Baré

David J Phillips

Autodenominação: Há dois opiniões sobre a origem do nome Baré: ele significa ‘companheiro’ ou poderia derivar de ‘bari’ que significa ‘homens brancos’.

Outros Nomes: Arihini, Barauana, Barauna, Barawana, Cunipusana, Ihini, Maldavaca, Mitua, Yavita (SIL). Hanera (Meira 2002).

População: Brasil: 2900, Venezuela: 1.210 (DAI-AMTB 2010). 140 sítios ou comunidades no alto Rio Negro entre a foz do Rio Uaupés e Rio Xié. No Brasil: Baré 10.275 (2007), 2.790 (1998)! Na Venezuela: 2001 2.815. Na Colômbia: 100 (Gourevitch 2011).

Localização:
Vivem ao longo do alto Rio Negro e seu afluente o Rio Xié (Meira 2002). Hoje se encontram na fronteiras do Brasil e da Venezuela e da Colômbia, no altos Rios Negro e Cassiquiare e no Rio Xié. Hoje encontram-se com Baniwa, Curipaco e Yanomami.
No Brasil: 183 comunidades no Rio Negro, baixo rio Içana, baixo Rio Xié, e na cidade de São Gabriel da Cachoeira. Ainda existem comunidades inteiras dos Baré. Até a década 30 da cidade de San Carlos de Rio Negro era habitada quase totalmente pelo Baré, hoje mais Yanomami e Baniwa. Vivem nas Terra Indígenas:

  • T I Alto Rio Negro, AM, Homologada e registrada no CRI e SPU de 7.999.380 ha com uma população de 26.046 (SIASI 2013) de 16 etnias.
  • T I Médio Rio Negro I: Homologada e registrada de 1.776.140ha com população: 2.480 de 11 etnias.
  • T I Médio Rio Négro II: Homologada etc. de 316.194ha com 1.083 indígenas de nove etnias.
  • T I Rio Tea: Homologada e registrada no CRI e SPU, de 411.865 ha com Baré, Desana, Nadëb, Pira-tapuya e Tukano, total 338 (FUNASA 2007).
  • T I Balaio: Homologada etc. de 257.281ha com 350 indivíduos de nove etnias.
  • T I Baixo Rio Negro: Em identificação com três etnias, área e população ainda não definida.
  • T I Cué-cué/Marabitanas: Declarada de 808.645ha com nove povos, população: 1.864 (GT/FUNAI 2010).
  • T I Aldeia Beija Flor, de 41ha Dominial Indígena com Baré e nove outras etnias.
  • Uma Terra Indígena está demarcada e outra está identificada, em processo de reconhecimento. Hoje 81% do município de São Gabriel da Cachoeira foram demarcadas (Gourevitch 2011).

Na Venezuela: Nas margens dos Rios Negro, Guaína e em Atabapo e na cidade de Puerto Ayacucho. Os Baré vivem no município Rio Negro, Estado de Amazonas.
Na Colômbia: no alto Rio Negro e no Rio Xié (Gourevitch 2011).

Língua:
Nheengatu, Baré e português (DAI/AMTB 2010). Baré: Não há falantes conhecidos da sua própria língua da família aruak (SIL). A classificação da Baré: Arawak-Maipuran Sententrional. ‘Baré’ é usado para referir às línguas Mandahuaca, Guarequena, Baniwa, Piapoco.

Baré era falada na bacia do Rio Orinoco, Xié, Alto Guainía e alto Atabapo. Na Venezuela na cidade de San Carlos de Río Negro e nas vilas de Solano e Sta Rosa da Amanadona existem Baré idosos que ainda falam Baré. Em Puerto Ayacucho existe um curso na língua. No Brasil há comunidades dividas entre adultos que falam nheengato e as crianças que falam português; em outras todos falam o português (Gourevitch 2011).

História:
As famílias Arawak vieram do sudoeste d Amazônia por volta de 500 a.C. Eram pescadores-coletores e se instalaram nas margens dos rios. Afirmam que vieram da região de Manaus à foz do Rio Negro para fugir dos europeus na segunda metade do século XVIII. O seu território era grande nas margens do médio e alto rio Negro, do rio Cassiquiare, afluente na margem esquerda do Negro na Venezuela, e do alto Rio Orinoco e entre o Rio Cassiquiare e o Rio Mavaca, onde es’tão encontrados petróglifos (Gourevitch 2011).

