Ingarikó — Kapon

David J. Phillips

Autodenominação: Kapon, que tem os significados de ‘gente’, ‘povo’, ‘povo das alturas’ analisado como kak ‘céu’ ou ‘serra’ e -pon ‘aqueles em’. Porém kapon pode significar índio em distinção ao não indígena (Abreu 2008).

Outros nomes: Acahuayo, Acewaio, Akawai, Akawaio (SIL). O nome Ingarikó tem significado ‘inimigo’, ‘povo do ápice da montanha’ e ‘povo do lugar frio e seco’ ou ‘índio’ em contraste com não indígena. Um analise linguística por Maria Odileiz Souza Cruz oferece o sentido de ‘povo da mata densa’ ou ‘moradores das serras’ (Mlynarz et al 2008).

População: Brasil: 1.170; Guyana: 4.000; 4.500 (SIL 2002); Venezuela: 728 (DAI-AMTB 2009). Total 5.350 (SIL).

Localização: Terra Indígena Raposa Serra do Sol de 1.747.464 ha homologada e registrada no CRE e SPU.Vivem na circunvizinhança do Monte Roraima, Serra do Sol, ao norte de Roraima, Brasil com Makuxi, Patamona, Taurepanga e Wapixans, população total:21.362 (SIASI/SESAI 2012).

Também entre Patamona, Guyana e La Gran Sabana, Bolivar, Venezuela (SIL).

Língua: Ingarikó. Quem fala – Brasil: 670 (ISA 1997); Guyana: 4.500 (SIL 2002) e também na Venezuela: 180 (Censo: 2001) com o nome Akawaio (SIL). Classificação linguística: Carib Setentrional, Guyana Leste-Oeste, Macushi-Kapon, Kapon. Porções bíblicas publicadas em 1873. Todas as aldeias têm seu próprio dialecto. Os Ingarikó comunicam bem com os falantes das línguas Taurepang e Arekuna e compreendem Makuxi, porém os últimos não compreendem ingarkó. O português é falando em todas as aldeias ingarikó (Cruz 2008).

História: Os holandeses na Guiana (Suriname) estabeleceram contatos comerciais com os índios no século XVIII. Os missionários morávios vieram a Guyana em 1738. Os Britânicos proibiram os Morávios a trabalhar entre os escravos africanos, então os missionários foram para os índios e montaram missões entre os Arawak e Karib na área do rio Berdice. Os Arawak chegaram até sua missão Pilgerhut. Eles tiveram o primeiro contato com os Akawaio em 1743 no rio Berbice. Alguns Akawaio vieram à missão e foram batizados em 1751 e um evangelista akawaio chamado Ruchama ministrou entre eles. Uma missão foi montada no rio Corentyne, chamado Hoop (Esperança), mas há uma lacuna nas fontes e as detalhes deste trabalho ainda não são conhecidas. Houve diversos movimentos proféticos entre os indígenas do Monte Roraima.

No século XIX, os poucos colonos, que se mudaram para a região, trataram os cerrados do Território do Rio Branco como pastos para criar gado, sem considerar os direitos dos índios, e a brutalidade dos fazendeiros forçou os indígenas para emigrar para a colonia britânica aonde eram bem recebidos. Os Makuxi, um povo dos campos, sofreram mais, mas os Ingarikó evitaram a pior violência por ficarem nos matos ao norte (Hemming 2003.475). Os primeiros contatos da sociedade nacional com os Ingarikó eram pelos padres Beneditinos nos anos trinta do século XX e depois um cientista do Ministério da Agricultura em 1946.

Nos anos setenta, Caju, um assentimento de garimpeiros foi estabelecido com um comércio e uma pista de pouso. Os Ingarikó costumavam viajar por um dia para visitar o comércio, mas não permitiram os garimpeiros penetrassem em sua área. Quando uma fazenda de gado foi montada perto da sua aldeia, eles expulsaram o gado e queimaram a casa do fazendeiro.Na época a FUNAI sobrevoou as aldeias (Cruz em Mlynarz et al 2008) e em junho 1980 foi demarcada a Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Mas ao mesmo tempo foi estabelecido o Parque Nacional Monte Roraima includindo duas aldeias Ingarikó, que provocou um conflito sobre o manejo de conservação do Parque e o uso dos recursos da floresta dos índios. No começo do século XXI continua ainda esta disputa sobre a T.I. para os Makuxi e os Ingarikó (Hemming 2003.630). Há um conflito com entre a política global de conservação ambiental que requere a ausência da presença humana, inclusive os habitantes originais, e a necessidade destes de viver e seu uso dos recursos do meio ambiente (Lauriola 2003).

