Karapanã–Muteamasa (Colômbia)

David J. Phillips

Autodenominação: Muteamasa, Ukopinõpõna (Calabzar 2006.44).

Outros Nomes: Mextã, Carapanã, M*u*teamasa, *U*kopinôpôna (DAI/AMTB 2010). Carapanã é o nome regional dos mosquitos anopheles da ordem Diptera, família Culcidae. Karapanã em Nheengatu significa ‘pequeno corujo noturno’, que se refere ao mosquito. Carapana-Tapuya, Karapaná, Karapanã, Karapano, Mextã, Mi tea, Mocha, Moxdoa, Muxtea (SIL).

População: Brasil: 63, Colômbia: 412 (DAI/AMTB 2010), 42 no Brasil (Equipe 2002). Colômbia: 600 Brasil:42 (SIL 1990); 200 (Metzger 1973.71).

Localização: Na Colômbia no Departamento Vaupés, no Cano Ti, afluente do médio rio Vaupés, no alto rios Papurí e Pirá-Paraná e no rio Vaupés (Metzger 1973.71). No Estado do Amazonas, Brasil, em três Terras Indígenas:

T. I. Méria, AM, de 585 ha a oeste da cidade de Alvarães, no rio Solimões, homologada e registrada no CRI e SPU, com 68 indígenas dos Karapanã, Miranha, Mura e Witoto (FUNAI 2011).

T. I. Matratu, AM, de 13.199 ha a sudeste da cidade de Uarini, à margem direita do rio Solimões, homologada e registrada no CRI e na SPU, com 126 dos Karapanã, Miranha, Mura e Witoto (FUNAI 2011).

T. I. Alto Rio Negro, AM, de 7.999.380 ha na fronteira com a Colômbia atravessada pelos rios Uaupés, Cubate e Içana com 26.046 indígenas (SIASI/SESAI 2013).

Língua: Karapanã da família linguística Tukano Oriental, que engloba pelo menos 16 línguas, mas o Tukano é usado como língua franca. Estima-se que cerca de 20.000 pessoas falam o Tukano. Os povos vizinhos, os Tatuyos e os Waimahas falam a mesma língua (SIL). Nível de alfabetismo 50% em Karapanã e 5% no espanhol. Um dicionário e gramatica produzidos entre 1992 e 2012 (SIL).

História: Os primeiros conquistadores da região do rio Vaupés da Colômbia foram Hernán Pérez de Quesada em 1538 e Philip von Hutten em 1541. Eles subiram o rio Orinoco do litoral atlântico a procura do El Dorado e descobriram o rio Vaupés. Os povos indígenas do alto rio Negro travaram seu primeiro contato pelo comércio intertribal dos artigos europeus. Os portugueses penetraram a região a busca de escravos (Cabalazar 2006.73). No século seguinte vieram os jesuítas em 1657 e os carmelitas em 1695. A região do rio Vaupés foi penetrada a partir de 1880 por missionários franciscanos vindo do Brasil. Concentraram os indígenas em aldeias de aproximado 2.000 pessoas. Houve revoltas dos índios entre 1910 e 1920. Ao mesmo tempo houve a expansão da extração da borracha, que resultou na exterminação da maioria dos indígenas. Em 1910 um decreto separou a região e estabeleceu La Comisaria del Vaupés. Na década depois padres monfortianos trabalharam na região, seguidos em 1943 por missionários protestantes.

Entre eles veio a norte-americana Sophie Muller em 1944 da Missão Novas Tribos que vivia entre os índios na região do Vaupés. Ela encontrou com Wesley Driver da WEC (Missão Amem no Brasil) que trabalhou entre os Cubeo e ele indicou a Sophie os Curipaco como um povo não alcançado com o evangelho. Ela aprendeu a língua dos Piapoco e depois dos Cubeo. Depois ela fez duas viagens no Brasil para evangelizar os Baniwa. Em 1965 ela estava distribuindo exemplares de traduções nas línguas Curipaco, Punave, Piapoco e Guahibo e traduzindo no Cubeo, Cuiva, Sálva, Tucana, Siriano, Tatya e Karapanã. Também publicou um livro de alfabetização e os indígenas aprenderam ler. Iniciou 28 Conferencias da Bíblia, visitava as igrejas, e treinou pastores indígenas locais em 300 congregações (Rausch sem data). Entre 1969 e 1970 os índios resistiram os seringalistas pelo apoio dos missionários para terminar sua exploração. Os guerrilheiros das FARC dominaram a região nos anos 70. O Departamento de Vaupés foi criado somente em 1991 com a constituição colombiana daquele ano.

Estilo da Vida: As 17 etnias que vivem às margens do rio Uaupés e seus afluentes e na bacia do rio Apapóris, afluente do Japura formam uma grande rede de trocas, que incluem casamentos, rituais e comércio. Os Karapanã vivem no Caño Ti, afluente do alto Vaupés e alto rio Papuri na Colômbia e dispersos no povoados do Tiquié e rio Negro (Calabzar 2006.44). No passado todos os povos Tukano moravam em malocas de muitas famílias nucleares. Hoje preferem casas do tipo regional. Cada povo tem direitos sobre um território específico. As mulheres são trocadas em casamento e por isso a família é bilíngue, sua língua sendo aprendida pelos filhos, mas privilegiando a língua paterna nas conversas cotidianas (Hugh-Jones 2003).

