David J. Phillips
Autodenominação: Ikolen, ou Ikólóéhj (da Silva 2008.75), que significa na sua língua ‘Gavião’ (PIB 2006).
Outros Nomes: Diguti, Gavão de Jiparaná, Ikõrõ, Dingu, Ikolen, Gavião (DAI/AMTB). Usam Gavião de Rondônia para distinguí-los dos Gavião Parkatêjê do Pará e os Gavião Pykopjê do Maranhão. O nome Digüt ou Digut, ou Diguti eram o resultado de confundir o nome pessoal de um informante com o nome do povo.
População: 500 (DAI/AMTB 2010), 30 (AMTB 1995), 531 (Funasa, 2010). Estima-se havia 600 Gavião em 1930; 250, em 1941; 100, em 1966 (Da Silva 2008.92).
Localização: Os Ikolen habitam seis aldeias na bacia do igarapé Lourdes e outros afluentes do rio Ji-Paraná ou Machado em Rondônia, perto da divisa com Mato Grosso. O nome Ji-Paraná é de origem indígena, significando ‘rio-machado’, devido as pedras que se parecem com machados indígenas. As seis aldeias são Igarapé Lourdes, Ikolen, Cacoal, Nova Esperança, Castanheira e Ingazeira na Terra Indígena Igarapé Lourdes (PIB 2003), ou doze aldeias e 800 Gavião e Arara de Rondônia (Karo) moram na cidade de Ji-Paraná (Da Silva 2008.75).
T. I. Igarapé Lourdes: 185.534 ha homologada e registrada CRI SPU. A T.I. fica entre o rio Ji-Paraná e a divisa com Mato Grosso, ao leste da cidade de Ji-Paraná. Outra localização é o rio Apidia, afluente do Igarapé Tanaru, perto de Pimenta Bueno, Rondônia, 100 km para o sul (SIL). Eles compartilham a Terra Indígena com os Arara de Rondônia ou Karo que são falantes da língua Karo, da família linguística Ramarama, e têm cultura diferente (Gabas 2004). Gabas usa o Karo, que significa Arara, para diferenciá-los dos demais grupos Arara do Brasil: Arara do Acre (Shawanawá), Arara do Aripuanã (Arara do Beiradão), Arara do Pará (Ukarãgmã).
Língua: Gavião do Jiparaná (SIL). Gavião é da família linguística Tupi-Mondé. Porções Bíblicas eram publicadas em 1988. Há gravações de Global Recordings e o Filme Jesus. Cartilhas de alfabetização, dicionário e livros de leitura, com porções e cursos bíblicos estão em uso em duas aldeias (MNTB 2010).
Mondé (DAI/AMTB 2010). Em 1995 tinha 30 falantes, pode ser extinta (SIL). Outros nomes: Salamãi, Salamaikã, Sanamaica, Sanamaiká, Sanamaykã. Dialetos: Gavião, Zoró (Panginey, Cabeça Seca) (SIL). 30% nas aldeias Ikolen e Lourdes falam português.
História: Até 1940 os Ikolen habitavamafluentes do rio Branco, na margem esquerda do rio Aripuanã, em Mato Grosso, 200 km a leste da sua posição atual. Eram confundidos com os Zoró (Pangyjej), com quemconviviame se casarem. Na segunda metade do século XIX, com o primeiro “ciclo da borracha”, começou a penetração deste região. A Comissão de Linhas Telegráficas no começo do século XX iniciou a construção de estradas e a pacificação do índios. Cel Rondon comandou o esforço de construir estações de telegrafo na região que resultou em cidades como Ji-Paraná no território Gavião. As linhas telegráficas serviram posteriormente para o traçado da rodovia BR364 (Da Silva 2008.86). Em 1913-1914 a expedição Roosevelt-Rondon atravessou a região e descobriu o rio Roosevelt. O ex Presidente quase se perdeu a vida. Os Ikolen sofreramataques dos Paiter e dos Cinta-Larga efazendeirosemigraramparaoigarapéLourdes.
