Matis — Mushabo

David J. Phillips

Autodenominação: Os Matis chamam-se a si mesmos matses, que significa ‘ser humano’, mas é igual ao outro grupo também autodenominado Matsés (ou Mayoruna – veja outro perfil). Outras autodenominações são mushabo que significa “os tatuados”, wanibo significa ‘gente da pupunha’ que refere aos espinhos do estipe utilizados para tatuar. Deshan mikitbo que significa “gente à montante”, quer dizer que está rio acima. (ISA 2008).

Outros nomes: Mushabo, Deshan Mikitbo. Matis é o nome dados pelo não indígenas e pela FUNAI e que pode ser confundido com Matsés. O povo aceita matis (seres humanos) e distinguem entre matis kimo o grupo com quem se identificam e os matis utsi (outra gente).

População: 322 (DAI/AMTB 2010), 390 (Funasa, 2010), 280 (Funasa 2007), 239 (ISA 2000). Em centenas nos anos 70 com os primeiros contatos, mas em 1983 eram apenas acerca de 87 (ISA 2008).

Localização: Somente na T. I. Vale do Javari (AM), homologada e registrada no CRI e SPU com 8.544.48 ha do médio rio Ituí e no alto do seu afluente rio Coari (margem direita do Ituí) e o médio rio Branco no município de Atalaia do Norte na fronteira com Peru (ISA 2008 e SIL). Vivem em duas aldeias no médio rio Itui da foz dos Igrapé Beijo Flor e Igarapé Aurélio. Estão próximos aos Marubo e têm contato com eles e os Korubo (Anonby e Holbrook 2010.12).

Língua: Matis, da família linguística Pano (DAI/AMTB 2010). Há 120 falantes da língua (Anonby e Holbrook 2010.12). Na aldeia se usa esta língua própria e quase todos os homens falam um pouco o português. Algumas mulheres conhecem Marubo e a maioria entendem Kulina, Matses e Korubo (ISA 2008).

História: Contatos com índios desconhecidos no rio Itaí começaram durante os anos 60 do século XX. Com o começo da construção das rodovias BR 413 BR 411, projetados atravessar o oeste da Terra Indígena atual, a FUNAI estabeleceu uma frente de atração no rio (ISA 2008). Os Matis eram desconhecidos ou confundidos com os Marubo até 1975. Em dezembro 1976 um índio estranheiro aparaceu assinando que queria machados e depois um velho, um jovem e uma mulher apareceram ao lado dele. Os homens se decoraram com varinhas de bambu pretas projetando dos narizes nos lábios como ‘bigodes de gato’ e lastros tatuados nas faces. Penduraram conchas nas orelhas. No próximo contato apareceram seis indígenas que pediram mais ferramenta. Os Matsés interpretes descobriram que os estranhos falaram uma versão da sua língua.

No princípio estes foram confundidos com os Matsés e os Marubo e por isso é difícil saber quando eles travaram os primeiros contatos com a sociedade nacional. A população foi estimada ser 150 ou 300, mas um sobrevoo pela MNTB avistou 12 malocas e indicou até mil Matis (ISA 2008). Durante mais contatos foi descoberto que os grupos de Matis brigaram entre si e os presentes prediletos que desejavam foram cachorros para caçar (Hemming 2003.540). Eles temeram a entrada dos brancos para ‘roubar’ os ovos de tartaruga das praias nas margens dos rios. Os Matis sofreram muitas epídemas de doenças introduzidas pelo contato devido a falta de providencias médicas, um ‘fracasso imperdoável’ (Hemming 2003.541). O antropólogo Phillipe Erikson observou a destruição da estrutura social e econômica e a morte de cinquenta Matis. Uma epidemia de pneumonia reduziu a população de 350 a 87 em 1983 (Anonby e Holbrook 2010.12).

Devido ao ‘contato mal empreendido e desnecessariamente mortífero’ conforme Erikson, os sobreviventes abandonaram sua vida dispersa na floresta e mudaram ao redor do Posto da FUNAI para ter acesso ao tratamento médico. Pior, o Posto não tinha remédios ou gasolina para remover os doentes (ISA 2008). A FUNAI mudou os sobreviventes para igarapé Boeiro em 1982, mas isso piorou a situação por falta de roçados e o curare para caçar com os zarabatanas. A concentração causou atritos entre os Morubo, quando os Matis por suas dificuldades começaram a roubar das plantações dos outros (ISA 2008). O resultado foi criar as aldeias de Aurélio e 45 km. e mais distante a de Beija Flor.

Este desastre provocou o questionamento de toda sua cultura e cosmovisão, e os Matis adotaram as casas e as roupas dos brancos e abandonaram seus costumes. Nos anos 90 por esta adaptação chegaram ao ponto de uma dilema. De um lado eles não quiseram ser ‘brancos’ e adotarem mais da sua vida, fora de obter dos produtos industriais, porque eles ainda temeram os brancos. Pelo outro lado achariam que foi impossível continuar a manter as práticas importantes da sua identidade étnica. Acerca do 1995 a população teve crescido 240 e os adultos eram uma geração que não conhecia o tempo antes de contato e as traumas das epídemas, usavam roupa e tinha recebido educação do branco. O resultado é que alguns jovens estão adotaram uma atitude agressiva de voltar as traduções antigas (Hemming 2003.543), e por exemplo recomeçaram a tatuagem do rosto (ISA 2008). Em 31 de outubro de 2009 os Matis descobriram seis sobreviventes de um desastre de avião no rio Ituí e contataram a FAB.