Os Baré ou bári, para os distinguir dos negros, englobariam vários grupos considerados de ser clãs e não povos distintos como os Mandahuanca, Manaca, Baria, Cunipusana e Pasimonare. Ocuparam em 1500, um território de 165.000 km2. Eram reunidos na fortaleza que atualmente é Manaus e submetidos ao trabalho servil (Dominique Buchillet ISA).

Na primeira metade do século XIX, os indígenas do alto Rio Negro sofreram o começo do extrativismo da borracha e também da piaçava, do puxuri, da sorva e da balata. Os Warekena e os Baré eram envolvidos obrigatoriamente pela violência como as outras etnias. A estrutura social e econômica era vertical com os índios coletores ou produtores estavam na camada mais baixa. Todos eram ‘patrão’ ou ‘fregues’, e o ‘patrão’ com contato com os índios era ‘fregues’ de um outro ‘patrão’ mais em cima da corrente da estrutura (Meia 1996.173). O Presidente da Província do Pará já em 1821 deu instruções para punir os mercadores que maltrataram os ‘gentios’ ou indígenas, mas injustiça do sistema continuava.

A situação na Venezuela da violência contra os indígenas era semelhante. Os índios eram levados aos vícios de embriaguez, a prostituição, os crimes de furto, roubo, homicídio e a escravidão, os pais vendendo seus filhos. Ainda no início do século XX Oswaldo Cruz falou da migração forçada de índios do alto Rio Negro para seringais no baixo Rio Negro. O aspecto sanitário destes indígenas era péssimo, e febres e o beri beri dizimaram muitos. Nimuendajú comentou da escravidão de dívida pela qual os comerciantes os exploraram. Três firmas quase monopolizaram a exploração dos produtos até a década 60 do século XX e outros comerciantes eram seus ‘fregueses’ nos rios da região e responsáveis pela violência e o deslocamento compulsório dos índios. Quando o mercado do produto acabou os indígenas retornaram para seus rios (Meira 1996.175).

Entretanto o sistema de comerciantes ainda atua no Rio Xié e os outros rios da região. Baré e Warekena começaram a trabalhar no extrativismo com quinze anos na segunda metade do século XX. Um regatão da época era ‘Sargento’ Guilherme que transferiu pessoas do Xié para o Rio Padauari, afluente na margem esquerda do médio rio Negro. Todo que foram lá morreram de malária. Ele não pagava direito, os índios recebendo uns poucos artigos industriais em vez do salário prometido. Ele possuía um sítio estrategicamente localizado e proibiu a passagem dos ‘fregueses’ impondo sua vontade pela força das armas (Meira 1996.181).

Os comerciantes apareceriam no rio Negro, tentando os Baré com fósforo, terçados, machados e tecidos para os índios extraírem borracha, castanha, balata, piaçaba e outros produtos silvestres. Passaram a usar a violência levando os homens e mulheres aos seringais, sovais e castanhais nos Rios Branco, Padauiry, Preto e Uacará. Outros eram remadores de canoas grandes descendo de Tawa (São Gabriel da Cachoeira) até Belém do Pará e muitos não voltaram. Chegaram os missionários católicos salesianos que tentaram aldear os índios e instruir seus filhos nas escolas para esquecer sua cultura e língua, falar o português e rezar em latim. Os Baré como uma etnia identificável eram considerados extintos. O povo não se identificou como indígena por vergonha devida à discriminação e mestiçaram com os brancos e até ‘branquear’ como uma estratégia de sobrevivência. Assumiram-se como ‘caboclo’ ou mestiço. Estão reconstituindo sua cultura com os mitos e crenças ’emprestadas’ (Gourevitch 2011).

