Kuikuro – Lahatuá Ótomo

David J Phillips

Autodenominação: Os Kuikuro se autodenominam conforme onde vivem entre as três aldeias e significa ‘donos de …’ (ótomo): Ipatse ótomo, Ahukugi ótomo e Lahatuá ótomo. A aldeia original era Lahatuá abandonada depois a epidemia de sarampo de 1954, e os velhos ainda se identificam com este nome (Franchetto 2004).

Outros Nomes: Kuikuru (DAI-AMTB 2010).

População: 400 (DAI-AMTB 2010), 522 (IPEAX 2011), 510 (FUNASA 2006).

Localização: Mato Grosso, no Parque Indígena do Xingu, MT, de 2.642.004 ha, homologada e registrada no CRI e SPU, com 5.982 indígenas (SIASI/SESAI 2012).

Língua: Kuikuru (DAI-AMTB 2010) ou Kuikúro-Kalapálo (SIL). Família linguística Carib, amazônia sulista, Bakairá.

História: Os povos aruak chegaram nas cabeceiras do rio Xingu acerca de 1000 anos d.C. e começaram o padrão cultural de aldeias circulares com uma praça central e uma indústria cerâmica distintiva. No fim do século XIV as aldeias eram grandes alcançando entre 20 e 50 hectares para abrigar mil pessoas. Os povos carib chegaram na região do leste na primeira metade do século XVIII, e encontraram os aruak a oeste do rio Culuene. Os povos tupi entraram depois. Em meados do século XVIII alguns grupos carib atravessaram o rio Culuene, deslocando para mais oeste e norte os povos aruak que lá estavam (Franchetto 2004).

As cabeceiras do rio Xingu eram ainda uma região desconhecida no princípio do século XX. É singular em ter um grupo de nações indígenas de diversas línguas que viviam juntos em relativa harmonia. Pelos muitos contatos interétnicos aspectos de suas culturas são semelhantes. Há os povos aruak Mehinaku, Yawalalapiti e Waurá; os tupi Aweti e Kamayurá; e também os povos carib Bakairi, Nahukuá, Kalapalo e Kuikaro Hemming 1987.403). Os Kuikaro era um grupo que se separou dos outros povos carib, os Matipu (Wagihütü ótomo), que viviam nos campos no alto rio Buriti em meados dos século XIX. Os Kuikuro tinham sucessivas aldeias às margens entre os rios Buriti, Culuene e Curisevo, as que eram grandes. A primeira aldeia os Kuikuro habitava era chamada Kuhikugu, ou ‘kuhi verdadeiro’, à beira de uma lagoa com muitos peixes kuhi (Potamorraphis Belonidae) ou peixe-agulha (Franchetto 2004).

Os Kuikuro têm uma tradição de relatar sua história por discursos cantados pelos seus chefes, eles contam como eles mesmos amansaram os brancos, transformando a violência de antes em dando presentes. Antigamente eles brocavam suas roças com machados armados com pontas de dentes de piranha. As ferramentas de aço transformaram suas vidas (Hemming 2003.77). Em 1884 Karl von den Steinen observou que os aruak Kustenaú, agora extintos, usavam redes de fibro de buriti, indicando que os Aruak tinham migrado dos Guines e subido o rio Xingu. Steinen chegou à aldeias dos Nahukuá mas ele não podia visitar seus vizinhos os Kuikaro, que ainda contam a história da sua visita. Eles o chamou de ‘Kálusi’, e os índios colocaram os presentes que Kálsui deu, no meio da aldeia para ser distribuídos, facas, machados, anzóis para os homens, contas de vidro para as mulheres. Steinen tinha dificuldade em descobrir o nome e os chamou de Guikuru ou Puikuru ou Cuicuti (Franchetto 2004). Infelizmente os contatos com Kálusi e os Bakairi para mais presentes trouxe a tossi e muitos Kuikuro morreram (Hemming 1987.415). As autoridades em Cuiabá tentaram dissuadir o alemão Max Schmidt a fazer uma expedição a terra com apenas cinco Bakairi assimilados. Foram bem recebidos nas aldeias dos Bakairi. Os Nahukuá roubaram sua bagagem e os Aweti o trataram pior, os porteiros desapareceram com a bagagem. Schmidt e os Bakairi recuaram armados para sua canoa e fugiram rio abaixo até eles alcançaram o rio Culiseu depois seis semana saiu da região em farrapos e sofrendo de malária (Hemming 1987.414).

Em 1946 os irmãos Villas Boas estavam na expedição para estabelecer pistas de pousa de emergência em linha na região do Xingu, por causa da pouca autonomia dos aviões da época. Encontraram primeiro os Kalapalo. Enquanto ele visitavam a aldeia dos Kalapalo vieram um grupo de Kuikuro liderado por seu chefe Afukaká. Infelizmente esta visita resultou em uma epidemia de gripe que matou muitos dos Kalapalo e dos Kuikaro (Hemming 2003.134). Os Villas Boas tinham contato com os Caribe Yawalipiti que perderam muitos pelas epidemias, e os sobreviventes eram amparados pelos Kuikaro. Eles persuadiram os Yawalipiti estabelecer sua aldeia de novo (Hemming 2003.137).

