar na região do rio Uaçá, com a ênfase dada à cultura e os direitos dos indígenas (Vidal 2000). O padre Nello Ruffaldi começou a trabalhar entre os Karipuna, melhorando a saúde deles e ‘os índios descobriu que o evangelho é para unir e dar auto estimo’. Em 1976 ele organizou a primeira assembleia e os chefes dos povos pediram a FUNAI demarcar uma Terra Indígena para parar as invasões no seu território. Isso aconteceu em 1983. As assembleias continuaram cada ano, incorporando outras nações indígenas. A assembleia de 1995 terminou com o Turé e um culto cristão com a participação dos pastores das Assembleias de Deus, a Missão Novas Tribos do Brasil e o padre Nello. A situação dos índios era melhor com o comércio da mandioca, plantações de cana e milho, educação primária, graças à FUNAI, o Estado do Amapá e os missionários (Hemming 2003.412).

Estilo da Vida:
Os Galibi-Maworno vivem em quatro localidades: A aldeia de Kumarumã no médio curso do rio Uaçá com 1.506 habitantes em 1998 (FUNAI), 1.578 (Anonby 2007), a aldeia Tukai na cabeceiras do rio Uaçá, junto ao Posto de Vigilância da FUNAI no km 92 da BR-156 com 34 habitantes (70 Anonby 2007), a aldeia Laranjal ou Uahá, no igarapé Juminã com 88 pessoas (81 Anonby 2007). Entretanto há mais 89 Galibi-Marworno na aldeia Flecha no rio Urukauá entre os Palikur. A aldeia Kumarumã localiza-se numa ilha grande à margem esquerda do médio rio Uaçá. Ali são o Posto da FUNAI e casa do CIMI, a escola e a enfermaria. As casas são de plano retangular de tabuas, palafíticas. Alguns jovens preferem construir a casa em alvenaria. Os Galibi-Marworno dormem em esteiras de junco sob um mosquiteiro grande para cobrir toda a família (Vidal 2000).

O rio Uaçá no seu curso médio e baixo passa por campo ou savanas e nas suas cabeceiras floresta na terra firma. Nos campos que ficam alagadas na estação da chuvas, dezembro a junho, há tesos que são plantados e o rio é bom para a pesca. No alto curso as florestas servem para caçar, pescar e tirar a madeira para construção das casas. O plantio é feito por um sistema de mutirões e os produtos são vendidos nos mercados das cidades de Oiapoque ou Saint Georges. O produto principal é a farinha d mandioca que também serve em troca para alimentos de fora. A aldeia Kumarumã tem pequenos comércios e padarias. A comida tradicional é peixe, farinha de mandioca e tucupi, cozido em um fogão de barra ou até um fogão à gaz. Alumas casas têm televisão e geladeira (Vidal 2000).

A Assembleia dos Povos Indígenas do Oiapoque decidiu que o peixe não deve ser vendido for da T I. A caça ao jacaré é proibida. As armas usada na pesca são o arco e flecha, o arpão, a ponta e a zagaia. A madeira também não pode ser vendida para fora.

Sociedade:
Depois o casamento o casal mora ao lado dos pais da esposa por três ou quatro anos até juntar os recursos par construir sua casa. Os chefes das famílias extensas reúnem os grupos locais para as festas do Turé e de santa Maria. Em Kaumarumã o chefe, vice-chefe e os conselheiros sempre tomam as decisões em conjunto. O castigo para transgressores é uma faxina realizada na aldeia. Transgressões mais graves de violência merecem expulsão da aldeia.

O contato entre as quatro etnias, Palikur, Galibi-Marworno, Galibi-Kaliña e Karipuna é feito nas Assembleias Gerais dos Povos Indígenas do Uaçá, nas festas religiosas evangélicas e nas celebrações do Dia do Índio e em visitas na cidade de Oiapoque. As conferencias evangélicas reúnem indígenas das etnias dos dois lados da fronteira e tem resultado em alguns casamento interétnicos. A participação dos evangélicos em aspectos da festas é limitada por sua ética, mas se uma situação requer a ação conjunta de todas as etnias os Palikur evangélicos participam ativamente (Capiberibe 2012). O prefeito de Oiapogue em 2000 foi um índio Galibi-Marworno (Vidal 2000).

