Bororo – Boe

David J Phillips

Autodenominação: Boe. Outras autodenominações indicam a localização: Bóku Mógorége, quem vive no cerrado; Itúra Mogorége, habitantes das matas, Orari Mógo Dóge, os que vivem das plagas do peixe pintado, Útugo Kúri Dóge, os que usam flechas compridas e Kado Mógorége, habitantes dos taquarais que vivem no Pantanal (Serpa 2001).

Outros Nomes: Bororo significa ‘pátio da aldeia’ com referencia à cultura forte de organização social e cerimonial. Coxiponoconé, Araés, Cuiabá, Coroados, Porrudos, e outros nomes indicando o local habitado (Serpa 2001).

População: 1.392 (DAI-AMTB 2010), 1.686 (SIASI 2012).

Localização: Vivem em seis Terras Indígenas:

  • T I Jarudore, MT, de 4.706 ha reservada/SPI e registrada no CRI e SPU, cortada pelas rodovias MT-458 e MT-363, com um desconhecido número dos Bororo.
  • T I Teresa Cristina, MT, de 34.149 ha banhada pelo rio Vermelho, sudeste do Estado. É declarada em revisão com 506 Bororo (SIASI/SESAI 2013).
  • T I Merure, MT, de 82.301 ha cortada pela BR-070 e com o rio das Garças no sul e a cabeceira do rio das Mortes no norte, homologada e registrada no CRI e SPU, com 524 Bororo (FUNAI 2004).
  • T I Perigara, MT, de 10.740 ha com o rio Vermelho no sul, homologada etc com 96 Bororo (FUNAI 1999).
  • T I Sangradouro/Volta Grande, MT, de 100.280 ha com a BR-70 no sul e o rio Manso ou das Mortes ao norte, homologada etc. com 858 Bororo e Xavante (FUNAI 2004).
  • T I Tadarimana, MT, de 9.785 ha ao sudeste de Rondonópolis, com 452 Bororo (SIASI/SESAI 2013).

Língua: Bororo ou Boe Wadáru da família linguística Macro-Jê. É falada por toda a população com português. Alfabetização em Bororo 10-30% e menos em português. Gramatica e o Novo Testamento traduzido em 1993 (SIL).

História:
O território original do Bororo era grande da Bolívia a oeste até o centro sul de Goias ao leste; e das formadores do rio Xingu ao norte até rio Miranda, afluente do rio Paraguai no Pantanal, Mato Grosso do Sul. Estima-se que o povo tenha habitado este território por pelos menos sete mil anos. O primeiro contato com os Bororo foi pelos jesuítas vindo de Belém, subindo o rio Araguaia e os rios Taquari e São Lourenço. Os Bororo e os Karajá aceitaram os padres pacificamente. O impacto das bandeiras paulistas no século XVIII, procurando o ouro na região de Cuiabá, causou a divisão do povo em Bororo Ocidentais e Bororo Orientais (Serpa 2001). Os Bororo Campanha viviam nos cerrados nas cabeceiras dos rios Jauru e Guaporé e os Bororo Cabaçal ao norte nas margens do rio Cabaçal, juntos formaram os Bororo Ocidentais. Os Orientais se chamaram Orari Mógo Dóge, quem come o surubim pintado, mas os colonos os chamaram Coroado, porque seguraram o cabelo em cima da cabeça e viviam nas florestas entre os rio São Lourenço e Vermelho.

O ouro foi descoberto entre os rios Araguaia e Tocantins e o acampamento dos garimpeiros cresceu na cidade de Cuiabá. Os Kayapó atacaram os garimpeiros e um grupo de Bororo foi usado para derrotá-los. Aldeias de Bororo Coroados foram formadas no rio Araguari em Minas durante a década 40 do século XVIII, para servir de uma defesa contra os Kayapó. Em 1819 Auguste de Saint-Hilare descobriu que estes índios miscigenados com escravos africanos (Hemming 1987.66,115, 150).