Os Karapanã têm uma vida sedentária baseada na agricultura. Vivem principalmente da pesca e a agricultura de coivara, especialmente cultivando a mandioca ‘brava’, mas também caçam e fazem coleta na floresta. As mulheres usam a mandioca para fazer casava, farinha e bebidas fermentadas. O único animal domestico que a maioria dos Karapanã cria são galinhas (Metzgar 1973.84).

Antigamente moravam em malocas rectangulares e orientados no sentido oeste e leste, cobertas de palha de duas águas com uma altura de 8 metros. O telhado era suportado por pelo menos quatro esteios que formavam um rectângulo no centro no chão. O telhado desce até um metro do chão. As paredes laterais e dos estremos são cobertos de palha. A maioria das casas tem piso de terra. As casas duram uns cinco anos e às vezes são abandonadas quando a comunidade se muda para outra localidade. Hoje em dia vivem em casas com telhado de quatro águas para cada família nuclear. Os Karapanã dormem em redes (Metzger 1973.72s). Usam canoas de diversos tamanhos, de 8 metros de comprimento ou mais. Para caçar usam arco e flecha e zarabatana de dois ou três metros de comprimento com dardos venenados. Na pesca usam cacuri, timbó e arco e flecha e redes; o timbó é usado mais na estação seca. Hoje em dia é comum usar linha e anzol (Metzger 1973.82, Dulka 1992.61).

Sociedade: Os povos são patrilineares e exogâmicos e os Karapanã tomam suas mulheres das ouras etnias. Os Karapanã tinham oito clãs mas provavelmente apenas quatro exitem hoje (Calabzar 2006.44). Os clãs são ordenados em uma hierarquia, conforme a ordem de nascimento dos ancestrais. Os clãs mais altos são ‘chefes’ e patrocinam os rituais e controlam os ornamentos de dança e as flautas Yurupari. Os clãs no meio especializam de cântico e danças. Os clãs mais baixo são servos e são identificados com os Maku que trabalham nas roças, etc. dos ‘povos do rio’ , ou seja os povos Tukano Orientais. No Brasil os Karapanã perderam muito desta hierarquia dos clãs. La Organización de los Pueblos Indígenas de la Amazonía Colombiana reúne 56 etnias indígenas inclusive os Carapana.

Artesanato: Cada povo entre os Tukano Orientais tem uma especialização. Os Karapanã são considerado ‘os médicos da grande abelha dor rio’. Fabricam cestos, flautas, trombetas.

Religião: Os rituais dos povos Tukano são semelhantes, usam os mesmos instrumentos musicais, embora as palavras e as melodias possam ser diferentes (Hugh-Jones 2003). A maioria dos rituais está centrada em objetos como adorno plumários e as flautas Yurupari, a pintura corporal, cera de abelha, cera de breu resina, tabaco e ayahuasca (capi), que são expressões de entes espirituais. Os pajés organizam as festas e têm influência sobre o grupo. As festas dividam-se em três tipos: caxiris ou festas de cerveja, dabukuris ou intercâmbio cerimonial e os ritos de Yurupari usando as flautas sagradas.

Os caxiris: São festas de cerveja e ocasiões sociais quando a comunidade convida os vizinhos para dançar e beber caxiri. As ocasiões são para marcar um casamento ou a nomeação de uma criança ou agradecer pela ajuda de construir uma nova casa ou derrubar uma nova roça. Eles dançam a noite toda em redor do recipiente de caxiri, que é na forma semelhante a uma canoa. Os convidados e os anfitriões se sentam frente a frente e trocam presentes de coca e charutos, enquanto recitam as suas genealogias em cânticos coletivas. O pajé sopra encantações sobre cuias de tabaco e ayahuasca para pedir proteção aos dançarinos e que eles experimentem uma recordação das viagens dos ancestrais (Hugh-Jones 2003).

Os dabukuris: Os povos do conjunto Tukano Oriental praticam o intercâmbio cerimonial nos dabukuris para reforçar os laços de matrimônio e a finidade. Quando os convidados chegam ao noitecer são tratados como inimigos potenciais pelos seus anfitriões, eles dançam fora da maloca e entram somente de manhã e apresentam suas dádivas, e dançam o dia todo, enquanto os anfitriões fraternizam pouco a pouco. No final comem em uma refeição comunal (Hugh-Jones 2003)

Os Yurupari: Os Karapanã como os outros grupos dos Tukano Oriental, possuem conjuntos de Yurupari, flautas feitas do tronco da palmeira paxiúba, que são consideradas os ossos dos ancestrais e incorporam o seu sopro e canto. O ritual do Yurupari enfatiza a identidade do grupo, os Karapanã (Hugh-Jones 2003).