Em 2005 O Conselho do Povo Indígena Ingarikó (COPING), por seu presidente Dilson, tratou o assunto do desenvolvimento da Terra Indígena com o governo, sobre a necessidade de ter a melhor infraestrutura e a possibilidade de desenvolver turismo. Concordaram em 2007 um compromisso sobre o processo de desocupação da Terra pelos não-índios. Em 2009 queixaram a falta de investimento nos postos de saúde e transporte, inclusive a falta de medicamentos básicos para os povos na T.I. Em 2010 o povo sofreram a ruína da produção agrícola devida as secas e enchentes e recebeu 1,2 mil cestos de alimentos do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), em 2011.

Estilo da Vida: As nove aldeias dos Ingarikó consistem de uma praça com as casas em redor, agrupadas conforme as parentelas. O povo derruba e queima as roças para ser cultivada por 4 ou 5 anos, e depois deixa à capoeira uns 7 a 10 anos para ‘evitar a floresta vire campo’ (Lauriola 2003). Os Ingarikó demonstram um sistema de manejo de meio ambiente, por exemplo reservam a área do alto rio Uailã para a reprodução da caça e não estabelecem aldeias ou roças na área. Eles não caçam a onça (Lauriola 2003).

Os homens levem nas expedições de caça um calendário feito de uma corda de fibra que tem 15 nós, para representar os dias de ausência. As mulheres na aldeia também contam os dias em um calendário semelhante. Quando terminam os dias as mulheres preparam muito caxiri e saem ao encontro dos homens no mato; é chamada o parixara. Todos entram na aldeia cantando e dançando e depois caça é dividida entre as famílias (Cruz 2008).

Artesanato: Os Ingarikó fabricam muitos artigos como cestos, peneiras, esteiras e tipitis.A cestaria com vários trançados e cores é feita pelos homens. Confeccionam também chapéus de cipó, sandálias, colares e bolas. São bem conhecidos por suas canoas, que são encomendas por outros povos (Cruz 2008).

Sociedade: Os Ingarikó estão divididos em oito comunidades na Serra d Sol: Mapaé, Manalai, Awendei, Serra do Sol 1 e 2, Sauparu, Pipí e Kumaipá. (Lauriola 2003). O casamento é uxorilocal e o marido tem que prestar serviços ao sogro, com trazer caça e o trabalho da roça. Quando os filhos do casal crescem eles formam uma família separada com sua própria casa.

Religião: Os Ingarikó praticam um ritual do Aleluia, derivado dos contatos com o evangelho há dois séculos e os movimentos proféticos entre os povos vizinhos. É baseado na crença que o fim do mundo é imanante com um juízo pela ‘água que queima’ (paraw). Diversos sinais da proximidade do catástrofe são o nascimento de crianças malformadas, doenças, a velhice e a morte; o tempo está acelerando, e os dias estão ficando mais curtos. O ritual é preparação essencial para escapar o juízo e ir para o nível celestial.

O alvo do ritual é a transformação da pessoa por sua participação; esta transformação é considerada uma troca de pele, e a pessoa não é mais humana mas uma das sombras do pais (indjerî). Mulheres precisam de uma aprendizagem mais prolongada, porque são mais ‘pesadas’ que os homens (Abreu 1995.99). Uma segunda transformação é desejada e expressa pelos cânticos de suplicação ao ‘banco da luz’ ou o ‘ser como ti’ (îmîrî-pe wetope). O ritual consiste de filas de homens e mulheres dançando e pulando, cantando ‘ser igual a ti’ uns noventa vezes. Os participantes podem rolar no chão, gritar e quase entram em transe.

Os homens usam uma tatuagem corporal de linhas verticais nos antebraços e linhas horizontais no tórax para invocar os espíritos da floresta os proteger durante a caça (Cruz 2008).

Os bancos na aldeia não são apenas artigos domésticos, mas são símbolos de diversos aspectos do universo. São associados como as constelações, as montanhas, cachoeiras e os animais.

Cosmovisão: O mundo celestial é o domínio do ini apuru, o profeta ou ‘mestre de cerimonias’ que faz revelações sobre o fim do mundo (Abreu 1995.92). Houve no princípio do mundo um dilúvio que terminou o tempo da imortalidade e trouxe o sofrimento, as doenças, o trabalho e a morte (Abreu 1995.96). Isso aconteceu por causa do comportamento do enganador Makunaima, que derrubou a árvore da vida. Monte Roraima, que marca a fronteira entre Brasil, Guyana e Venezuela é considerada o toco da árvore da vida (Mlynarz et al 2002).

