KAXIXÓ
David J. Phillips
Autodenominação: Kaxixósignifica, conforme um Kaxixó, ‘pedra’ ou ‘caverna’, que é a Nossa Senhora da Lapa. Reconhecidos oficialmente pela Funai como grupo indígena em dezembro de 2001, depois de quinze anos de luta por tal reconhecimento, sua grande luta agora é pela posse das terras tradicionais e o fortalecimento cultural tão desejado pelo grupo (Silva 2007).
Outros Nomes:
População: 308 (FUNASA 2010), 60 (DAI/AMTB 2010). O cacique Kaxixó, em 2002 afirmou que todo o grupo espalhado na região então somava 356 pessoas. A maior concentração está no Capão do Zezinho, mas há outros três lugarejos não muito distantes. Segundo levantamento da Funasa de 2006, havia 256 membros deste povo (Silva 2007).
Localização: Terra Indígena Kaxixó de 5.411ha atravessada pelo rio Pará entre Martinho Campos e Pompéu, MG, ao sul da Rodovia José Roberto Pena. Identificada e aprovada pela FUNAI e sujeita a contestação. População em 2012: 93 (Sesai).
Língua: Português.
História: A região dos Kaxixó era na cabeceiras do rio São Francisco, do rio das Velhas e do rio Pará em no centro sulista de Minas Gerais. Quinze sítios arqueológicos foram encontrados, sendo sete pré-coloniais e oito históricos, compostos por grandes fragmentos cerâmicos e estruturas de fornos, além de instrumentos líticos polidos, tais como machadinhas, batedores, mão-de-pilão e quebra-cocos. A identificação e comprovação destes sítios arqueológicos ser o território tradicional dos Kaxixó, foi como uma injeção de ânimo na sua luta pelo reconhecimento étnico oficial (Silva 2007).
No século XVII, as primeiras bandeiras paulistas penetraram a região em busca a famosa Sabarabussu, uma mina rica em ouro, que hoje é a cidade de Sabará. Já conhecido pelos indígena, o nome sendo uma abreviação do tupi tesáberabusu, que significa “grandes olhos brilhantes”, numa referência às pepitas de ouro que foram encontradas na região. Como nas demais regiões do Estado, os quartéis e aldeamentos dizimaram, deslocaram ou dispersaram os indígenas da região pelas várias fazendas e povoados que surgiram, onde foram se tornando trabalhadores braçais. Teria sido com estas bandeiras que os Kaxixó tiveram os primeiros conflitos, resistindo à fixação desses invasores no seu território.
No século XVIII, surge então a lendária figura do Capitão Inácio de Oliveira Campos e sua esposa Dona Joaquina de Pompeu, contra os quais a resistência Kaxixó foi inútil. Este Capitão Inácio, que os Kaxixó chamam de “governo”, teria chegado na região com “mil negros” e um grande contingente de “índios Carijó” , todos escravos, subjugando os Kaxixó, se apossando de suas terras e os reduzindo a jagunços, para manter o domínio do Capitão. Capitão Inácio fornecia alimentos e carne para a Corte, nos tempos de D. João VI, sendo o trabalho feito por escravos e os índios utilizados como jagunços para controlar negros. Desde esta época a religião tradicional foi proibida, assim como a língua e até o próprio nome da tribo (Silva 2007; Silva 2002.132). Como se diz: ”foi o “governo”, o Capitão Inácio de Oliveira Campo. Ele matô, robô a terra, robô a língua, robô a religião, robô dança (…) aí trocô o nome, ninguém falava Kaxixó. ” (Silva 2002.138)
A origem do grupo atual de Kaxixó era quando um dos filhos de Capitão Inácio teve um relacionamento com uma índia Kaxixó, chamada posteriormente de Tia Vovó. Um filho deste relacionamento era chamado Fabrício ou Fabrisco. Um de seus filhos se casou com uma índia Carijó e assim os Kaxixó são remanescentes de grupos que viviam nas fazendas da região do baixo rio Pará, como agregados e jagunços. Os atuais Kaxixó são assim fruto da miscigenação de indígenas até então vivendo em liberdade com escravos de vários etnias, escravos negros e brancos da família da Dona Joaquina. Por isto, no grupo atual encontra-se pessoas de pele vermelha amorenada, cabelos pretos e lisos, pessoas negras, e pessoas brancas de olhos claros. Por muito tempo os Kaxixó criavam galinhas no local da Vargem do Galinheiro, hoje um bairro da cidade de Pompéu, onde os tropeiros se abasteciam com a galinhas criadas pelos ‘índios caboclos’ (Silva 2007).