Estilo da Vida: Conforme as tradições dos Matis eles moravam em cinco malocas distantes entre si, nos rios Coari e Branco, e nos igarapés Boeira e Jacurapá e uma outra entre os dois igarapés (ISA 2008). Hoje os Matis moram em duas aldeias com malocas grandes (shobo kimo). Estas são rectangulares e estreitas com os beirados feitos de palha de cacão (Hemming 2003.541). Os oitões da maloca são chamados os ‘narizes’ e aquele que aponta para a monte é deshan kimo (o nariz verdadeiro). Assim as redes são penduradas na orientação certa (ISA 2008). As estruturas menores em redor são construídas com a plataforma elevada do chão (Anonby e Holbrook 2010.12). Os produtos industriais obtidos dos brancos estão guardados nestas estruturas e nunca dentro das malocas.

Têm a reputação de ser os melhores caçadores. Caçam diversos animais com arco e flecha e espingarda. Usam também barreiros, armadilhas, e um zarabatana de 4m. de comprimento para caçar diversos macacos e aves. São coletores de frutos da floresta. Pescam e apanham também tartarugas e seus ovos.

Praticam a agricultura nas suas roças, que são plantadas somente uma vez, mas a coleta se estende por vários anos até o rendimento começa a diminuir. O milho é cultivado por fins rituais (ISA 2008).

De vez em quando vendam artesanato em Atalaia do Norte e Letícia. Alguns são empregados pela FUNAI como tradutores, etc. O casamento preferido é com a filha do tio materno. Cessaram de praticar sua religião tradicional quando a população eram reduzida pelas doenças importadas, mas agora estão renovando suas cerimonias (Anonby e Holbrook 2010.12).

Artesanato:

Sociedade: A autodenominação mushabo indica que a tatuagem nas faces é um forte denominador de se identificar a sociedade matis. O ritual dos musha, a cerimonia de tatuagem dos jovens, foi abandonado por dez anos depois dos choques do contato. Foi renovado em 1986 (ISA 2008).

Os Matis se dividam em duas metades: tsasibo (os superiores) e ayakobo (os desprezados) mas hoje em dia todos reivindicam ser tsasibo e tratam os alheios, os Marubo e Korubo, como ayakobo. Alguns Matis são ayakobo por ser descendentes do cativos de guerra do passado remoto. Por razões quase esquecidas alguns índios de fora são considerado tsasibo de fora (ISA 2008).

O casamento preferido é casar com a filha do tio materno (Anonby e Holbrook 2010.12). Na cerimonia de iniciação os filhos são acoitados e picados com varas para os corrigir e endurecer. Os espíritos ancestrais, os mariwin, homens cobertos de folhas, aramados de varas do palmeiro daratsintuk, e cada vara é usada de uma vez.

Os Matis se relacionam com os Korubo e os Marubo e pouco com os Matsés. O Matsés casado com uma Matis, foi acusado de feitiçaria e morto quando pessoas morreram na aldeia (Anonby e Holbrook 2010.12)

Religião: Os líderes e pajés acreditam que tenham uma capacidade chamada sho, que pode conferir bravura ou habilidade em caçar ou transmitir veneno ou doenças aos outros e representada pelo zarabatana. Na sua forma feminina ou ‘doce’ pode ser protetiva. Mas a forma masculina e perigosa é ‘amarga’ e os brancos têm muito disso. Para os Matis contato como os brancos significa o abandono do sho (Hemming 2003.542 e ISA 2008).

Os mariwin são espíritos ancestrais com o papel de bater nas crianças para as endurecer e disciplinar. Um talo de palmeira é usado para cada criança. Este costume foi abandonado até recentemente. Também quando a colheita demora os Matis fazem uma cerimonia dançando na maloca imitando os animais. Um segundo tipo de mariwin é os put (vermelhos) que são vistos próximos aos vivos nas roças abandonadas. Outros são os negros que moram em buracos nas margens dos rios (ISA 2008).

A cerimonia dos musha dura uns quinze dias e os mariwin, os espíritos ancestrais, aparecem em massa. É um tempo de muita atividade. As mulheres preparam a bebida e os homens cozem a carne moqueada e todos dançam dentro da maloca, imitando os animais. No dia final da festa é feita a tatuagem dos jovens e as jovens que é dolorosa e uma prova de coragem diante dos mariwin. Segue se um tempo de reclusão (ISA 2008).

Os mortos matis são enterrado na posição fetal, envolvidos em suas redes, com seus pertences, na sua posição no chão dentro da maloca. A maloca é abandonada e depois alguns dias queimada.

Comentário: A MNTB tem contato com este povo. Pouco trabalho linguístico tem feito (Anonby e Holbrook 2010.12).

Bibliografia:

  • ANONBY, Stan e HOLBROOK, David J. , 2010, ‘A Survey of the Languages of The Javari River Valley, Brazil’, SIL Electronic Survey Report 2010-003, March 2010, Dallas, Tex: SIL International.
  • DAI/AMTB 2010, ‘Relatório 2010-Etnia Indígenas do Brasil’, Organizador: Ronaldo Lidório, Instituto Antropos –instituto.antropos.com.br.
  • HEMMING, John, 1987, Amazon Frontier-The Defeat of the Brazilian Indians, London: Pan Macmillan.
  • HEMMING, John, 2003, Die If You Must – Brazilian Indians in the Twentieth Century, London; Pan Macmillan.
  • ISA 2008 Equipe de edição da Enciclopédia Povos Indígenas no Brasil, ‘Matis’, Insituto Socioambiental, São Paulo. pib.socioambiental.org/pt/povo/matis.
  • SIL 2009, Lewis, M. Paul (ed), Ethnologue: Languages of the World, Sixteenth Edition. Dallas, Tex: SIL International. Versão on line: www.ethnologue.com.