Parintintin — Kagwahiva

David J Phillips

Autodenominação: Cabahyba, Kagwahiva’nga, ou Kagwahiva, que significa ‘nosso povo’ , confirmado pelo trabalho realizado por Nimuendajú em 1922.

Outros Nomes: Parintintin é o nome possivelmente derivado dos Munduruku, seus inimigos (Krache 2005). Significa ‘inimigo’ na língua Munduruku (Hemming 2005.68).

População: 418 (FUNASA 2010), 284 (DAI/AMTB 2010).

Localização: Três aldeias em duas Terras Indígenas homologadas em 1997 e registrada no CRI e SPU, entre os rios Madeira e Marmelos, no município de Humaitá, Amazonas:

T. I. Ipixuna, AM, (215.362 ha) com 62 Parintintin (FUNAI 2010).

T. I. Nove de Janeiro (228.777 ha) com 206 Parintintin (FUNAI 2010).

Língua: Parintintin. É classificada como um dialeto da Tenharim (SIL). Há dois dialetos maiores: do norte falado pelo Parintintin, Tenharim Júma e Diahui e do sul pelos Uru-eu-wau-wau, Amundava e Karipuna (Krache 2005). Os dialetos com diferenças significantes de vocabulário são Tenharim (Tenharem, Tenharin), Parintintín, Kagwahiv (Kawaib), Karipuna Jaci Paraná, Mialát, Diahói (Jahui, Giahoi). É da família linguística Tupi-Guarani subgrupos VI (SIL). Alfabetismo nesta língua: 10%–30%. Em português: 15%–25%. Uma gramatica foi produzida e o Novo Testamento traduzido em 1996 (SIL).

História: Os Kagwahiva contam histórias de uma longa migração, vindo de uma ‘terra sem água’, viajando rio acima num vasto rio onde não enxergaram as margens. Há semelhanças fonéticas com os Ka’apor do Gurupi do Maranhão. Tudo isso sugere uma origem costeira (Krache 2005). Os grupos Kagwahiva, chamados pelos brancos ‘Parintintin’, são descendentes dos ‘Cabahyba’ que viviam nas cabeceiras do rio Tapajós, na confluência dos rio Arinos e Juruena no século XVIII e no início do século XIX. Foram mencionado primeiramente em 1797. Os Kagwahiva foram forçados na direção do rio Madeira por ataques pelos Munduruku e dos brasileiros acerca de 1850. Por dois séculos tinham uma reputação terrível por atacar sem respeito de vida os brancos e outros povos indígenas. Os seringueiros faziam expedições de represália brutais no princípio do século XX (Hemming 2003.64).

Em 1922 seu território estendia entre as fozes dos rios Maici e Ipixuna e a foz do rio Machado na margem direita do rio Madeira. Os grupos dividiram e guerrearam entre si mesmos. Antigamente a guerra era importante de se definir e defender e o alvo era capturar a cabeça do líder dos inimigos. Eram uma ameaça aos serigueiros e outros regionais por uns 400 quilômetros do rio Madeira (Krache 2005). O SPI enviou Capitão Amarante, que estabeleceu um posto primeiro entre os Mura-Pirahã, mas estes eram inimigos dos Parintintin, então esta estratégia não conseguiu contato. Curt Nimuendajú foi pedido tentar o contato. Seu plano era um método de contato indireto de amontar um posto no território fora das suas aldeias, e separada dos regionais e outros índios, para que os Parintintin se acostumem a sua presença e aprendam as vantagens para eles de ter contato com ele.