Mas o ouro descoberto na região de Cuiabá e Vila Bela, na cabeceira do rio Guaporé, em 1720, trouxe agressão contra os Bororo. Os Bororo Cabaçal interromperam transporte na estrada entre Vila Bela e Cuiabá. Quatro expedições eram montadas contra os Cabaçal entre 1779 e 1796, e em 1797 os índios fizeram as pazes até 1815 e 1818 outras bandeiras os atacaram de novo. Os resultado era que ambos grupos dos Bororo Ocidentais tornaram-se pacíficos, porém os Orientais continuaram implacáveis (Hemming 1987.190-1).

Os Coroado resistiram a exploração da sua região e especialmente a construção da estrada entre Cuiabá e Rio de Janeiro. Expedições em 1829 e 1839 e a construção de fortes em um afluente do São Lourenço apenas enfuriaram os Bororo mais. De novo eles atacaram a estrada em 1849 e o filho do Presidente de Mato Grosso foi morto, e continuaram contra fazendas e engenhos durante vinte anos, matando viajantes e os colonos (Hemming 1987.199). Setenta Terena eram empregados para atacar os Coroado, porém isso provocou ainda mais represálias queimando 43 casas e matando 204 colonos e conseguindo derrotar os soldados enviados contra eles. Então em 1885, Doutor Joaquim Galdino Pimental, Presidente de Mato Grosso, tentou a pacificação por enviar sete mulheres civilizadas com os tropas. As mulheres foram bem recebidas pelos Coroado, que renderam e foram levados a Cuiabá, e o povo da cidade os receberam bem. O alfares Duarte com os tropas estabeleceu o Colonia Militar Tereza Cristina na margem do rio São Lourenço por 200 Bororo, entretanto o regime desmoralizou os índios (Hemming 1987.392). Mas o conflito continuou; 200 Bororo foram venenados por um fazendeiro, e os índios atacaram matando o qualquer branco que encontraram.

Neste momento Major Ernesto Gomes Carneiro, encarregado em construir a linha telegráfica até Cuiabá, escolheu Tenente Cândido Rondon como adjudante. Sua bisavó materna foi Bororo Campanha (Hemming 2003.4). Rondon aprendeu muito da fauna e flora de Carneiro e especialmente sua atitude conciliadora para com os índios, proibindo os regionais atirar nos Bororo. Avançaram a expedição para dentro o território dos Bororo perto do rio das Garças. Uma noite a floresta era cheia dos gritos de animais não noturnos, feitos pelos índios em redor do acampamento, prparando para atacar. Carneiro mandou seus homens recuar para não provocar os índios. Rondon declarou mais tarde que aprendeu amar os índios com Carneiro (Hemming 1987.396ss). Entretanto quando a expedição chegou no Pantanal os Bororo no Pantanal cooperaram com o trabalho da linha telegráfica por um ano, e Rondon aprendeu a falar Bororo (Hemming 2003.6).

Cinco anos depois em 1895 os Salesianos se responsabilizaram-se por Tereza Cristina, ensinando o valor de trabalho por exemplo trabalhando nas roças ao lado dos índios e proibiram a cachaça. Mas os indígenas rebelaram e ameaçaram os padres. Mais tarde os Salesianos estabeleceu uma Missão Santo Cuore e conseguiram persuadir os Bororo desistir seus ataques (Hemming 1987.396ss). Eles organizou as aldeias como vilas regionais, eles destruíram a baito, a casa dos homens, centro da cultura, e proibiram os rituais de passagem dos Bororo. Em 1912 Rondon visitou as Missões dos Salesianos e ordenou a correição de certos abusos, como a separação das crianças dos pais em internatos e proibição as falar sua língua, mandando os índios para trabalhar nas fazendas e a regime rigorosa de forçar a conversão ao Catolicismo (Hemming 2003.43). Em 1910 os Salesianos estenderam sua atuação em todo o território Bororo com 500 índios em quatro missões, mas 1.037 Bororo ainda fora da regime, conforme um estudo por um dos padres (Hemming 2003.236). Frederico Glass, pioneiro missionário protestante, visitou Cuiabá e encontrou com vinte Bororo vivendo nas ruas (Hemming 1987.397).

