Guajá — Awa-Te

David J. Phillips

Nome próprio: Awa-te que significa gente, povo.

Outros nomes: Awá, Awá Guajá, Ayaya, Wazaizara, Guaxare

População: 100 (FUNAI 1975), 36 (1990), mas estimativa com isolados 226 (Balée 1988), 250-275 (Cormier). 283 (Funasa 2002), 370(2008 AMTB). Provavelmente há outros não contatados para dar um total estimado de 500.

Localização: Nos últimos 150 anos na Serra Tiracambu, no oeste de Maranhão. Em uma área de palmeira babaçu entre dos rios Gurupí e Pindaré, espalhados nas bacias do Alto Rio Pindaré e do Alto Rio Turiaçu; alguns na Serra da Canastra, Tocantins, e no Posto Guamá, Pará. Pelo menos outros seis grupos isolados (SIL). Há números de Guajá nos seguintes Terras Indígenas:

T. I. Alto Rio Guamá: Pará, Homologada e registrada no CRI e SPU, de 279.897 ha com 1.425 Ka’apor, Tembé e Guajá (FUNASA 2006).

T. I. Araibóia: Maranhão, Homologada e registrada no CRI e SPU, de 413.288 ha com 5.317 (FUNASA 2010) de Guajá e Guajajara.

T. I. Caru: de 172.667 ha homologada e registrada com 20 com os Guarajara, total de 136 (FUNAI 2003). No Posto Indígena Awá: 108.

T. I. Alto Turiaçu de 520.525 ha Homologada e registrada, 20 Guajá com os Ka’apor e Tembé, população total: 1.352 (FUNASA 2010).

E espalhados paro o sul no Território Indígena Araribóia 40 no Posto Indígena.

T. I. Awá: Estabelecida entre T. I. Caru e T. I. Alto Turiaçu, homologada e registrada no CRI e SPU com 116.582 ha com 365 Guajá.

Língua:Guajá. Da família linguistica Tupi-Gurani, subgrupos VIII. Não há dialectos conhecidos. Ligados à Guajajára. Os Guajá são limitados em falar português. Vigoroso uso da língua (SIL).

História: A população da Amazônia era maior antes da vinda dos europeus, provavelmente em sociedades organizadas sob grandes caciques. Os Guajá formaram parte de uma das quatro ondas de migração dos Tupi-Guaraní que saíram de Rondônia para o lado sul do rio Amazonas (Cormier 2003); mas Balée pensa que sejam originários do baixo Rio Tocantins, como os Uaya – Ayaya, e ainda moravam em aldeias sedentárias grandes em 1760. Estes povos migraram para o leste, perdendo seu território e deixando de ser horticultores, ou alguns adotaram a cultivação de milho em vez de mandioca, porque milho cresce mais rápido e era mais fácil transportar nas migrações. Os Guajá tornaram-se caçadores e colhedores (Balée 1994:4). Esta mudança foi devida à perda de seu território e falta de oportunidade de estabelecer outro.

Os Jesuítas abriram uma missão na foz do Rio Gurupi acerca de 1640. Os Guajá chegaram no vale do Gurupi acera de 1872. Talvez os Guajá tivessem passado por uma fase de escravidão pelos Portugueses, na qual perderam a habilidade agrícola. Um dos métodos dos traficantes de escravos era na primeira visita erguer um cruzeiro na aldeia, se este caísse antes da sua volta, então toda a população era levada cativa. Uma deidade dos Guajá é chamada Kapitã, possivelmente derivada de ‘capitão’ no tempo de escravidão.

Os regatões começaram subir os rios acerca 1840, e exploraram os índios. Muitas etnias fugiram dos rios por causa das epidemias trazidas pelos europeus ou por causa das doenças tropicais trazidas pelos escravos africanos. A Cabanagem, a revolta na qual negros, índios e mestiços se insurgiram contra a elite política e tomaram o poder no Grão Pará entre 1835-40, deve ter influenciado a vida dos Guajá.

No princípio do século vinte viviam isolados e somente tiveram o primeiro contato com a população nacional acerca de 1973 com a construção do BR-222. Os primeiros contatos com a FUNAI coincidiram com as epidemias fatais. A Cia Vale do Rio Doce construiu uma estrada de ferro e esta via encorajou assentamentos ilegais e desflorestamento. O Estado de Maranhão abriu uma estrade de terra (BR-316) e em 1962 o SUDENE estabeleceu um Projeto de Colonização para nordestinos, fugidos da seca nos seu estados. 6.000 legais receberam lotes no lado da estrada, mas 58.645 posseiros invadiram a área também (Balée 1994:47). Em 1972 COLONE encorajou uma agricultura mais intensiva. A pouca floresta sobrando está constantemente ameaçada pelo desmatamento para extração de madeira e pelos fazendeiros. Os Guajá com os Guajajara e os Ka’apor participaram de um encontro em agosto 2010, para denunciar dos invasões na Terras Indígenas Caru, Alto Turiaçu e Awá.