Na década 50 uma epidemia de sarampo passou pela região e muitos morreram tanto da doença quanto das complicações como disenteria e pneumonia. A situação melhorou quando voluntários da Escola Médica de São Paulo vistaram anualmente a região (Hemming 2003.155). Os grupos carib dos rios Culiseu e Culuene, Kalapalo, Kuikuro, Matipu e Nakukwá, foram obrigados a se transferir para próximo do Posto Leonardo e depender da assistência médica do Posto. Mas graças as campanhas de vacinação os povos começaram a recuperar suas populações durante a década 60, e se organizar para reocupar seus territórios tradicionais. Outro sinal da recuperação era a formação de novas aldeias. Somente em 1971 foram estes territórios incorporados no Parque Indígena Xingu (Franchetto 2004).

Estilo da Vida: As aldeias são circulares com malocas de base ovalada em redor de uma praça central. As roças seguem um padrão rotativo do uso da terra. Plantam 46 variedades de mandioca, batata doce, milho, algodão, pimenta, tabaco, urucum, pequi, banana, melancias, mamões e limões. Pesca é mais importante do que caça, e usam arco e flecha, matapi, etc e tinguijada. Caçam poucos animais como macacos e aves (Franchetto 2004).

Sociedade: A unidade social é a família nuclear e pode se estender com os casamentos das filhas, a regra de residencia sendo uxorilocal. A descendência é bilateral e a herança pode chefia, nomes é também bilateral. Os primos paralelos são tratados como irmãos e o casamento preferido é com primos cruzados.

Os Kuikuro praticam um complexo sistema de diversos ‘donos’ ou ‘chefes’ (oto) e mulheres podem se chefes. Os chefes e suas famílias se constituem uma classe elite na sociedade. Há o ‘dono da aldeia’, o ‘dono da praça’ e o ‘dono do caminho’. Pessoas conseguem a posição por um aspecto de descendência bilateral e sobretudo por seu prestígio individual em ser generoso, sua habilidade de liderança, e seu conhecimento e contribuição nos rituais. As casas, as roças, os pequizais e cada festa têm seus donos (Franchetto 2004).

Artesanato: Confeccionam bancos, esteiras, cestos e adornos plumários. Fabricam colares e cintos de caramujo de terra. O artesanato é comerciado para comprar os artigos industriais de fora.

Religião: Cada festa tem seu dono que tem os recursos de organizar o alimento o o trabalho coletivo para a realizar. Nos rituais mascaras representam os seres sobrenaturais perigosos, os itseke. Os cânticos das festas são em parte língua carib e em língua aruak. Os Kuikaro usam também remédios para curar.

Cosmovisão: Os Kuikaro possuem um grande conhecimento das estrelas e projetam no céu as personagens míticas nas constelações. Giti (Sol) é o herói criador junto com seu gêmeo Aulukuma (Lua). Mas não eram os primeiros seres, pois seus antepassados são os demiurgos que são os descendentes de um casamento entre o Morcego e uma arvore. Há um céu, cujo dono é o urubu bicéfalo onde os mortos e os itseke vivem em aldeias (Franchetto 2004).

O tempo da criação é ainda o tempo no qual todas as criaturas falavam e os humanos viviam entre os itseke, seres sobrenaturais perigosos que vivem nas águas e na floresta. Eles causam a doença e a morte e podem se transformar em humanos ou animais. Tanto animais quanto coisas têm uma existência atual e uma outra que é monstruosa. Os pajés (hüati) podem usar os itseke com espíritos auxiliares em realizar curas, visões e viagens cósmicas. Os pajés cobram altos preços para diagnosticar as causas de doenças, mortes, e desastres naturais (Franchetto 2004).

Comentário: A Missão ALEM trabalha com este povo.

Bibliografia:

  • DAI-AMTB 2010, ‘Relatório 2010 – Etnias Indígenas do Brasil’, Organizador: Ronaldo Lidório, Instituto Antropos instituto.antropos.com.br
  • FRANCETTO, Bruna, 2004, ‘Kuikaro’, Povos Indígenas do Brasil, Instituto Socioambiental, São Paulo. pib.socioambiental.org/pt/povo/kuikaro.
  • HEMMING, John, 1987, Amazon Frontier-The Defeat of the Brazilian Indians, London: Pan Macmillan.
  • HEMMING, John, 2003, Die If You Must – Brazilian Indians in the Twentieth Century, London; Pan Macmillan.
  • SIL 2014, Lewis, M Paul, Gary F Simons, and Charles D. Fennig (eds) 2014. Ethnologue: Languages of the World, 17th edition. Dallas, Texas: SIL International. Online version: www.ethnologue.com