Desde 1980 os indígenas, originariamente de Minas Gerais, mas dispersos por várias partes do Estado e do país durante o processo da colonização e expansão territorial, começam a se reorganizar em comunidades e reivindicar seus direitos indígenas. Grupos que preservaram sua identidade étnica na convicção de jamais deixado de ser indígenas, apesar de ter perdido em grande parte sua cultural tradicional, língua e estilo de vida tribal.
Em 1986, envolvidos num conflito de terras com fazendeiros, pediram ajuda ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Pompéu, revelando a estes a sua identidade. Na impossibilidade de oferecer ajuda efetiva, o Sindicato entrou em contato com o CEDEFES (Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva), entidade que têm atuado na questão indígena do Estado. Desta forma, têm-se início a luta dos Kaxixó pelo seu reconhecimento étnico oficial, sendo realizado neste mesmo ano um levantamento histórico sobre o grupo pela indigenista Geralda Soares (Silva 2007).
Em 1992, a liderança Kaxixó participou da II Assembleia Geral da Associação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME) e receberam o apoio dos 24 povos representados. A prefeitura e Martinho Campos e os fazendeiros amontaram a resistência contra a reconhecimento do povo de do território. Em 1995, receberam o apoio da APOINME e da Associação Brasileira de Antropologia (ABA). Assim, em 1996 se fazem presentes na abertura do Programa de Formação de Professores Indígenas de Minas Gerais, e em 1998 iniciam sua participação na programação da Semana dos Povos Indígenas de Minas Gerais, organizada pelo CIMI e CEDEFES.
A última entidade era solicitada realizar um estudo da história do povo. Por meio de denúncias sobre a destruição de sítios arqueológicos na área por eles ocupada, tiveram acesso também à Procuradoria Geral da República, a qual instaurou um processo de investigação, incluindo um estudo sobre a identidade étnica do grupo, o qual teve parecer favorável. Devido a tal parecer favorável a FUNAI solicitou, em 2000, um novo estudo antropológico, desta vez por um antropólogo indicado pela ABA. No fim do ano a FUNAI reconheceu oficialmente o povo Kaxixó e procede para a restauração do território tradicional (Silva 2007).
Estilo da Vida: Como o território atual é pequeno e descontínuo, sendo insuficiente para o abastecimento de todo o grupo, a maior parte dos Kaxixó é empregada de fazendas vizinhas, principalmente como vaqueiros e roceiros. Entretanto, mesmo com a insuficiência territorial, alguns praticam a agricultura familiar de subsistência. Suas terras tradicionais, sob posse de vários fazendeiros. Reivindicam uma área de 27.150 ha, enquanto atualmente ocupam insuficientes 35,28 hectares (Silva 2007).
Capão do Zezinho, principal concentração do povo, é um pequeno vilarejo, com muitas árvores frutíferas e casas de alvenaria, água encanada e energia elétrica. Ao centro há um templo católico, ao lado da casa de ritual e do rancho de festas, ambos cobertos de capim e sem paredes. O primeiro é destinado às suas danças tradicionais e missas, enquanto o segundo é destinado aos festejos e comemorações. Neste vilarejo têm ainda um edifício onde funciona uma escola.
Os Kaxixó cultivam principalmente feijão, arroz, milho, algodão, mandioca, cará e amendoim. Criam também animais de pequeno porte, como porcos e galinhas. Nas proximidades do Capão do Zezinho há outros três lugarejos de posse dos Kaxixó, que é a Fazenda Criciúma, Pindaíba e Fundinhos, estes dois últimos na Fazenda São José.
Sociedade: Como na maioria dos grupos indígenas do Estado, há um Conselho, formado pelos anciãos do grupo, tanto homens como mulheres, ao qual cabe pesar as decisões a serem tomadas, principalmente articulações políticas internas ou externas do. Esse conselho é chamado de “Liderança”. Eleito democraticamente, o cacique tem a responsabilidade de representar o povo nos contatos externos, bem como liderar reuniões e tomadas de decisão. É uma função recente, pois somente depois que iniciaram a luta pelo reconhecimento e se reorganizaram em tribo foi possível e tornou-se necessário uma liderança constituída. O vice-cacique tem a responsabilidade de responder pelo cacique na ausência do mesmo, bem como auxiliá-lo em todas as suas atividades (Silva 2007).
Algumas famílias praticam a pesca no Rio Pará como principal fonte de subsistência, mas dispõem de pouquíssimos equipamentos, principalmente geladeiras, o que dificulta a venda de peixes no mercado regional. Há famílias que se valem da aposentadoria dos mais idosos.
Artesanato: Outra fonte de sustento tem sido o artesanato. Neste aspecto desenvolvem algo que não se verifica em outros grupos indígenas de Minas, que é a fabricação de peças de barro, como pequenos potes, geralmente enfeitadas com penas (Silva 2007).
