Mura

David J. Phillips

Autodenominação: Mura. O termo ‘caboclo’ tem uma significação negativa, mas hoje é usado pelos Mura para significar ‘índio misturado’, com referencia a miscigenação com ribeirinhos nordestinos e outros não índios através de casamentos, a maioria das vezes, com mulheres mura (Amoroso 2009).

Outros Nomes:

População: 9.299 (DAI/AMTB 2010), 15.713 (FUNASA 2010).

Localização: Nos rios Madeira, Amazonas e Purus. Vivem em 41 Terras Indígenas no Estado do Amazonas e nas cidades de Manaus, Autazes, Borba e nos outros centros municípios (Amoroso 2009). Na região interflúvia dos rios Madeira e Purus e no rio Solimões. As Terras Indígenas estão situadas nos municípios de Alvarães, Anori/Beruri, Autazes, Borba, Careiro da Várzea, Novo Aripuanã, Itacoatiara, Manaquiri, Manicoré e Uarini; no Amazonas. No rio Urubu, na margem esquerda do Amazonas, existem onze comunidades e muitos assentimentos familiares dos Mura.

Língua: Português (DAI/AMTB 2010). Os Mura falavam sua própria língua até o início do século XX, depois passaram a usar a Língua Geral com os regionais, e agora falam o português (Amoroso 2009). A Língua Geral é ainda falada entre os Mura no ambiente doméstico, mas não com estranhos. A língua Mura é da família linguística menor do sul do Amazonas (Pequeno 2006.133). Somente os Mura Pirahã a falam um dialeto dela língua Mura.

História: No século XVII os Mura tinham migrados da fronteira com Peru e desceram o rio Solimões para um número de regiões penetradas por igarapés, paranás e lagos nos rios Japurá, Madeira, Negro e Trombetas. Nestas regiões as populações indígenas já eram fragilizadas e diminuídas pelas expedições de ‘regate’ para escravizar os índios e levá-los ao leste para trabalhar nas plantações ou na extração de castanha e látex (Amoroso 2009). No espácio criado entre as tribos enfraquecidas os dois povos, os Munduruku e os Mura pelejaram para o domínio dos rios do lado direito do médio rio Amazonas. Os Mura já tinham experimentado a traição de um português que atraiu alguns deles a bordo sua embarcação e depois levou um número deles cativos. A primeira menção deles foi em uma carta do jesuíta Bartolomeu Rodrigues da missão entre os Tupinambaranas no rio Madeira. A aldeia da missão foi atacada e por consequência mudou para o lugar que é a cidade de Borba hoje no baixo Madeira em 1744, mas os Mura investiram contra esta nova aldeia com facilidade (Pequeno 2006.138).

E em 1749 uma expedição portuguesa que abriu o caminho para Mato Grosso subindo rio Madeira, repeliu os Mura com armas de fogo. Depois isso os Mura sempre usavam emboscadas ou ataques de surpresa contra as invasões dos brancos, usando os caminhos fluviais para se esconder e escapar (Hemming 1995.20).

Nos séculos XVII a XIX, apesar de terem sofrido ataques dos colonos, os Mura continuavam a viver escondidos em um vasto território da rede de águas dos rios Madeira, Solimões e Purus (Amoroso 2009). Eram chamados ‘gentios ou índios de corso’, ou ‘corsários do caminho fluvial’, por causa da seu estilo de vida nômade. Eram considerados ‘feroz e impossível de civilizar’. Usavam arcos compridos de doze palmas e flechas do mesmo tamanho e atiravam deitados usando as pernas (Pequeno 2006.142). Faziam das canoas suas casas em viagens de atacar ou emboscar e depois sumir, para se esconder nos igarapés,e lagos e igapó dos rios. Não plantavam, não tinham aldeias ou teciam.

Os Mura mantinham ‘guerra contínua contra do brancos’ especialmente as missões dos Jesuítas, e tentativas de criar tartarugas no Solimões e perto da Barra do Rio Negro (hoje Manaus) eram abandonadas. Os assentimentos coloniais no médio rio Amazônia temiam os assaltos rápidos dos Mura, e os portugueses recearam que a colonização da região fosse reduzida a nada. Os Mura vieram dos seus esconderijos nos lagos e os Munduruku avançavam do sul descendo o rio Tapajós para atacar (Hemming 1995.21).

Continuavam a atacar as embarcações no rio Madeira, pelas quais a coroa portuguesa abriu um caminho para Mato Grosso em 1753, especialmente depois da descoberta das minas de ouro (Pequeno 2006.143, 145). Atacaram também os índios que colaboraram com os brancos, especialmente os fazendo coleta no mato. Receberam os ‘ladinos’, os índios fugidos das aldeias de trabalho forçado e os negros dos quilombos, ciganos e outros, que provocou a hostilidade dos colonos ainda mais (Pequeno 2006.137). Na época os Mura sofreram epídemas de sarampo e varíola. Estes fatores causaram a dispersão dos Mura por todos os afluentes do Amazonas até nos Solimões nos rios Japurá e Negro (Pequeno 2006.138).

Em 1737 os colonos tiveram pedido permissão para levantar uma ‘guerra justa’ contra os Muro, que foi recusada por rei João VI (Pequeno 2006.135). Mas depois três anos de ataques portugueses grupos dos Mura renderam em 1784, em Tefé, Alvarães, Borba e no baixo Japurá e eles prometeram fornecer produtos do mato e sete aldeamentos eram estabelecidos por eles (Pequeno 2006.147). Também eles eram derrotados pelos Munduruku do rio Tapajós em 1788. Estes fizeram as pazes com os brancos em 1803.