Em dezembro de 2015, a floresta na T. I. Awa estava em chamas, grandes incêndios já destruíram o meio ambiente e ameaçaram a vida dos Awa isolados, que tentaram apagar o fogo por si mesmos. Madeireiros ilegais que invadiram a Terra começaram o fogo. Por falta de vontade política as autoridades não esforçaram combatar o fogo (Survival International).

Estilo de Vida: O território é de terra firme com floresta densa. O Guajá moram na margem esquerda do Rio Pindaré, que é navegável durante a época da chuva (janeiro a maio) e sem cachoeiras, e apesar de ser de água preta sustenta mais especies de peixe do que o Gurupi. São um dos últimos povos caçadores e coletores contatados. Estudos mostram que a floresta embora forneça alimentos em tempo de escassez não provê todos os nutrientes necessários para o homem, especialmente porque há falta de carboidratos. Enquanto os seu vizinhos os Ka’apor conhecem 179 plantas brava que fornecem alimento os Guajá só contam 49 (Balée 1994:219). Mas sua língua tem termos para muitas plantas que não cultivam. Sustentam- se da palmeira babaçu, macacos guariba e outros, peixes, tartarugas e jabutis. Sustentavam-se por roubar das plantações dos outros ou tirar das roças deixadas sem cultivo, colhendo as plantas ‘semidomesticadas’ das capoeiras (Balée 1994: 207). Perderam a habilidade de fazer fogo e levavam tochas de maçaranduba de acampamento para acampamento(Balée 1994:164). Não tem a tecnologia de tirar a toxina da mandioca com a tipiti e as ferramentas para cultivá-la.

Constroem seus tapiris usando as arvores nas clareiras e não ferramentas nem têm vocabulários para postos, ripa, cumeeira, etc. Antigamente não desenvolveram comércio ou troca com indígenas agricultores; alguns da aldeia guajá trocam alimentos com os Ka’apor (que antes eram considerados inimigos), principalmente em períodos de escassez ou fartura, como os Maku, por exemplo. A FUNAI está treinando um grupo em horticultura e também tem distribuído acessórios para pesca. Adaptaram-se rapidamente a este novo meio de subsistência, uma vez que ela representa mais uma opção de alimentos. SIL que organiza projetos manejamento da floresta e ensinar a horticultura.

Sociedade: Os Guajá se autodenominam awá que significa ‘gente’ ou ‘homens’ (as vezes também em contraste com as mulheres). Mas também se descrevem como ‘não plantamos’. Eles distinguem entre eles e os Guajá ‘velhos’ que vivem ainda longe na mata e os recém chegados na aldeia, que não são completamente integrados. Devido a queda da população depois de contato com os brancos há mais homens do que mulheres e há muitos relacionamentos poliândricos, porém a norma é a monogamia temporária, não tendo o casamento organizado.

Os próprios awá entendem seu relacionamento com os outros, sejam humanos sejam animais, conforme o conceito de ‘irmão’ ou parentela o que implica em uma atitude igualitária. Cada bebe Guajá depois de alguns meses recebe um nome de um animal, uma planta ou outro aspecto da natureza; isso é chamado seu hamia, que liga a criança com a comunidade daquele animal ou planta. A maioria dos hamia são de animais ou aves e são considerados os ‘irmãos’ do individuo. Não há tabu em comer este animal.

Os awá vivos e os mortos formam uma parentela (harepiana) a qual é divida em três: Os iwarepihára: Os habitantes do céu (iwa), os deuses (karawa), os mortos e as versões espirituais dos vivos, que existem no céu e não apenas na mente. Os hanima, os guariba e animais de estimação que ocupam uma categoria transitória. Os guaribas são irmãos especiais porque ‘cantam’ e eram criados pelos Guajá ancestrais. Os kahrepihare são os parentes da floresta, plantas, animais, rochas e rios, e às vezes os Guajá ‘velhos’. A terceira categoria é os não- parentes (karai) que consiste dos brasileiros, os animais e as plantas domésticas que não vão para o céu, e os kamara que são os outros indígenas.

