Javaé — Iny

David J. Phillips

Autodenominação: Usam Iny, que significa ‘nós’ ou gente, seres humanos. Os Javaé não gostam de ser considerado Karajá e enfatizam as suas diferenças. Chamam os Karajás ixyju ou ‘estrangeiros’ com uma conotação pejorativa (Rodrigues 2009). Os Karajás reciprocam o insulto, mas também usam Iny como sua autodenominação.

Outros nomes: Ynã, Carajá e Chamboa ou Xambioá. Xamboiá significa ‘pássaro veloz’ ou é derivado de ixybiowa, que significa “amigo do povo”. Era também o nome de uma aldeia que existiu na foz do rio de mesmo nome, e lugar do atual Posto Indígena (Rodrigues 2010). Chamado Karajá do Meio em contraste com os Karajá (de Cima) e os Xamboiá (Karajá do Norte ou de Baixo). O nome Carajá ou Karajá vem do Tupi e provavelmente significa ‘macaco grande’, usado pelos brancos desde do século XVI.

População: Karajá 3.000, Javaé 1.456 (FUNASA 2009). Xamboiá (Karajá do Norte): 269 (FUNASA 2006). 3,600 (ISA 1999), 919 Javaé (2000 ???ISA). Javaé: 1.208, Karajá: 2.600 Xamboiá: 250 (DAI/AMTB 2010).

Localização: Na Ilha do Bananal, Estado do Tocantins, que é formada pelo rio Araguaia a oeste e o rio Javaés, o Braço Menor do Araguaia, a leste, que é um paraná saindo do rio Araguaia em cima da ilha e reunido ao Araguaia em baixo. A Ilha é divida no sentido norte-sul pelo rio Riozinho e seu afluente o rio Jaburu, que formam a divisa entre os territórios dos Javaé a leste e ao longo o rio Javaés, e os Karajá a oeste e alongo o rio Araguaia. Em 2009 moram em 13 aldeias na margem do rio Javaés, exceto a comunidade de Imotxi no interior da Ilha (Rodrigues 2009).

Em cinco Terras Indígenas:

T. I. Araguaia consiste de 1.358.500 ha da Ilha do Bananal, homologada e reg. no CRI e SPU com 3.502 Javaé, Karajá, Tapirapé e Ava Canoeiro (FUNASA 2010).

T. I. Utaria Wyhyna/Iròdu Iràna é de 177.466 ha parte setentrional da Ilha do Bananal, declarada, com 116 Javaé e Karaja (FUNASA 2011).

T. I. Inãwébohona, parte leste da ilha do Bananal, de 377.114 ha homologada e registrada no CRI com 186 Javaé, Karajá e Avá-Canoeiro (FUNASA 2011).

T. I. Wahuri, perto da cidade de Palmas (TO), em identificação com Javaé.

T. I. Canoaná, perto da cidade de Palmas (TO), em identificação com Javaé.

História: Conforme as tradições orais dos Javaé, eles são formados por diversos povos, pelos casamentos intertribais, pelas trocas pacificas e por guerras, e os remanescentes dos ataques dos europeus. Estes diversos elementos fusaram suas culturas e línguas no povo Iny.

Os primeiros contatos dos brancos eram com os Karajá nas margens do médio rio Araguaia. Antigamente os Javaé habitavam uma área maior nas duas margens do rio na bacia do rio Javaés, no interior da Ilha do Bananal. No inicio do século XX habitavam uns 50 aldeias. Nos anos 1750 os bandeirantes atacaram e mataram muitos Javaé na Ilha do Bananal. Em 1775 uma expedição foi enviada para conhecer os índios da Ilha do Bananal e descobriu que foi habitada por 9.000 Karajá (em seis aldeias) e Javaé (três aldeias). Os índios contaram do ataque da bandeira há mais de 20 anos antes. A invasão no seu território pelos brancos, a busca de caça, de pastos para criar gado ou de cristal de rocha, trouxe as doenças que decimou a população e os sobreviventes mudaram-se para as margens do rio Javaés, uma deslocação que os Karajá não sofreram (Rodrigues 2009).