Na década 50 os Ikolen tiveram contato com seringueiros e começou a trabalhar com eles para ganhar ferramenta e roupa. Em 1961 a inauguração da BR 364, Cuiabá -Porto Velho, trouxe um grande número de colonos e o desenvolvimento da agropecuária. Os Ikolen eram dispersos e explorados pelos seringueiros e só reunidos pela chegada do SPI (Da Silva 2008.92). Em 1965 os missionários da Missão Novas Tribos do Brasil estabeleceram contato e o SPI seguiu no ano seguinte. A população Ikolen era acerca de cem pessoas, mas com a assistência dos missionários e da FUNAI ela aumentou até em 1983 contou com 220. A MNTB começou a alfabetização com a língua Gavião, seguida por cursos ocasionais de português pela FUNAI, que proibiu o use da língua materna (Da Silva 2008.96).
A Terra Indígena Igarapé Lourdes foi homologada em 1983, porém a demarcação não considerou todo o território tradicional dos Ikolen e alguma aldeias ficaram fora dos seus limites. Nos anos 80 o Programa Polonoroeste provocou muitas invasões de madeireiros e colônias irregulares na Terra Indígena. Entre 1991 e 2001 o Plano Agropecuário e Florestal de Rondônia tentou corrigir este problemas causados pelo Polonoroeste, com a fiscalização e proteção da Terras Indígenas (PIB 2006). Os Ikolen lutam ainda pela definição nova do limite norte da T. I. Uma estrada para o transito de gado e madeira entre Nova Colina (RO) e Rondolândia (MO) corta a Terra (Da Silva 2008.77).
Estilo da Vida: A maior parte da Terra Indígena é coberta de floresta de terra firme com áreas de caatinga. Os muitos igarapés criam planícies inundáveis e mata ciliar. Os homens caçam diversos especies de animais e aves. A pesca é realizada também pelas mulheres; na época de chuvas nos igarapés e na seca no rio Machado. Fazem coleta de mel, etc. na floresta.
Os Ikolen criam roças da floresta ou nas capoeiras perto das suas aldeias. As famílias são responsáveis para sua subsistência, mas toda a comunidade trabalha para projetos comerciais. Os homens são responsáveis para brocar coivara e mas o plantio, a limpeza e a colheita são feitos por todos. Cultivam a mandioca brava, macaxeira, batata-doce, inhame, milho, feijão, arroz, taioba e cará. Também são cultivados para uso na comunidade: algodão, urucum, tempero e repelente de insetos, amendoim, fava, cana-de-açúcar, mamão, coco, melancia, abacaxi, abóbora, banana, laranja, limão e tangerina. Os Ikolen fazem uma bebida fermentada de mandioca ou milho, que consomem durante todas atividades (De Silva 2008.68).
Pequenas quantias dos produtos que sobram são vendidas no mercado de Ji-Paraná. A FUNAI e o governo de Rondônia encorajarem a criação de gado e porcos em duas das aldeias. O técnico da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) deu instrução sobre cultivação em 2004. A Eletrobras construiu uma rede elétrica para 91 famílias ikolen em 2010. Os professores ikolen pediram instrução sobre percentagens e juros de crédito no banco, pois os indígenas não podiam os calcular (De Silva 2008.10).
Hoje os Ikolen moram em casas de família nucleares. O projeto de desenvolver uma etnomatemática começou com o exemplo da construção de sala de aula em formato oval de uma maloca (De Silva 2008.39). Entretanto a maloca antiga Gavião era redonda, ‘casa redonda’ (zav vétáh), no formato de uma abóbada apontada. O telhado de palha de buriti subia até um ponto, com um mastro ou esteio no meio ficando fora no ar, deixando uma forquilha em cima para representar um pássaro em voo. O mastro ou esteio no meio (ipitohá) era de uma altura de 7-9 metros e suportava as varas do telhado (zav káli ou seja os caibros) e com ‘ripas’ (pixav) em círculos para segurar o telhado de palha tecida que chegava até o chão. Era considerada de representar a rocha da qual o povo saiu no princípio do mundo. (De Silva 2008, 55, 64). A maloca representa a vida comunal de um número da famílias, compartilhando da caça, de conversas, da educação das crianças por imitar os adultos, e outras atividades juntos, sob a liderança do ‘dono da casa’. Antigamente as malocas redondas (zav vétáh) abrigavam uns 50 pessoas como os demais povos da região. Depois passaram a construir maloca ovaloide (zav tólàh) como os Arara ou Karo fazem. (De Silva 2008.118).