Religião: A maioria se identifica como católico, mas durante a história continuaram fazendo sues rituais. Usam um terreiro, chamado Cruzeiro, no Capão do Zezinho, onde o povo vão todas as noites rezar, durante o mês de maio. Levam a imagem de Nossa Senhora Aparecida, uma vela e, ao iniciar a reza, estouram fogos, acendendo uma fogueira. Cada noite um deles é o responsável pela leitura do evangelho. E pedem proteção e saúde para cada família Kaxixó (Silva 2007).
A Casa de Ritual no centro da aldeia do Capão do Zezinho foi construída em contrapartida ao templo católico se alvenaria ao lado daquele. Trata-se de um rancho com aproximadamente quatro metros de comprimento por dois e meio de largura, com três troncos de cada lado e três ao centro, sem paredes, coberto de capim. Neste Rancho passaram a ser realizados tanto rituais de invocação de espíritos, como missas, rezas e novenas. Em 2002, o Rancho estava quase abandonado, sendo utilizado como depósito de arreios de animais e outros objetos diversos (Silva 2002. 141).
No Dia de São Francisco de Assis, 4 de outubro, todas as pessoas da região e parentes das cidade se reúnem para a principal festa dos Kaxixó, há rezar. comer e beber e muito forró.
Um lugar sagrado e de rezas para os Kaxixó é a Gruta da Nossa Senhora da Lapa, a alguns quilômetros da aldeia Capão de Zezinho.
A principal dança dos Kaxixó é a chamada Dança do Jacaré, praticada desde antes na chegada dos brancos em 1500. A dança é em que duas fileiras de mesmo número de pessoas se formam de um lado e de outro. Os da fileira de cá cantam o Jacaré e quando fala, cá, ‘jacaré’, e eles falam, ‘a lagoa secou e você teve que voltar’, aí os de lá vêm e se encontram no meio, e eles dão uma volta e os de cá passam para lá, e os de lá passam para cá.
Algumas famílias praticam a invocação de espíritos em rituais que chamam de “lei do índio” ou “língua de Angüera”. Um pajé vive no povoado de Ibitira, que é considerado de possuir o poder de curar. Pinturas corporais têm sido cada vez mais usadas, principalmente em datas ou locais especiais, como em congressos ou comemorações fora do seu território. Geralmente fazem riscos de cores diversas no rosto e os homens também no tórax. Como enfeites usam principalmente colares e pulseiras de madeira ou sementes, e cada líder possui um belo cocar (Silva 2007).
Cosmovisão: Na cosmovisão kaxixó, duas entidades são centrais. Uma delas é Jacy, a quem atribuem as qualidades de Deus. A este, faz oposição o terrível Angüera, associado ao Diabo. Tanto Jacy como Angüera são designações recorrentes em povos Tupi, sendo Jacy o nome dado à Lua, a divindade geralmente vinculada ao irmão gêmeo Sol, e Angüera um espírito usualmente vinculado aos mortos e à animalidade, representando perigo aos vivos. Outra classe de entidades são os Caboclos d’Áqua, que simbolizam a rejeição total ao contato com os ‘brancos’. Vivem em tocas às margens das águas do rio Pará. Falam uma língua especifica, todavia são capazes de se fazer entender ou de ser entendidos pelos Kaxixó. São homenzinhos cobertos de pelos, que nadam como peixes e são considerados antepassados dos Kaxixó (Silva 2007).
Comentário: Sendo um povo “emergente” o desejo de reafirmação étnica e cultural é muito grande, podendo resistir ao que vem de fora (Silva 2002.145).
Bibliografia:
- DAI/AMTB 2010, ‘Relatório 2010 – Etnias Indígenas do Brasil’, Organizador: Ronaldo Lidório, Instituto Antropos –instituto.antropos.com.br.
- SIL 2013, Lewis, M. Paul, Gary F. Simons, and Charles D. Fennig (eds.). 2013. Ethnologue: Languages of the World, Seventeenth edition. Dallas, Texas: SIL International. Online version: www.ethnologue.com.
- SILVA, Cácio Evangelista, 2002, ‘Minas Indígena:Levantamento Sociocultural e Possibilidades de Abordagens Missionárias nos Grupos Indígenas de Minas Gerais’, Viçosa, MG, Dissertação apresentada ao Programa Pos-Graduação da Escola de Missões Transculturais do Centro Evangélico de Missões, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Missiologia.
- SILVA, Cácio, 2008, Fenomenologia da Religião, Anápolis, GO: Transcultural Editora e Livraria.
- SILVA, Cácio, 2007, ‘Kaxixó’, Povos Indígenas do Brasil, Instituto Socioambiental, São Paulo. pib.socioambiental.org/pt/povo/kaxixo..