Os homens tocam as flautas em uma festa particular para eles. As flautas são, escondidas das mulheres e as crianças na beira do rio. Eles têm três tipos de flautas; um chamado ‘papagaio’ de 1.74 metros, outro ‘morcego’ ou ‘pato’ 1.5 metros, e o terceiro, ‘filha da sardinha’. Tocam também tambores tubulares de madeira (Metzger 1973.79).

Acreditam que quando o vento apaga as luzes na casa alguém vai morrer (Dulka 1992.66).

Cosmovisão: Cada povo Tukano tem suas próprias histórias, mas compartilham uma mitologia comum, que explica a origem do cosmo, e a vinda dos povos do ‘lago de leite’ no extremo leste para subir os rios Negro e Uaupés na anaconda-ancestral mítica e desembarcar em seu lugares. Durante a viagem os ocupantes se transformaram de adornos plumários em seres humanos. Quando a cobra chegou a cachoeira de Ipanoré no rio Uaupés, os povos saíram de uma rocha e dispersaram-se par a seus territórios. Antigamente a maloca representava o universo conforme os mitos.

Comentário: Ronald G. e Lois Metzger (SIL) trabalharam na língua, começando no ano 1967. Produziram com outros obreiros uma gramática popular, um dicionário de mil palavras, um livro de hinos e coros e um livro sobre os animais na selva.

Os evangélicos entre os Cubéo levaram o evangelho para seus vizinhos, os Carapanã, no rio Vaupés, na Colômbia. Em 1975 Ed e Doreen Dulka (WEC) levaram sua família para viver entre os Carapanã no Cano Ti, e foram bem recebidos na aldeia Pamopetá pelo cacique que já era evangélico. Toda a comunidade vivem em uma maloca. A família construíram uma casa ao lado, e participaram na vida dos índios, abrindo uma roça própria. Organizaram cultos e estudos bíblicos e muitas pessoas responderam e deram um curso de alfabetização. Com o filho do cacique visitaram outras aldeias dos Carapanã. Durante a ausência dos Dulka os índios ficaram envolvidos na produção de coca e tornaram-se dependentes do regatão trocando coca pelos artigos industriais, e abandonaram sua agricultura. Na volta dos missionários eles desistiram plantar coca e voltaram para o evangelho e a subsistência indígena. Uma conferencia cristã em uma aldeia Cubeo entusiasmou os Carapanã para melhorarem aspectos da sua aldeia e construíram um templo para os cultos e as aulas de alfabetização e os indígenas de outras aldeias assistiram os cultos. Depois oito anos de ministério chegaram na região os guerrilheiros das FARC e ameaçaram as família Dulka. Enquanto os guardas se retiram por algumas horas, a família escapou se escondendo no mato e desceram o rio Vaupés até Mitú, conseguindo passar o acampamento dos guerrilheiros à noite em uma canoa (Dulka 1992).

Bibliografia:

  • CABALZAR, Alosio, 2006, (redator) Povos Indígenas do Rio Negro, uma introdução à diversidade socioambiental do noroeste da Amazônia brasileira, São Gabriel da Cachoeira/ São Paulo: FIORN-ISA.
  • DAI/AMTB 2010, ‘Relatório 2010 – Etnias Indígenahttp://is do Brasil’, Organizador: Ronaldo Lidório, Instituto Antropos –instituto.antropos.com.br/
  • DULKA, Ed e Doreen, 1992, Columbian Jungle Escape, Fort Washington, PA, USA:CLC.
  • EQUIPE do Programa do Rio Negro, 2002, ‘Karapanã’, Povos Indígenas do Brasil, Instituto Socioambiental, São Paulo. http://pib.socioambiental.org/pt/povo/karapana/
  • HEMMING, John, 1987, Amazon Frontier-The Defeat of the Brazilian Indians, London: Pan Macmillan.
  • HEMMING, John, 2003, Die If You Must – Brazilian Indians in the Twentieth Century, London; Pan Macmillan.
  • HUGH-JONES, Stephan, 2003, ‘Karapanã’, Povos Indígenas do Brasil, Instituto Socioambiental, São Paulo. http://pib.socioambiental.org/pt/povo/karapana/
  • METZGER, Ronald, 1973, ‘Carapana’ 5, in Aspectos de la Cultura Material de Grupos Etnicos de Colombia, Lomalinda, Meta, Colômbia: Editorial Townsend.
  • RAUSCH, Jane M., ‘The Controversial Carreer of Sophie Muller (1910-1995): An Assessment of her Influence as Protestante Evangelist on Colombia’s Far Eastern Frontier’, Revista da Associanción de Colombianistas, Bogotá.
  • SIL 2015, Lewis, M. Paul, Gary F. Simons, and Charles D. Fennig (eds.). 2014. Ethnologue: Languages of the World, Eighteenth edition. Dallas, Texas: SIL International. Online version: http://www.ethnologue.com