Em 1827 chegou no Brasil a expedição de Langsdorff, no serviço da Rússia Imperial, aliado do Portugal contra a França. Os artistas da expedição fizeram acurados desenhos dos Bororo na fazenda de Cel. Pereira Leite que travou seis anos de guerra contra os Bororo Campanha dos Ocidentais. Leite capturou 50 e matou 450, mas no fim ganhou a amizade dos índios, e tentou os civilizar (Hemming 1987.195ss). Os Ocidentais sofreram mais bandeiras para ‘puni-los’, porque continuaram ameaçar os brancos. Em 1842, padre José da Silva Fraga de Vila Bela conseguiu fundar uma aldeia ao foz do rio Jauru, mas infelizmente os cerrados do seu território era bons para a criação de gado e muitos Bororo morreram de doenças.

Alguns Cabaçal não se submeteram e a maioria foram mortos e os sobreviventes viviam em Caeté. Os sobreviventes dos Bororo Campanha vivia em uma aldeia perto da fronteira com a Bolívia, cercados por uma fazenda com 30.000 cabeça de gado (Hemming 1987.200). Os Bororo se transformaram em piões excelentes ao lado paraguaianos e brasileiros, cachaça e imoralidade os tornaram em uma comunidade desprivada e depravada, segundo Karl von den Steinen em 1887, e por consequência os fim deste indígenas era extinção. Mas antes disso eles e seus vizinhos, os Paresi e Kabixi tiveram sua vingança contra os remanescentes dos brancos quando a região foi abandonada com o fim do ouro (Hemming 1987.389).

O SPI estabeleceu reservas fora das aldeias dos Salesianos, e muitos voltaram às terras antigas. Porém depois séculos de sofrimento nas mãos dos brancos o desespero levou muitos ao alcoolismo e infanticídio. A única missão Salesiana era Meruri/São Marcos no rio das Mortes e mais tarde no século XX permitiu o baito. Na década 70 a missão foi dirigida por Rodolfo Lukenheim completamente mudou a regime a favor da cultura dos Bororo, fechou os internatos e ensinou a língua indígena. Também a FUNAI expeliu os posseiros e em 1976 começou a demarcação da Terra. Um confronto houve com Padre Rodolfo e uma caravana de carros. Uma briga começou e o padre foi morto e alguns Bororo foram feridos, ninguém foi punido pela crime, mas a demarcação foi feita (Hemming 2003.341).

Estilo da Vida:
Os homens fazem a derrubada, queimada e capinagem das roças e as mulheres ajudam no plantio e na colheita. A roça é plantada por três anos e depois deixado sem plantar por seis anos. Plantam o milho, o arroz, a mandioca e feijão. As mulheres fazem a coleta de frutos do cerrado, mel, coco, ovos dos pássaros e de tartarugas. Os homens caçam e pescam dentro as limitação do seu ambiente.

Os Bororo gostavam de maguru, viajando entre aldeias para trocar tabaco, algodão e artesanato, ou por causa de desentendimentos, durante a estação seca. Os rapazes, antes de tomar seu lugar no baito, viajavam por dois anos para conhecer a extensão do território do povo. O maguru quase terminou depois de contato. No baito os homens cumprem as cerimonias, fabricam artigos de madeira ou osso, e fiar algodão. Seus cocares eram grandes, com viseira de penas do japú e uma diadema alta de penas azuis e vermelhos da cauda de arara. Penas da harpia projetavam do nariz (Hemming 2007.237).

Sociedade:
A unidade social é a aldeia (Boe Ewa) com as casas em círculo, o pátio no meio com a Baito. A parte da praça para as cerimônias (Bororo) é no lado oeste do Baito. A regra de descendência do indivíduo é matrilinear e recebe um nome identificado com a clã da sua mãe. Cada clã ocupa um lugar específico no círculo. Também a aldeia é divida em duas metades exogâmicas chamadas Exerae e Tugarége, e cada uma é divida em quatro clãs, que por sua vez são dividas em uma hierarquia de linhagens. Cada casa abriga duas ou três famílias nucleares, as mulheres sendo da mesma clã e linhagem. Os homens vivem uxorilocais, e por isso são de outro clã, mas o casamento é muito instável, então o homem muda de casa conforme o clã da esposa corrente. Ele considera seu próprio clã e a casa da sua mãe mais importante. Ele transmite seus nomes aos filhos de suas irmãs e não aos seus próprios filhos. Também tem responsabilidade cerimonial por seu clã. Dentro da casa o espácio no meio é reservado para as visitas e o fogo para cozinhar (Serpa 2001).