Os quatro povos, Galibi do Marworno, Palikur, Karipuna e os Galibi do Oiapoque formaram em 1992 uma associação política chamada Apoio. A chefe em 2007 era a ortodontista Vitoria Santos e a associação ganha recursos para a educação e saúde (Anonby 2007.11). Desde os anos 70 a escola tem ensinado o crioulo com o português, usando matéria preparada pelo CIMI (Anonby 2007.11).

Alguns Galibi Marworno passaram anos trabalhando na Guiana Francesa, mas preferem a vida no Brasil, e as novas restrições de imigração tem limitado um movimento (Anonby 2007.12).

Artesanato: As canoas são fabricadas por mutirões. O transporte das mercadorias é feito com barcos da comunidade ou privado e fazem a viagem pelo oceano para entra a foz do rio Oiapoque. A pororoca no estuário do rio Uaçá pode causar uma demora. A viagem é feita 15 em 15 dias. Vendam também colares de sementes ou miçangas, dentes de macaco, cuias gravadas, arco e flechas.

Religião: Os Galibi-Marworno são na maioria católico tradicionais. Um padre visita a aldeia para realizar os batismos e casamentos. Observam as festa católicas como de Santa Maria, que é a Festa Grande, e o Turé, o mastro do qual é axis-mundi. Nas festas não pode faltar o caxiri. As aves estão relacionadas aos pajés, que têm um banco ornitomorfo, sobre o qual ele acento para realizar seu rituais. Os rituais envolve contato com os espíritos. O Turé é realizado em outubro ou novembro, mas em 2000 não era celebrado porque o povo não possui um pajé atuante na aldeia.

Cosmovisão: Os mitos falam de eventos na história da região com a guerra entre os Galibi e os Palikur. Outro é sobre o xamã Uruçu, que vivia na ilha Bambu. Conta que ele escapou de ser escravo dos brancos e se transformou em uma grande cobra que subiu o rio Uaçá até as cabeceira do afluente Tapamuro. Conseguiu interromper o curso do rio por deslocamentos grandes de terra. A Cobra Grande é a lenda mais querida, sobre o monte Tipoca, onde moravam muitos Palikur, que foram comidos pela Grande Cobra. Quando os índios mataram não somente a Cobra mas também sua fêmea, contra as instruções do herói Iaicaicani, ele foi embora e se transformou em cobra e auxilia os pajés como seu espírito.

Comentário: Histórias bíblicas e outras estórias foram traduzidas em Crioulo, por Alfred e Joy Tobler (1983), Simeão Fort e outros (1983) e Rebeca Spires (1997). Uma obreira da NTMB está preparando um dicionário português – crioulo (Anonby 2007.18).

Bibliografia:

  • ANONBY, Stan, 2007, ‘A Report on the Creoles of Amapá’, SIL International.
  • CAPIBERIBE, Artionka, 2012, ‘Palikur’, Povos Indígenas do Brasil, Instituto Socioambiental, São Paulo. pib.socioambiental.org/pt/povo/palikur
  • DAI-AMTB 2010, ‘Relatório 2010 – Etnias Indígenas do Brasil’, Organizador: Ronaldo Lidório, Instituto Antropos –instituto.antropos.com.br
  • HEMMING, John, 2003, Die If You Must – Brazilian Indians in the Twentieth Century, London: Pan Macmillan.
  • SIL 2014, Lewis, M Paul, Gary F Simons, and Charles D Fennig (eds) 2014. Ethnologue: Languages of the World, 17th edition. Dallas, Texas: SIL International. Online version: www.ethnologue.com
  • VIDAL, Lux, 2000, ‘Galibi-Marworno’, Povos Indígenas do Brasil, Instituto Socioambiental, São Paulo. pib.socioambiental.org/pt/povo/galibi-marworno