Artesanato: Nas ocasiões das exposições agropecuárias nos municípios quase toda a comunidade dos Ikolen está ocupada com a produção de cestos e adornos plumários para vender. A maior parte do artesanato é feita pelas mulheres.
Sociedade: Os Ikolen consideram parentes os dois lados do casal, então os filhos pertencem às duas famílias.Os primeiros anos de casamento são matrilocal e depois podem escolher seu lugar de residencia. Há muitos casamentos com os Zoró e Karo. Em comparação com seus vizinhos, os Arara, os Imoken são mais reservados em falar com visitantes (Da Silva 2008.19). Relacionam-se com outras etnias na Organização das Associações Indígenas de Ji-Paraná – Panderej. O impacto da escola é que os pais mandem os filhos para estudar pelo método e conteúdo dos brancos e não mais aprendem o conhecimento indígena pela oralidade dos velhos (Da Silva 2008.138).
Religião: A autoridade dos pajés é explicada pela comparação como os pássaros. Os pajés lideravam o trabalho dos índios, assim imitavam ‘pássaros grandes’, o bico-brasa ou tanguru-pará (Monasa morphoeus) que são temidos pelos pássaros trabalhadores e pequenos como o japiim (Cacicus cela). O japiim imita o canto de outros pássaros mas os Tupi explicam que o japiim não imita o canto do Tanguru-pará porque o avô-japim o fêz uma vez e o Tanguru o matou (Da Silva 2008.67). O japim constrói ninhos pendurados de capim tecido.
A MNTB teve primeiro contato com os Ikolen em 1965 e se juntaram ao Posto Igarapé Lourdes da FUNAI em 1967. Na década 70 o chefe do Poste da FUNAI proibiu os Ikolen a realizar seus rituais, temendo que estes prejudicassem sua saúde e crescimento da população. Porém os rituais foram realizados de novo em pouco tempo. Dentro de dez anos os Ikolen eram evangelizados e batizados evangélicos pela MNTB em todas as aldeias e até os pajés frequentavam os cultos. Os índios aproveitaram o serviço de saúde fornecido pelos missionários (Da Silva 2008.93). Providenciaram transporte para os hospitais para combatar o tuberculose. Em 1976 houve um confronto entre a maioria dos índios que cultuavam os ‘espíritos da água’ na dança de uma festa e os missionários e resultado é que depois somente 25% dos Ikolen pertenciam à igreja evangélica. Em 1981 um novo pajé reviveu a religião tradicional.
Cosmovisão: A criação da plantas e dos animais foi realizada por um ser semidivino e semi-humano chamado Gorá, dando a cada especie os caraterísticos corporais. Também cada animal e planta têm seu corpo espiritual ou espírito. Os pajés sabem comunicar com os espíritos dos animais sabidos, como a anta e a onça. Os espíritos das arvores são os donos das frutas da especie. Os Ikolen não pedem permissão de derrubar ou caçar, exceto no caso de uma matança maior de queixada, quando o pajé deve ser mediador com os espíritos. Tomar de mais da natureza é uma ofensa contra a ordem estabelecida por Gorá.
Os rios e os igarapés possuem espíritos, que moram em baixo das águas, os Gonjan-ei, e são temidos pelo Ikolen e causam doenças e a morte, se o pajé não conseguir a volta da alma dos doente.