Estilo da Vida: Os Baré vivem em sítios ou comunidades que compõe-se de um grupo de casas ou moradias construídas de pau-a-pique em redor um grande espaço, muitas vezes que dobra como o campo de futebol, com uma igreja católica ou evangélica, uma escolinha e talvez um posto médico (Meira 2002). As comunidades trabalham de outubro a fevereiro nas suas roças e na caça, pesca e coleta. Depois se deslocam para as barracas de piaçava por dois meses, entre maio a setembro, e cortem e processam a piaçava. A piaçava é entregue aos comerciantes para pagar as ‘dívidas’. A piaçava e o cipó é o recurso principal para dar acesso aos produtos industrializados. Com a queda dos mercados para os produtos extrativos os maiores comerciantes desapareceram e os menores são indígenas e há uma tendencia de vender os produtos diretamente em São Gabriel da Cachoeira (Meira 2002).

Sociedade: 40% da população nas comunidades dos Rio Xié e o alto curso do Rio Negro são Baré. Antigamente, os Índios faziam duas cerimônias kasimájada: uma no verão e outra no inverno, que podiam durar até doze dias. O Kasimájada ou rito de iniciação quase desapareceu. É para os moços e as moças e realizados um no verão e outro na estação das chuvas. Começa com um jejum durante o qual consumiam apenas água, chibe, caribé e vinho de açaí (Euterpe oleracea). Depois eles provam a comida chamada kariamã, feita de muitas especies de peixe e muita pimenta. Comiam-se também carne de caça, frutos selvagens, beiju e farinha de mandioca. Durante a noite anterior o pajé reza e sopra a fumaça do cigarro sobre toda a comida. os iniciantes se flagelam com um chicote feito com cipó ou galhos amarrados com curagua, e nas extremidades eram colocadas espinhas de peixe elétrico. Durante as danças que seguem, os índios pintam o corpo e usam cocares de penas. Hoje alguns dos Baré querem ‘recuperará cultura e fazer de novo os ritos de iniciação (Gourevitch 2011).

Artesanato: Diversas artigos de piaçava.

Religião:
As comunidades de Nazaré, Campinas, Vila Nova e Yoco no Rio Xié são na maioria evangélicas. Realizam-se conferencias de reuniões dos Cristãos para diversos cultos, estudos bíblicos e a fraternização de famílias da região. Há um sincretismo em procurar o curandeiros quando estão doentes. Os salesianos fizeram visitas no Rio Xié desde 1914. A influencia católica é maior em cima da cachoeira de Cumati (Meira 2002).

O dabukuri é uma festa dos Baré como é praticada também pelos demais povos do alto Rio Negro. Era muito praticado pelos Baré até a década 40. Os evangélicos não o praticam mais, sendo substituído pela fraternização do povo e seus visitas nas conferencia bíblicas. É festa dos frutos que envolve a troca de bens entre grupos aliados. É ‘uma festa para dividir os bens entre as famílias.’ Há três sugestões da origem do termos: É palavra baré que significa fruto da árvore normalizador. Ou vem do nheengatu e significa consistência da amizade, ou significa ‘oferenda’ (Gourevitch 2011). Era celebrada por dois dias no verão quando surgia no céu as constelações Plêiade e Orion e começa com um jejum para preparar o dabukuri. Havia três partes da festa, a dos frutos, a do katibíya que é preparado pela mulheres, e depois a dos cabeçudos. Os homens tocam instrumento que representem o Kúwai e todos são chicotados nas costas. Hoje em dia o dabukuri é substituído pela festas dos santo católicos (Gourevitch 2011).

Na maioria das vilas as festas católicas são realizadas sem a presença dos padres. Essas festas também são modificadas pelas regras do Yuruparí que era uma festa quando os homens tocaram as flautas sagras, que as mulheres não eram proibidas ver ou tocar. Hoje, em San Carlos de Rio Negro, as mulheres são proibidas tocar as imagens dos santos senão a da N. Sra. do Carmo. As festas renovam o sentimento dos índios pertencer ao seu grupo. Os Baré insistem que os elementos novos das festas são partes da tradição de ‘há muito tempo’ e as reinvenções são raramente reconhecidas como empréstimos de outras culturas (Gourevitch 2011). Esta capacidade de adaptar a cultura também é vista na adaptação em contar os mitos. Demonstra-se que as crenças e praticas mais antigas não são essenciais à sobrevivência da etnia. Toda cultura se adapta dentro de si às mudanças da sua situação e com as influencias e os empréstimos de fora.