O posto foi atacado três vezes, pelos Kagwahiva pintados todo de preto, gritando e usando acangatares de penas amarelos e vermelhos. Eles cortaram a arrame farpada que cerava a casa, atiraram flechas e depois de lançar ameaças retiraram. Nimuendajú deixou as flechas com alguns presentes na trilha perto da cerca. A terceira vez os guerreiros avançaram até a casa para matar o antropólogo. Mas acuaram e aceitaram presentes de colares e um deu seu acangatar em troca, e depois aceitaram mais presentes. Perguntaram querendo saber a procedência dele e se ele fosse ‘parente’ da policia. Afinal aceitaram comida da mão dele. O contato não trouxe benefícios aos Parintintin, pois sofreram invasões do seu território e morreram de epídemas, e até um colega de Nimuendajú lamentava sua parte no contato (Hemming 2003.65-68).

Nimuendajú começou a ‘pacificação’ no alto rio Maici em 1922, mas os missionários da Missão Coração da Amazônia (WEC) também tiveram contato por alguns anos desde 1925 nos rios Marmelos, Maici e Ipixuna (veja o Comentário em baixo). O SPI montou dois Postos que durante a Segunda Guerra Mundial, mas terminaram o contato por falta de verbos. Em 1945 um seringalista, João Chaves, gabou de ter morto 118 ‘bocas pretas’, provavelmente Uru-Eu-Wau-Wau, e tinha 600 ‘escravos’ indígenas trabalhando para ele com supervisores Parintintin (Hemming 2003.299). No anos 70 um Posto da FUNAI foi instala perto de Três Casas (Krache 2005).

Duas usinas grandes estão sendo construídas no rio Madeira: a Jirau de 3.450 MW, 150 km começar a construção em 2012 rio acima de Porto Velho em Rondônia e a Santo Antônio de 3.150 MW, para concluir construção em 2015 perto da cidade. O governo da Bolívia e agencias ambientalistas protestaram, porque as construções estão na floresta densa e pode prejudicar muitas etnias indígenas: os Karitiana, Karipuna, Urueu Wau Wau e os Katawixi, e mais distantes os Parintintin.

Estilo da Vida: As aldeias são de três a cinco famílias nucleares morando em uma só maloca (ongá) com o terreno limpo em redor formado a praça (okará). Hoje a maloca é substituída por casas do tipo regional por cada família. As aldeias se localizada nas beiras de igarapés. As roças são limpas pelos homens e o plantio e a colheita são feitos pelas mulheres, ajudas pelos maridos ou toda a família. A pesca é feita com flechas ou tinguijada no igapó. Usam uma isca ‘peixe’ feita da casca de um arvore para atrair o peixe no alcance do arco de flecha. A caça é feita com espingardas.

Sociedade: Entre os grupos de Kagwahiva a sociedade é divida em duas metades exogâmicas chamadas os mytm (mutum) e kwandú (gavião ou arara). Há um terceiro grupo chamado Gwyrai’gwára (identificado com o japú) e se casa com as duas metades. O homem que casa suas filhas ganha o serviço e residencia dos genros e assim formar uma aldeia nova.

O casamento é com primos cruzados e uxorilocal. Os filhos são nomeados pelo irmão da mãe que tenha uma criança pequena de sexo oposto e estes filhos se casam. O filho é cuidado pela mãe por uns três anos, e o ideal é ter os filhos com intervalos de cinco anos por contracepção. Os Kagwahiva não aceitam brincadeiras de competição ou violência para que a criança aprenda a diminuir conflitos. Na iniciação masculina, os meninos recebem um novo nome da sua metade pelo irmão do pai e uma tatuagem facial, por isso os Kagwahiva são chamados ‘bocas pretas’. A iniciação da menina é por seclusão por dez dias e depois recebe um banho ritual e uma tatuagem facial (Krache 2005).

O noivo completa um tempo de servir o sogro antes do casamento, por exemplo ele entrega toda sua caça ao sogro e trabalha somente na roça do sogro. A noiva é dada por seus irmão, um dos quais tem o direito por sua vez dar o nome ao filho do casamento. Depois o nascimento do primeiro filho o casal pode construir sua própria casa (Krache 2005). A poligamia é pouca praticada e o sacramento matrimonial é realizado pelos padres uma vez por ano.