Conforme um mito dos Ikolen a humanidade vivia em baixo da terra ou dentro de uma grande montanha de rocha chamada Ixiapípaneh. Ela é situada na terra dos Cinta Larga, no Mato Grosso. Os animais sentiram falta dos homens e concordaram em fazer um buraco para deixar sair a humanidade. Os pássaros com bicos moles não conseguiram furar a pedra. Precisavam os pássaros de bico mais comprido e forte, os araras, papagaios, etc., para furar a rocha para que os homens saíssem. Os povos saiam dizendo que vão ser tal povo em tal lugar. Os Ikolen eram os últimos para sair, depois deles uma mulher gravida ficou presa no buraco e os demais povos não podiam sair. Surgiu um guerreiro para liderar o povo chamado Dërambi (Da Silva 2008.54).
Comentário: Horst Stute da MNTB fez a analise linguística. Oito cartilhas de alfabetização, ‘dois livros de leitura geral; hinário em Gavião com 333 hinos/coros escrito e composto pelos indígenas; quatro livros com lições cronológicas e tradução de porções de Gênesis e Êxodo – 35 lições; tradução de porções do Novo Testamento: Marcos, Atos, I Tessalonicenses, Textos de Natal – Nascimento de Jesus, versos esporádicos, tradução de Lucas em andamento.’ Romanos foi publicado em 2004 e 36 lições do Ensino Cronológico da Bíblia estão sendo usados em duas aldeias. Os missionários atuam em três das oito aldeias, duas as maiores ikolen com 350 pessoas e Igarapé Lourdes com 150 pessoas (MNTB 2010). MNTB iniciou o trabalho com este povo, no Igarapé Lourdes, em 1966. Em 1978 40 Zoró chegaram na área e um grande avanço do evangelho aconteceu entre eles também.
O crise e o retorno à religião tradicional era devida, conforme Da Silva, ao conflito cultural por considerar a nudez e a maloca encorajavam a promiscuidade. A maloca representava a organização social (Da Silva 2008.94).
Desde de 1970 Horst Stute (MNTB) iniciou a alfabetização na língua Gavião com histórias da Bíblia, cartilhas escolares com a conversão de líderes e professores.
Em abril de 1981 os missionários tiveram que sair da área indígena por ordem da FUNAI. A família Stute se instalou na cidade de Ji-paraná, de onde manteve contato com os índios e continuou com a análise da língua e as traduções. Em 1990 a MNTB recebeu permissão da FUNAI, a pedido dos índios, para entrar novamente na área indígena.’ (MNTB 2010). Oito obreiros atuam na área: Adilton e Vilma Campos, Donald e Dalvani Austin, Valmir Ferreira e Lourdes da Silva. Depois 43 anos de ministério Horst e Annette Stute se aposentaram na Alemanha. O povo é receptivo à Palavra de Deus, e como prova disto há reuniões com frequência nas aldeias Guarita, Castanheira e esporádicas em outras localidades. Há uma igreja funcionando na aldeia Lourdes. Os índios crentes mostraram uma grande habilidade para compor músicas evangélicas. Existem mais de 300 hinos, letra e música, compostas por eles.
Bibliografia:
- DAI/AMTB 2010, ‘Relatório 2010-Etnia Indígenas do Brasil’, Organizador: Ronaldo Lidório, Instituto Antropos –instituto.antropos.com.br
- DA SILVA, Aparecida Augusta da Silva, 2008, ‘Em Busca Do Diálogo Entre Duas Formas Distintas de Conhecimento de Matemática’, tese de doutorado, Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo.
- GABAS, Nilson, Jr . 2004, ‘Karo’, Povos Indígenas do Brasil, Instituto Socioambiental, São Paulo, pib.socioambiental.org/pt/povo/karo
- MNTB, 2010, Missão Novas Tribos do Brasil, relatórios da equipe.
- SIL 2009: Lewis, M. Paul (ed.), 2009. Ethnologue: Languages of the World, Sixteenth edition. Dallas, Tex.: SIL International. www.ethnologue.com.
- PIB 2006, Kanindé Associação de Defesa Etnoambiental, ‘Ikolen’, Povos Indígenas do Brasil, Instituto Socioambiental, São Paulo, pib.socioambiental.org/pt/povo/ikolen