Cormier entende este sistema não como totemismo, mas animismo conforme a definição do animismo, que reconhece o sistema de entender os animais, e até as plantas e outros aspectos do meio ambiente como uma extensão da estrutura da sociedade. (Veja as obras de Decola e Viveiro de Castro). Os relacionamentos sociais são estendidos para incluir os não humanos, e os animais são considerados dependentes dos humanos e possuem uma vida subjetiva semelhante. ‘Classicamente conceitua-se totemismo como um conjunto de ideias e práticas que tem como base a crença na existência de um parentesco místico entre seres humanos e a natureza, como animais e plantas” (Lidório 2008). Mas Lidório diz mais: ‘Isto ocorre quando membros de certo grupo, observando a vida e seu processo, intuem a ligação entre seu grupo humano e certa parte da natureza, entendendo assim que o mesmo tipo de força que vivifica tal parte da natureza também o faz em seu grupo.’ O reconhecimento da força da vida em todas as coisas é a base do totemismo (Lidório 2008). O animismo é a crença que toda a natureza tem personalidade, autoconsciência e intenções, semelhantes à humanidade, ao ponto de tratar certos animais como parentela. Isso nos adverte a ter cuidado de deixar a etnografia determinar a etnologia, e entender cada cultura de uma maneira êmica (Cormier 2003).

É um erro atribuir ao indígena o conceito de conservação ecológica ocidental, quando seus motivos são diferentes, por exemplo, cumprir sua identidade mitológica para com o universo ou somente para sobreviver. O resultado indireto pode ser para conservar o meio ambiente. Balée no seu estudo dos Ka’apor e Guajá considera que os primeiros ajudam a conservar a biodiversidade pelos raçados capoeiras e os últimos por ter mínimo impacto, mas nenhum dos dois são conscientes da ideia de conservação.

Antropologia: O indivíduo tem um corpo e um espírito (hatikwáyta) que se separam nos sonhos e se encontram com outras versões de si mesmo no iwa ou o céu; estes outros têm uma vida semelhante, mas ideal e espiritual. Os hatikwáyta no céu são memórias atemporais do passado da pessoa. No momento da morte o espírito vai para o céu (iwa) para sempre, porém no momento da morte é gerada uma alma fantasma (aiyã) que fica na terra perambulando pela aldeia à noite. Esta come os vivos e é responsável por passar doenças, dor e a morte para os vivos.

Religião: A experiência dos sonhos é base da vida religiosa dos Guajá. Os homens podem entrar pelos sonhos no iwa, o céu, e ter contato com os deuses, os mortos e as versões próprias, entretanto as mulheres não entram no céu até a sua morte; elas podem ‘ver’ dentro o céu se forem possessas por um deus ou pelos olhos de uma versão delas. A vida delas é limitada à terra. O papel das mulheres é para cantar toda a noite enquanto o homem dorme e sonha para que seu espírito possa reconhecer o caminho de volta para a terra.

A cerimônia do Karawára é realizada na estação da seca, quando um vento leve é considerado como o sopro dos deuses. Os homens se cobrem com a penugem dos urubus, e com acangatares e bandas nos braços de penas de tucano; e assim eles se assemelham aos deuses. Os deuses descem do céu e os homens podem ser possessos. Os mortos e as versões pessoais são visitados. Constrói-se uma barraca pequena, tacai, lugar de transição para entrar e voltar do céu. Possessos pelo desuses, os homens podem curar muitos. Três tipos de deus são importantes, os donos dos animais para facilitar a caça, ‘o pai e a mai dos guaribas’ para trazê-los mais perto e a deusa do jabuti que é importante para a fertilidade das mulheres. O céu e os deuses estão associados com o calor, mas em contraste os aiyu, ou fantasmas dos mortos, têm medo do fogo das casas à noite e gostam do frio.

Cosmovisão: (Cormier 2003:98ss). Os Guajá não têm o conceito de tempo linear, mas a ideia de transformação do velho para o mais novo e mais lindo, e estas qualidades determinam a posição no universo. O tempo não é conceituado como passado, presente e futuro, mas de uma maneira simultânea conforme o imperfeito e o perfeito ou ideal da mesma unidade. Também os Guajá contam somente ‘um,’ ‘dois’ e ‘muitos’.

O universo consiste de cinco divisões verticais: A terra (wi), o mato (ka’a), o céu das aves, o sol e a lua (iwa-cu) e o céu distante e escuro (iwa-pinahu), porém estes dois últimos podem ser chamados como iwa. Este mundo é mais velho, o mato mais feio e grande e contém animais e pessoas que não se acham no céu (iwa), por exemplo, os animais domésticos, cobras e insetos, o gambá e o cangambá.