Cosmovisão:
O mito Baré-mira iupirungá conta a origem do povo Baré. No início do mundo viajou um grande navio subindo o Rio Amazonas rio acima, cheio de gente. Quando chegou a foz do Rio Negro um homem que estava sozinho viajava no lado de fora do barco, viu muita gente nas margens e pulou na água e nadou para a margem do rio. Ele foi agarrado por um grupo de mulheres guerreiras. Estas, quando tinha necessidade de ter filho aprisionavam homens de outras tribos e guardavam somente os bebes femininos, matando os machos. As guerreiras chamaram o homem do navio Mira-Boia e pouparam-lhe a vida para gerar filhos de cada uma delas e depois isso seria executado.

Ele gerou filhos até a última mulher, que era uma moça belíssima chamada Tipa. Ela ficou apaixonada por Mira-Boia. O casal fugiu das guerreiras para um lugar perto dos Mura no baixo Rio Negro. Com o passar de 30 anos sua família ficava muita grande. O herói Tupana enviou seu mensageiro Purnaminari quem passou a morar com ele e lhes ensinou a roçar, caçar, pescar e fabricar canoa. Ele organizou o primeiro Dabucuri e os ordenou que voltassem para a terra de Tipa e tomassem as guerreiras como esposas. Assim eles seriam um povo grande e respeitado conhecido por Baré-Mira (povo Baré). Purnaminari voltou diversas vezes para instruir o povo e eles dominaram a região baixo e médio rio Negro. Quando chegaram na Cachoeira de Tawa (São Gabriel da Cachoeira) os dois irmão brigaram e resolveram ficar separado nos dois lados do rio. Desobedeceram às regras de Purnaminari mas o povo Baré tornou-se grande até a chegada dos brancos (O Baré Braz de Oliveira França, administrador-adjunto regional da FUNAI (ISA).

Os encantados (máwalis), no imaginário dos Baré, vivem de baixo d’água nos redemoinhos nos rios em bela cidades como ‘pessoas’. Estes seres podem encantar pessoas que desobedecem os tabus e regras do povo e podem provocar doenças e a morte. As pessoas fazem defumações com breu branco (Protium spp) para se protegerem das ações dos máwalis.

Entre os católicos há mais rezadores que pajés, mas usam pajelança contra os encantados. O mau-olhado é curado pelo rezador. Cada patologia corresponde a um especialista, o pajé, o rezador, o agente comunitário de saúde ou o médico. Em primeiro lugar o indígena doente procura o pajé ou rezador ou o médico conforme o nível de escolaridade da pessoa. Se o primeiro não dá satisfação a pessoa vai para o outro (Gourevitch 2011).

Comentário: A Missão Novas Tribos tem uma base próxima à Vila Nova com quatro missionários. Os Baré têm um representante na Diretoria do COMPLEI.

Bibliografia:

  • CABALZAR, Alosio, 2006, (redator) Povos Indígenas do Rio Negro, uma introdução à diversidade socioambiental do noroeste da Amazônia brasileira, São Gabriel da Cachoeira, São Paulo: FIORN-ISA.
  • DAI/AMTB 2010, ‘Relatório 2010 – Etnias Indígenas do Brasil’, Organizador: Ronaldo Lidório, Instituto Antropos –instituto.antropos.com.br
  • GOUREVITCH, Aparecida, 2011, ‘Os Baré da Venezuela e do Brasil da área indígena e da cidade-ontem e hoje’, Cadernos CERU vol 22, no 1, São Paulo, junho 2011.
  • HEMMING, John, 2003, Die If You Must – Brazilian Indians in the Twentieth Century, London; Pan Macmillan.
  • MEIRA, Márcio, 2002, ‘Baré’, Povos Indígenas do Brasil, Instituto Socioambiental, São Paulo. pib.socioambiental.org/pt/povo/bare
  • SIL 2009, Lewis, M Paul (ed), Ethnologue: Languages of the World, 16th Edition. Dallas, Texas: SIL International. Versão on line: www.ethnologue.com