Artesanato: Os Parintintin deixaram de saber fazer a cerâmica. Fazem cestos e arco e flechas. Hoje panelas e canoas são compradas dos não indígenas. Homens trabalham com madeireiros ou nas estradas e as mulheres como empregadas domésticas (Krache 2005).

Religião: São 80% Cristão, 55% católicos, 25% evangélicos (Joshua Project). As epidemias levaram os últimos pajés antes que pudessem transmitir seu conhecimento. Os Parintintin viajam para Humaitá ou Porto Velho para receber assistência médica. Os sonhos são importantes, um pajé pode encontrar com os espíritos no sono e um futuro pajé pode ser indicado pelos sonhos antes de nascer, enquanto a mulher está gravida.

As curas são feitas com plantas durante uma cerimônia chamada ‘tocaia’, quando o pajé fica escondido em um pequeno cômodo na praça da aldeia. Ele entra em transe e sobe aos diversos níveis do cosmos para persuadir os espíritos a virem soprar no paciente. No fim ele se encontra com os Chefe Ancestral Xamã. O pajé canta os cânticos que os espíritos poderiam se anunciar que são repetidos por um outro pajé no lado de fora da tocaia.

Certas comidas são evitadas durante a gravidez e depois o nascimento da criança. Durante a doença de uma criança os tabus se estendem a toda a família. Trabalhar com a mandioca quando está doente é perigoso. O sexo é evitado quando a tinguijada é usada na pesca e também entre primos paralelos. O caçador que se acha incapaz de matar certas espécies vai ao curandeiro para ser livrado desse estado (Krache 2005).

Cosmovisão: Na mitologia parintintin há três vultos ancestrais e poderosos. Pindova’úmi’ga ou Mbirova’úmi’ga é o chefe xamã ancestral que no tempo primordial visitou o céu, o rio, em baixo da terra e até foi dentro uma árvore, e encontrou todos os lugares cheios de espíritos, peixes e animais. Então ele procurou um trecho da floresta não habitado no segundo céu e construiu sua casa ali, e ele e seu filho se tornaram a Gente do Céu. Os pajés durante sua transes da cerimônia tocaia repetem esta viagem. Mbahira é um criador-enganador que criou a paisagem e deu o fogo e muitos dos artigos e práticas culturais aos homens. O terceiro ancestral é Ngwãiv, uma Velha, que foi cremada por seus filhos e transformada em as plantas cultivadas, como mandioca, milho, etc.

Comentário: Em 1920 a Missão WEC em prosseguir com seu alvo de evangelizar os povos não alcançados do mundo lançou o desafio de evangelizar a Amazônia como o coração preto do continente (TWWFJN July-August 1920). O plano era estabelecer uma frota de embarcações, cada uma com dois obreiros para evangelizar cada afluente grande do rio Amazonas. Este plano não se realizou por falta de candidatos, mas os primeiros pioneiros visitaram diversas regiões da Amazônia. O primeiro missionário foi enviado em agosto 1923 com destinação aos Karajós. Em 1924 os ‘Parentintin’ aparecem num mapa de estrategia. Kenneth Grubb, o pesquisador da missão, completou o mapeamento por viajar milhares de quilometras nos rios Negro e Juruá, e encontrou com cinco Parintintin em Manaus e os convidou para assistir à igreja batista! O agente do SPI não permitiu a visita por eles faltar roupa apropriada! No ano seguinte chegaram quatro obreiros da Missão em Nova Olinda do Norte no rio Madeira e tiveram contato primeiro com os Mura Pirahã no rio Maici, inimigos dos Parintintin.