O rio Araguaia era uma via de navegação importante na época colonizador e por isso os Karajá tiveram mais contato com os bandeirantes vindo de São Paulo, do que os Javaé. Os Jesuítas subiram o Tocantins e o Araguaia, vindo de Belém no século XVIII, e começou o sistema de aldeamentos dos indígenas na Capitania de Goiás que durava entre 1749 e 1811 (Rodrigues 2009). As leis portuguesas sobre os indígenas eram oscilantes e contraíras que de um lado deu liberdade e do outro escravidão. Alguns aldeamentos eram supervisados pela Igreja e outros pelo governo. Os índios nos aldeamentos trabalharam para o governo e receberam uma terra para cultivar, em outros os índios eram escravizados. Em Goias o sistema era um fracasso devido ao tratamento pelos brancos e frades e as rebeliões indígenas (Schllee 2010).

A mineração do ouro criou contato com os garimpeiros. No século XIX os índio sofreram mais ataques e escravização. Em 1812 o presídio de Santa Maria no Araguaia, durou apenas um ano porque foi destruído pelos ataques dos Karajá, Xavante e Xerente (Rodrigues 2009). O presídio seria restaurado somente em 1861, depois de novos ataques dos Karajá, Kayapó e Xambioá.

Os Javaé permaneceram isolados até a fundação de cidades a leste da ilha do Bananal por mineradores de cristal e criadores de gado na década 30 do século XX. (Rodrigues 1999.196). O SPI fundou um posto no rio Javaés em 1952, que foi transferido em 1960 para a aldeia Canoanã aonde se concentram os remanescentes das outras aldeias nos anos 70. Entretanto as divergências entre os líderes indígenas causaram os Javaé para se espalhar de novo para as suas aldeias antigas ao longo do rio Javaés (MNTB 2010). No início dos anos 90, os Javaé e algumas famílias Karajá conseguiram retomar o antigo Porto Piauí, na ilha do Bananal habitada por não-índios, transformando-a na atual aldeia Txuiri”.

Os contatos mais intensivos com não indígenas e o alcoolismo têm produzido uma união entre líderes Javaé e Karajá para amontar uma campanha para expulsar os brancos das terras indígenas e em 1989 a FUNAI iniciou o processo necessário para conseguir isso. Esta atividade unida provocou a restauração na cosmovisão e rituais tradicionais depois de uma década de interrupção (Rodrigues 1999.202).

Estilo da Vida: Antigamente os Javaé mudaram de lugar entre as aldeias permanentes nos barrancos altos do rio durante a a estação cheia e dispersaram em famílias para os acampamentos provisórios para pescar durante a estação seca. As aldeias são importantes por ser associadas com os lugares de origem mitológica, ser os únicos lugares secures das enchentes e próximos às roças e ser o lugar dos cemitérios. Atualmente moram nas aldeias e saem para fazer rápidas expedições de pesca para suprir o peixe para os comerciantes. Na estação cheia eles cuidam das roças e caçam. Realiza-se também a iniciação dos rapazes.

Artesanato: Os homens e as mulheres fazem a cestaria. A cerâmica é feita somente pelas mulheres.

Sociedade: Os Javé consideram que são um povo com uma forma de sociedade melhor do que os outros. Seu sistema ritual e mitológico é considerado o meio para preservar a sociedade. Pensam que os brancos e os outras etnias, como seus inimigos os Avá-Canoeiros e Kayapó, são descendentes de mulheres adúlteras. A palavra ixÿju que significa ‘estranho’ ou ‘outro’ é derivada de ixÿ que significa feminina, associada com individualismo e impulsividade que rompem a união social (Rodriques 1999.199).

O casamento é uxorilocal, o homem, ao se casar tem que viver com a família da esposa e é devedor de seus sogros para pagar o dote pela pesca, caça e no trabalho da plantação. Somente depois de ter filhos a posição do homem torna-se mais seguro. Ele encara a casa da sua mãe com um lugar mais seguro. Entretanto as mulheres não falam da vida ritual ou quebrar as regras desta e têm medo de ser punidos, pois é o domínio exclusivo dos homens, mas sua participação nos coros e nas danças das festas é valorizada. Então na vida domestica a mulheres predominam, e até são consultadas antes de decisões políticas, em contraste do medo imposto pela Casa ritual dos homens (Rodrigues 1999.198).