O profeta exorta os adeptos de aprender as danças e os cantos, porque é o único caminho conseguir as transformações e chegar no alem. Os cantos enfatizam a fuga do desastre que espera o mundo. Falam de que ‘estou subindo mesmo’, ‘estou trocando o pele’ e envolve a aprendizagem de uma nova língua. Os adeptos pensam que estamos sempre às vésperas do fim do mundo; o profeta enxerga os sinais da proximidade do fim. Será uma conflagração universal, como um dilúvio de ‘água que queima’ (paraw como gasolina os Kapon dizem). O fim será declarado por um profeta. Seres vão descer do céu para auxiliar os preparados. Um ‘banco da luz’ ou messias que diversos títulos como o ‘sábio’ (epukena), ‘irmão mais velho’ (ui), ‘filho do meu pai’ (papay mumu), ou ‘Jesus Cristo’ (sixoxikrey) ou (kîray), descerá do céu e ensinará uma língua inaudita e levará pessoas para o céu. Quando ele vier os cantos serão a realidade da experiencia do alem, que por enquanto não é realizada. Nos canto aparece o termo aypilipin, que os Kapon não entendem, Abreu pensa que derivado do inglês ‘I believe in Him’ (Abreu 1995.105). Descerão também as sombras dos pais (indjerî).

Comentário: Os primeiros missionários morávios chegaram em Suriname em 1735, denominado na época a ‘Costa Brava’, muitos morreram das doenças tropicais. Contato com os índios começou em 1748 entre os Arawak na área do rio Berdice, e fizeram uma analise da língua, mas este esforço foi terminado pela rebelião de escravos em 1768. Eles trabalharam principalmente entre os escravos fugidos, em assentimentos no interior, tipo Quilombos. A missão encontrou oposição dos fazendeiros e indiferença dos índios. Para sustentar o trabalho uma fabrica e loja de confecções foram montadas em 1768. Um missionário anglicano encontrou no rio Corentyne, fronteira da Guiana com o Suriname em 1839 um sobrevivente converso dos morávios. Os anglicanos Brett e Carter estabeleceram acerca 1841 uma missão na confluência dos rios Arapiacro and Pomeroon com uma congregação de Negros e Arawak. Com a ajuda de Sacchi-Barra ou ‘Cornelius’, um converso arawak, Brett traduziu os Evangelhos. Cornelius evangelizou outros Arawak, em cima das cachoeiras do rio Demerara e até mandou donativos aos irlandeses durante o ‘fome de batata’ de 1840.

A seita da aleluia é um desafio de entender como o testemunho original do evangelho transformou-se desta maneira. Faltam informações de quase cem anos da história depois da saída do missionários morávios. Precisa-se o ensino da escatologia cristã junto com a confirmação da doutrina da salvação, inclusive a graça igualmente para os homens e as mulheres!

A Missão Crossworld trabalhou entre os Ingarikó inclusive Dan and Lillian Hoobyar (1995-2008). A MEVA continua a trabalhar com este povo.

Bibliografia:

  • ABREU, Stela Azevedo de, 2008, Povos Indígenas do Brasil, Instituto Socioambiental, São Paulo, pib.socioambiental.org/pt/povo/ingariko/1858.
  • ABREU, Stela Azevedo de, 1995, ‘Aleluia: O Banco da Luz’, Dissertação de Mestrado, Departamento de Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade de Campinas.
  • CRUZ, Maria Odileiz Sousa, 2008, ‘Parixara’ e ‘Artes’ em ‘Ingaikó’, Povos Indígenas do Brasil, Instituto Socioambiental, São Paulo, pib.socioambiental.org/pt/povo/ingariko.
  • DAI/AMTB 2010, ‘Relatório 2010-Etnia Indígenas do Brasil’, Organizador: Ronaldo Lidório, Instituto Antropos –instituto.antropos.com.br/1859.
  • HEMMING, John, 2003, Die If You Must: Brazilian Indians in The Twentieth Century, London: Macmillan.
  • LAURIOLA, V 2003), ‘Global ecology versus cultural diversity? Conservation of nature and indigenous peoples in Brazil. Roraima Mount: National Park vs. Raposa-Serra do Sol Indigenous Land’, Ambiente Sociedade [online]. 2003, vol.5, n.2, pp. 165-189.
  • LIMA FILHO, Manuel Ferreira, 1999,www.arar.fr/BBTRIBOKARAJA
  • MLYNARZ, Ricardo Burg, Maria Odileiz Sousa Cruz, Paulo Santilli, Stela Azevedo de Abreu, 2008, ‘Ingarikó’, Povos Indígenas do Brasil, Instituto Socioambiental, São Paulo, pib.socioambiental.org/pt/povo/ingariko.
  • MNTB, 2010, Missão Novas Tribos do Brasil, relatório da equipe.
  • SIL 2009: Lewis, M. Paul (ed.), 2009. Ethnologue: Languages of the World, Sixteenth edition. Dallas, Tex.: SIL International.www.ethnologue.com.