Grubb e Morris subiram o rio Madeira e entraram o rio Marmelos em maio 1925. Continuaram no rio Maici e planejaram atravessar o mato para o rio Ipixuna. Andaram no mato com um guia Parintintin e acamparam com um grupo indígena, que quis ‘compartilhar’ de toda sua bagagem. Os índios viajaram rapidamente pelo mato por dois dias até o rio Ipixuna (atualmente nas Terras Indígenas Ipixuna e 9 de Janeiro). Depois os dois missionários desceram em uma canoa com os índios e chegaram a uma maloca onde viviam mais trinta índios. Estes tomaram todos seus bens até rasgar a roupa dos seus corpos. Zombaram dos missionários por sua fraqueza, pois estavam com febre, e sofreram devidas aos feridos nos pés e nas pernas, depois a viagem rápida pelo mato. Os rapazes indígenas arrastaram os missionários pelo chão, atirando flechas na sua direção. Agora eles estavam dependentes dos índios dar lhes um pouco da sua comida. Ficaram presos assim sem transporte por quinze dias, depois foram abandonados pelos índios. Agora Morris estava tão doente que Grubb tinha que carregá-lo nas costas. Depois mais uma semana sozinhos do mato um Parintintin dos guias originais apareceu e os levaram rio abaixo até Nova Olinda. Assim foi o primeiro contato com os Parintintin. Muito anos depois Grubb era presidente da Assembleia da Igreja Anglicana e Morris era um dos fundadores da Sociedade da Bíblia do Brasil.

Em agosto missionários Harris, Hutcheson e Knight se estabeleceram no rio Ipixuna em um lugar chamado Oga Garcia. Logo alguns dos mesmos Parintintin apareceram para roubar suas ferramentas e os enjoar cada dia (WWFJN. nov-dec.1925). No ano seguinte a atitude dos Parintintin mudou para o melhor para com os missionários, e os chefe do grupo que tinha maltratado Grubb e Morris pediu desculpas. Os obreiros prosseguiram com a aprendizagem da língua e oração, mas Harris foi severamente ameaçado por um guerreiro. Os obreiros tentaram mediar entre os Parintintin e os Pirahã, que atacaram e feriram uma canoa cheia dos primeiros. Houve os primeiros conversos indígenas. Outros missionários chegaram, um deles, Wright visitou o rio Maici e o Ipixuna. Em 1931 todo o trabalho do WEC no Brasil passou para a Missão UFM (MICEB no Brasil) e se concentrou seu ministério entre os Canela, Ka’apo e Tembé no Maranhão por alguns anos.

LaVera Betts (SIL), norte americana, trabalhou no Brasil por 45 anos e dedicou a vida aos índios Tenharim. Analisou a língua e produziu um dicionário na língua e com Helen Pease e Annie Vallotton traduziu Tupana’ga nhi’iga, o Novo Testamento, completo em 1996. Ela escreveu uma tradução dos livros de Gênesis a Juizes do Velho Testamento. Helen Pease (SIL), Canadense, trabalhou na língua e produziu uma Gramatica em 1968.

Bibliografia:

  • DAI/AMTB 2010, ‘Relatório 2010 – Etnias Indígenas do Brasil’, Organizador: Ronaldo Lidório, Instituto Antropos –instituto.antropos.com.br.
  • EBERHARD, Dave, …s.d..’Mamaindé Coda Processes’ em Fifty Years In Brazil – Um Tributo aos Povos Indígenas, Eds: Mary Ruth Wise, Robert A. Dooley, Isabel Murphy, Dallas TX: SIL International, pag. 177-210.
  • KRACH, Waud, 2005, ‘Parintintin’, Povos Indígenas do Brasil, Instituto Socioambiental, São Paulo, pib.socioambiental.org/pt/povo/parintintin.
  • HEMMING, John, 2003, Die If You Must: Brazilian Indians in The Twentieth Century, London: Macmillan.
  • SIL : 2009. Ethnologue: Languages of the World, Lewis, M. Paul (ed.), Sixteenth edition. Dallas, Tex.: SIL International, www.ethnologue.com.
  • TWWFJN, The Whole World for Jesus Now, primeiro jornal da WEC (Cruzada de Evangelização Mundial), London e Belém.