Religião: Na mitologia os seres aõni são amorais e antissociais que representavam o caos social. Em muitos mitos uma mulher é identificada como um aõni e é feiticeira. O nome dela é Haloèkiri, derivado de uma dos mais perigos aõni, Haloè (‘onça’). Acreditam que ela come a carne da gente. Nos mitos ela engana os filhos comer a carne da mãe com ela, e ‘comer’ representa ter sexual relações, quer dizer os filhos estão enganados para cometer incesto. Porém os filhos matam a feiticeira e seus ossos se tornam em as armas de fogo dos tori, estes são entes entre aõni e humanos na hierarquia (Javaé) e são identificados como os brasileiros brancos (Rodrigues 1999.200). A dança chamada dos Aruanãs é importante para controlar as forças de caos social. Os homens mascarados na dança dos Aruanãs reclamam ser os pajés ancestrais, trazidos de volta do mundo mitológico. Um propósito principal da dança do Aruanãs é dramatizar o momento em que os Araunãs controlaram os aõni, e dramatiza o controle do homens para manter a união da sociedade do individualismo e a desordem.

O domínio dos homens sobre as mulheres é baseado nos mitos que falam de igualidade antiga de gênero, mas as mulheres perderam esta posição de iqualidade por comportamento antissocial e imoral. São descritas nos mitos como individualistas que fez impossível a formação da sociedade humana, praticando impulsivamente incesto com o irmão, negando comida ao próprio filho, escondendo a água de uma comunidade, e cometendo adultério, etc. Por isso os homens têm que controlar as mulheres. As mulheres não podem entrar na Casa dos homens nem ver os homens se vestindo os ‘roupas’ de palha dos Aruanãs sob pena de castigos. Rodrigues diz que há uma atmosfera de medo permanente nas aldeias durante a dança dos Aruanãs. Ainda assim os coros da mulheres e suas danças é valorizada. (Rodrigues 1999.197).

Cosmovisão: Os Javaé anelam a permanecia primordial. A cosmovisão é lida com a história e enfatiza a continuidade do princípio mais que o progresso. Seu propósito é manter a continuidade para controlar a mudanças e as novidades (Rodrigues 1999.202). Os cosmo é dividido em três e comparado com um corpo. A cabeça representa o mundo de cima que é associado ao leste e ao rio acima; é o lugar de permanecia e é associado à identidade étnica, à masculinidade e à imortalidade. O mundo inferior, comparado com os pés, é associado ao oeste e ao rio abaixo e à transformação e mudança, à feminilidade e à mortalidade.

O mundo está no meio do cosmo, o superfície da terra onde vivem os humanos e é comparado com a barriga do corpo. Estando no meio, os homens consistem de uma mistura de corpo imortal (tykytyby) e um corpo perecível (tykytyhy). Javaé e os Karajáse chamam o Povo do Meio, morando entre o mundo em baixo da águas e o mundo celeste (Rodrigues 2009). Os Javaé chamam-se também o Povo de Fora, Ahana Òbira Mahãdu, que refere ao mito de ter saído do leito do rio Araguaia do mundo subaquático. O cosmovisão é baseado na saudade do paraíso perdido e sobrevivendo nesta terra ou mundo do meio que é de transformações constantes, alteridade, conflito e da morte.

Os Javaé valorizam a unidade permanente de todas as coisas. Os Javaé são conscientes que todas as coisas estão em relação ao tudo. Nada é independente de todas as coisas. Toda coisa sempre tem ‘como referência um outro, está na base dos conceitos Javaé de causalidade ou de como atribuem responsabilidade aos atores humanos pela produção das formas sociais.’ A mitologia Javaé contém uma teoria a respeito do processo histórico de produção e reprodução das estruturas sociais, e uma teoria relacional da ação social, sobre como os humanos atuam na história e são responsáveis pela criação das formas sociais atuais. Toda ação criativa na formação da sociedade é o produto de uma relação entre um homem e uma mulher (Rodrigues 2007.33). Os homens começaram em um mundo sem espaço e tempo e sem procriação no fundo das águas. Tudo era estático e autossuficiente. Com a subida para a terra tornaram-se mortais e sujeitos a todo tipo de alteridade, e começaram a procriar. A mistura das substancia entre os sexos era paralelo com a mistura de diversos povos que produziu a tradição. Os elementos de paz e sedentarismo triunfaram sobre os elementos de agitação, movimento e guerra.