O céu (iwa) tem tudo mais novo e mais lindo, e sem dor e sofrimento; é uma planície e a floresta é menor e distante. Os animais não têm sangue e são mais novos e lindos. Porém o urubu e a capivara são tabu na terra e estão lá e também a anaconda e jiboia porque não são consideradas cobras.

O céu (iwa) contem as formas passadas dos Guajá. Guajá conhecem diversas versões deles mesmos que são guardadas no céu, que são sempre de quando eram mais novos e mais bonitos, com enfeites e penas mais lindos. Mas estes não têm uma vida cronológica ou história celestial. Não são associados com acontecimentos medidos pelo tempo. Não tendo um conceito linear do tempo estes estados são sincrônicos e atemporais como retratos ou memórias preservadas e geradas pelos sonhos e memórias e pelo rito karawára. Portanto estas formas pessoais são entidades da pessoa sacralizadas e aperfeiçoadas, e sem dor ou sofrimentos. São aparecidos com os deuses.

Alguns Guajá descrevem a quinta divisão; é um mundo subterrâneo que é semelhante a este, pois possui as mesmas divisões de terra, mato, e os mesmos animais e outros Guajá vivem lá. O céu destes outros Guajá subterrâneos é a terra (wi) do nosso mundo.

A morte: Hoje em dia os Guajá enterrem os mortos, mas não lembram bem sobre a prática de dispor os corpos dos defuntos; provavelmente os cadáveres eram deitados na magrém do rio para ser lavados pela chuva, isto é pelos deuses e transformados para ir para o céu. Eram consumidos por predadores ou levados rio abaixo pela enchente. A forma final voa para o céu (iwa). Eles têm muito medo de cadáveres e não tocam neles, eles eram deixados onde morriam antes da Funai chegar.

Os sonhos dos homens são interpretados como visitas ao céu; sua mulher segura da sua rede durante a noite e cantar para guiar o marido de volta. As mulheres não vão para iwa ate morrer, mas podem enxergar ele pelos olhos de umas suas formas. É interessante que os Guajá que vivem na floresta imaginam o céu sem floresta e desprezam os Guajá recém chegam do mato.

Comentário: ALEM trabalha com este povo.

Há uma semelhança à antropologia hebraica, o homem criado ‘alma vivente’, como os animais (Gen. 1:24; 2:7) e recebeu seu espírito, que o anima, pelo Espírito de Deus (Gen. 2:7). Porém recebe uma função e relacionamento de comunhão e responsabilidade como a imagem de Deus. O futuro do homem é corporal (1 Cor. 15; 2 Cor 5:1ss). Deus cuida e providencia tudo para todos os animais (Gen. 1:29; Mat. 6:26,28) e o homem com seu representante ou ‘imagem de Deus’ tem responsabilidade para com os animais e o meio ambiente (Gen. 1:28) ‘dominem’ significa administrar com compaixão conforme o exemplo do Criador (Hamilton 1990:137s). Os animais têm direito de coexistir com os homens, não existem apenas ‘para o usufruto de futuras gerações humanas’. Os Guajá têm uma cultura existencialista focalizada na necessidade de transformar o mundo imperfeito em puro. O conceito do céu bíblico pode ser desenvolvido. Cristo deve ser apresentado como soberano para reconciliar todas as coisas, inclusive a natureza (Col. 1:15-20) e transformar tudo à sua perfeição (Mat. 19:21; 2 Pd. 3:13; Ap. 21:1).

Bibliografia:

  • BALÉE, William, 1994: Footprints of the Forest, New York, NYC: Colombia University Press.
  • CORMIER, Loretta A. 2003: Kinship with Monkeys: The Guajá Foragers of Eastern Amazonia, New York, NYC: Colombia University Press,
  • FORLINE, Louis Carlos, 2005, ‘Guajá’, Povos Indígenas do Brasil, Instituto Socioambiental, São Paulo, pib.socioambiental.org/pt/povo/guara
  • HAMILTON, Victor P. 1990: The Book of Genesis 1-17, Grand Rapids: W. B Eerdmans.
  • LIDÓRIO, Ronaldo 2008: ‘Totemismo’, Revista Antropos – Volume 2, Ano 1, Maio.
  • SIL Ethnologue, 2009.Lewis, M. Paul (ed.), Ethnologue: Languages of the World, Sixteenth edition. Dallas, Tex.: SIL International. Online version: www.ethnologue.com