Mas no século XIX a violência rompeu de novo quando os Mura tornaram aliados dos Cabanos, porque encararam na Cabanagem uma oportunidade de recuperar algo da sua liberdade. Depois a derrota dos Cabanos a repressão dos Mura foi terrível e a sua população foi reduzida a poucos milhares. O governador do Rio Branco (Roraima), ‘Bararoá’, seu nome de guerra, matou sistematicamente os prisoneiros rebeldes. Ele penetrou os lagos do Madeira e em 6 de agosto 1838, foi emboscado pelos Mura e foi preso e torturado até morto (Hemming 1995.225). O resultado é que os Mura continuavam a atacar viajantes e missões.

Na segunda metade do século XIX os Mura concentram-se no vale do rio Madeira em vinte aldeias com uma população de apenas 1.300 em oito aldeias (Pequeno 2006.149). Os remanescentes era desprezados pelos brancos e pretos (Hemming 1995.235). Em 1926 os Muras tiveram o total de 1.400 ou 1.600 pessoas em 23 aldeias nos rios Madeira, Manicoré, Autaz, Purus e Urubu. O SPI forneceu gêneros de produção agrícola, artigos industriais e iniciou a demarcação de territórios, a comercialização da castanha e da pecuária (Pequeno 2006.151). O Núcleo de Pesquisas em Ciências Humanas e Sociais (NPCHS) do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) começou, a partir de 2003, a realizar um levantamento das condições de vida da população Mura do município de Autazes. O projeto é denominado “Os Mura: Culturas, Técnicas, Educação e Sustentabilidade para a Amazônia”, com o objetivo de apresentar possibilidades de autossustentabilidade destas comunidades e fornecer diretrizes para a gestão dos recursos naturais e territoriais (INPA 2006).

Estilo da Vida: Antigamente os Mura viviam espalhados em grupos de famílias nucleares pela vasta área dos lagos e igarapés do rio Madeira. Hoje em dia estão concentrados em aldeias pela atuação do SPI na primeira parte do século XX. As aldeias contemporâneas consistem de menos de trinta casas na terra alta aos lados dos lagos. As famílias podem mudar de lugar até dez vezes durante a vida. Um grupo de casas consiste de uma família em torno das mulheres mais velhas. A mobilidade dos Muras é conforme redes de parentesco e acordos sobre o aproveitamento dos recursos das terras e estendem até os parentes que moram nas cidades do rio Madeira (Amoroso 2009).

São pescadores e caçadores hábeis. Os homens caçam ou tiram a madeira da mata e abrem as roças ou ampliam as plantações, enquanto as mulheres cuidam das plantações e fornecem o peixe. As roças são trocadas dois em dois anos. Plantam principalmente mandioca, macaxeira, banana, jerimum, mamão, batata-doce, cana-de-açúcar e cará. A base alimentar é a pescada e é feita por anzol, flecha e zagaia. Algum pirarucu é salgado e destinado a venda. Toda a comunidade participa da colheita de castanha do Pará. Colhem muitos frutos da floresta e plantam muitos perto das casas (Amoroso 2009).

Sociedade: A sociedade Mura é baseada em famílias extensas matrilocais. Antigamente o casamento geralmente era realizado com a prima cruzada e nesta ocasião, o homem simulava o rapto da mulher. Há um alto grau de miscigenação com a população regional, porém os Mura são ainda predominantemente indígena (82%), mas têm uma mistura de Africanos (11%) e Caucasoides (7%) (Salzano 1990). Este processo envolve a inclusão do grupo de pessoas que não possuíam descendência Mura e é conhecido como ‘murificação’ (Pequeno 2006.134). Os Mura Pirahã são os únicos para manter sua língua.

Artesanato: Vendam farinha, madeira e palha nas cidades e participam com tripulantes dos barcos nos empreendimentos de pesca e ecoturismo.

Religião: Os Mura professam de ser 100% Cristão e 10% são evangélicos.

Cosmovisão:

Comentário: Porções da Bíblia produzidas na língua em 1987 mas usam a Bíblia portuguesa.

Bibliografia:

  • AMOROSO, Maria, 2009, ‘Mura’, Povos Indígenas do Brasil, Instituto Socioambiental, São Paulo, SP, Brasil. pib.socioambiental.org/pt/povo/mura.
  • DAI/AMTB 2010, ‘Relatório 2010 – Etnias Indígenas do Brasil’, Organizador: Ronaldo Lidório, Instituto Antropos –instituto.antropos.com.br.
  • HEMMING, John, 1995, Amazon Frontier; The Defeat of the Brazilian Indians, London: Pan Macmillan.
  • PEQUENO, Eliane S. S. 2006. “Mura, guardiães do caminho fluvial”. Revista de Estudos e Pesquisas, FUNAI, Brasília, v. 3, n.1/2, jul./dez. Pp. 133-155.
  • SALZANO, FM. et al. 1990,’Reconstructing history: the Amazonian Mura Indians’., Human Biology, Wayne University Press, USA, Oct 62 (5) pg. 619-635. Os autores são de Departamento de Genética, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.
  • SIL 2009, Lewis, M. Paul (ed.),. Ethnologue: Languages of the World, Sixteenth edition. Dallas, Tex.: SIL International. Online version www.ethnologue.com.