Os Javaé acreditam que os homens são dotados de maior autocontrole, e por isso, são responsáveis pela manutenção do status quo, pela ordem original, a força conservador, enquanto as mulheres são apresentadas como a fonte de conflito, mudança, desordem, transformação e menos controle (Rodrigues 2007.34). Então a cultura é uma tensão entre a ordem e a desordem e a fusão dos dois princípios para criar terceiros. Os homens como conservadores reagem contra as mulheres e o princípio de transformação para remediar a mudança, e restaurar de forma paliativa e limitada a condição paradisíaca em que viviam antes de subir à terra, e assim ter as condições mínimas de sobrevivência nesta terra constantemente alterada.

O desejo masculino é muito mais o de permanecer no estado inalterado de antes, do paraíso sem transformações e sem mortes. Os corpos dos homens fisicamente perdem menos fluidos e por isso são considerados mais próximo ao copro imortal original, e também eles criado as músicas que refletem a mágica original. As mulheres tem a maior criatividade demonstrada em criar filhos e cantar nos coros rituais. São o Povo do Meio porque vivem entre os extremos opostos, um conservador e o outro de mudanças. Mas a criação é o resultado da interação dos dois (Rodrigues 2007.42).

Os Javaé consideram os mortos passam a uma outra dimensão, o biu no céu, e são transformados; são sempre jovens com vida eterna, com comida abundante, em paz entre parentes e livre de pagar o dote!! (Ribeiro 2002.92.105 citando Rodrigues 1993 e 2001).

Comentário: A cosmovisão javaé revela alguma preocupações que são semelhante aos temas da Bíblia. O maior tema do paraíso pedido e seu redescoberto. A Bíblia revela os planos divinos para uma sociedade humana contra o caos da desordem e da imoralidade. O conceito manter uma sociedade humana como uma comunidade moral de justiça contra as forças de degradação e desolação é central do evangelho (Gen. 12:3; Mat. 16: 18 ; 28:20; Gal. 3). Descreve o começo da desordem com a desobediência ao Criador, quem é a fonte da personalidade, as relações interpessoais e ele dá à sociedade seus padrões de comportamento para manter a sua ordem. É necessário conhecer o Ser que é intensivamente pessoal e social, que dentro de si tem as relações entre Pai, Filho e Espirito, e se relaciona com o homem desde da criação. A sociedade perfeita é o reino de Deus que é eterno e não sofrem alteridade, e reconcilia homem e mulher e resolve a desordem do mal tanto da mulher como do homem. Trata da tensão entre a a tendencia etnocêntrica (de Israel) e aquele povo sendo uma benção para todas as etnias (os Gentios). Cristo demonstrou a compaixão para sua etnia adotiva (os Judeus) e realizou o meio (sua morte) para que a sua compaixão alcança todas as etnias para ser enxertadas (Rom 11) para formar uma só sociedade centrada nÊle (Gal. 3:28; Ef.3:6).

David e Rebekah Schuring (MNTB) trabalham entre os Javaé na aldeia Txuiri (antigo Porto Piauí),. Há alguns Cristãos neste povo desde 1994.

Bibliografia:

  • RIBEIRO, Liliane Brum, 2002, ‘Limpando Ossos e Expulsando Mortos, Estudo comparativo de Rituais funerários em Culturas Indígenas Brasileiras através de uma revisão bibliográfica, Dissertação de Mestrado de Antropologia, Centro de Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.
  • RODRIGUES, Patrícia de Mendonça, 1999, ‘O surgimento das armas de fogo: alteridade e feminilidade entre os Javaé’, Estudos Feministas, 1 & 2, 195-205.
  • ———-, 2007. “O meio como o lugar da história”. Campos – Revista de Antropologia Social 8 (1): 33-43, UFPR, Curitiba.
  • ———-, 2010, ‘Javaé’, Socioambiental, pib.socioambiental.org/pt/povo/javae..
  • SIL 2009: Lewis, M. Paul (ed.), 2009. Ethnologue: Languages of the World, Sixteenth edition. Dallas, Tex.: SIL International. www.ethnologue.com/.
  • SCHLLEE, Andrey Rosenthal e VALE, Marília Maria Brasileiro Teixeira, 2010, Settlements for the Indigenous Population in Portuguese America, Éditeur : INHA http://inha.revues.org.