O programa de Desenvolvimento Agro-Ecológico de Mato Grosso tem garantido alguns recursos para a saúde e a educação das comunidades indígenas como o a formação de professores indígenas (Sarpa 2001).

Artesanato: Os Bororo Orientais eram conhecidos por seu ornamentos plumulários, com acangatares altos.

Religião:
As cerimônias são marcadas pelas estações: da seca Èwure Kowudu, da chuva Kuiada Paru e da mês quando as Plêiades é de baixo do horizonte, Akri-doge.

Os ritos de passagem são o de nominação, iniciação e funeral. No rito de nominação o nenê é introduzido as mulheres do clã do pai e assim é associado a linhagem de seu clã e um herói mítico da sociedade (Serpa 2001).

As cerimonias fúnebres afirmam a cultura e duram por mais de mês. Os rituais funerários são como que formas de reconstrução da sociedade bororo desequilibrada pela morte, por meio de cantos e danças. A partir do momento em que se constata a perda do sopro vital, o rosto do morto é coberto por uma bandeja de palha para que, transformado em aroe (alma), não seja visto por mulheres e crianças. O corpo está enrolado em uma esteira e enterrado em uma cova rasa na praça da aldeia. O chão sobre a cova é regado diariamente para acelerar a decomposição pelos homens da metade oposta a do falecido. De vez em quando abrem a cova para ver a decomposição. A morte é a ação do bope um ser envolvido em todos os processos da criação e é responsável pela decomposição do defunto. A alma (aroe) muda para o corpo de uma onça ou jaguatirica (Hemming 2007. 237). Os Bororo se pintam para representar seus heróis míiticos para reconstituir a sociedade da perda do morto. Os mortos vivem em uma aldeia semelhante à aldeia dos Bororo. Um homem é escolhido para representar a alma nova do morto que dança no ritual. No fim do mês os ossos do morto são enfeitados com penas e urucum (Novaes 2006).

O consumo do milho novo é a ocasião de uma cerimônia de purificação chamada Kuiada Paru (Sarpa 2001).

Cosmovisão: Quando caçam e pescam consideram-se que é os aroe deles que façam a atividade. Os principais aroe ou seres míticos são Bakororo e Itubore. O mais importante é Bakororo, membro do clã Aroroe Cobugiwuge, que cuida do lado ocidental da aldeia dos mortos, é grande e forte e é pintado de listras vermelhas e pretas. Toca uma flauta grande. Itubore é do clã dos Apiborege cebegiwuge e cuida do lado oriental da aldeia dos mortos. Sua pintura corporal tem bordas de penas brancas e ele toca um instrumento feito de três cabaças pintado com listra brancas (Novaes 2006).

Comentário: Keith, Heidi, Tim e Hanna Barkman (SIL) trabalha entre os Bororo.

Bibliografia:

  • DAI-AMTB 2010, ‘Relatório 2010 – Etnias Indígenas do Brasil’, Organizador: Ronaldo Lidório, Instituto Antropos instituto.antropos.com.br
  • HEMMING, John, 1987, Amazon Frontier ــ The Defeat of the Brazilian Indians, London: Pan Macmillan.
  • HEMMING, John, 2003, Die If You Must – Brazilian Indians in the Twentieth Century, London; Pan Macmillan.
  • NOVAES, Sylvia Caiuby, 2006, ‘Funerais entre os Bororo. Imagens da refiguração do mundo’, Revist Antropologica, vol 49 no 1, São Paulo, Jan/June 2006.
  • SERPA, Paulo, 2001, ‘Bororo’, Povos Indígenas do Brasil, Instituto Socioambiental, São Paulo. pib.socioambiental.org/pt/povo/bororo
  • SIL 2013, Lewis, M Paul, Gary F Simons, and Charles D Fennig (eds) 2013. Ethnologue: Languages of the World, 17th edition. Dallas, Texas: SIL International. Online version: www.ethnologue.com